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sexta-feira, 27 de junho de 2025

Blasfêmias

        




 

        A União Democrática Nacional (UDN) até a década de 60 do século passado eram os paladinos da moralidade. Foram os primeiros a achar que todos, ou quase todos. os problemas do país se resolveriam com o fim(?) da corrupção. No fim da década de 70, consolidando nos anos 80 nasce o Partido dos Trabalhadores fruto dos sindicatos de operários e das comunidades eclesiais de base herdando a plataforma menos moralista, mas ainda centrada na ideia de que a corrupção atravancava o progresso do país. Na última década do século passado surgem partidos como o PSDB e PL que passam a pregar que o que falta é técnica, que tem politica demais. Começam a aparecer os candidatos que administrariam os Estados como se fossem empresas.

Visões parciais que acreditavam que o roubo provocava maior mal que a incompetência. Uma ingenuidade ululante descrer na burrice como um mal que pode superar qualquer outro. Outros de que apenas saber administrar resolve o problema como se estivéssemos nas repúblicas de Hitler ou Stalin, num totalitarismo. Em nenhum outro regime o consorte consegue realizar tudo o que quer. Nem na tirania é possível. Porque até nela há oposição. Nem todo desejo vira fato. Fora do Totalitarismo é preciso manha, artimanha ou negociar, ou seja, política.

Na verdade, todos eles sabiam que legislar e governar é ilimitadamente mais complexo que se prender a simples maniqueísmos: Roubo/Ingenuidade; Técnica/Política. Qualquer dicionário de antônimos não reconhece nenhuma dessas oposições porque nenhuma está relacionada a outra. É possível ser honesto, técnico e fazer política. A maior oposição talvez seja ser eleito e ser honesto, mas não quer dizer que seja impossível.  Politica como ação não é uma realidade restrita as eleições. É uma pena que a maioria tenha se convencido dessa mentira. E a pior de todas de que a politica se restringe aos políticos.

Os discursos eleitoreiros que se tornaram muito piores neste momento, perderam toda a materialidade em slogans vazios: a Itália é para os italianos, Zeus acima de tudo, Pastor bom é pastor morto. Coisas que não dizem absolutamente nada. Quem são os italianos? Os nascidos na Itália ou os que tem por origem famílias italianas? Os que decidiram morar lá e colocar seus negócios importantes gerando empregos não tem os mesmos direitos?  O que é tudo? Todas as coisas? Todas as pessoas? Todas as ideologias? Toda atividade de pastor é inaceitável? Alguma atividade não pode ser entendida como metafórica em vez de estelionato?

Governar ou legislar pressupõe negociar, tentar fazer o melhor POSSÍVEL.  A ênfase tem que estar em possível, porque o impossível nunca se ganha mesmo quando se propõe. O melhor é sempre uma enorme desilusão. Essa é a parte política. A técnica está em saber o que propor e como propor para dar um passo a frente no fim de tudo. Mas não adianta saber o que se quer ou o que é necessário se não se sabe viabilizar, negociar. Afinal nem os mais próximos pensam igual. A multiplicidade então... É bom que seja o máximo possível honesto pra perder menos dinheiro no caminho pra aplicação. Mas se o gestor é burro ou ineficiente de nada adianta ter economizado na feitura já que a obra é inepta ou inoperante. O desperdício foi maior ainda.

Eu sei que esse texto é inútil porque as pessoas preferem se apegar a mentiras fáceis. Construir dogmas em vez de pesar, sopesar argumentos. Estão doidas para continuar no velório da política enquanto os espertalhões transformaram tudo em economia, em negócios. Governos comprando o legislativo desde 2004. O legislativo comprando votos para a própria reeleição sequestrando dinheiro do executivo desde 2015. Negociar significa ser ingênuo, ser enganado porque a logica não é mais política, é econômica. Todos querem fazer o melhor negócio, mas não justamente. Querem um enganar o outro. E quando um malandro encontra um otário... É o mal de sair da política. Na política se um não confia no outro, nada sai. Nos negócios...

segunda-feira, 14 de abril de 2025

A morte do "outro"

 


Nós não nos constituímos sem o outro. Não há como o homem se tornar humano sem o juízo do outro. Nós somos maus críticos de nós mesmos. Não conseguimos nos ver com a mesma clareza com que espelhos, mesmo disformes nos veem. Assim a cada passo, mesmo que o outro seja outro eu, o eu-mesmo, a consciência, estamos necessitados do julgamento, do amparo da opinião do outro. Assim o filósofo Umberto Eco, no livro Os cinco escritos morais, dentro do capítulo Quando o outro entra em cena, nos diz que:

Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca, o faz em momentos excepcionais, mas pelo resto da vida está lá a mendigar aprovação, amor, respeito, elogios a seus semelhantes. E mesmo àqueles a quem humilha ele pede o reconhecimento do medo e da submissão. Na falta desse reconhecimento, o recém-nascido abandonado na floresta não se humaniza (ou, como Tarzan, busca o outro a qualquer custo no rosto de uma macaca), e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos tivessem decidido não nos olhar jamais ou comportar-se como se não existíssemos.

Como então houve ou há culturas que aprovam o massacre, o canibalismo, a humilhação do corpo de outrem? Simplesmente porque essas culturas restringem o conceito de “outros” à comunidade tribal (ou à etnia) e consideram os “bárbaros” como seres desumanos. (ECO, 1998, p. 95 e 96)

Assim vemos a importância do outro para nós e também como transformamos tanto o outro em bárbaro comumente, no dia-a-dia, desumanizando-o. Transformando um parâmetro em algo nulo, inexistente. É o que fazemos a cada um que ignoramos. Decompomos o ator mais importante em nossa formação em pó, cinzas. Assim o ser coletivo, formado por suas relações se torna individualista, pseudo-autônomo ao tentar anular os outros em nome de sua singularidade, de que seja notada suas particularidades. O homem político que age em busca do acordo para o bem do grupo desaparece depois de se alimentar dos outros, que não pretende retribuir. Assim caminhamos nós a humanidade, ou melhor, a desumanidade

sábado, 15 de março de 2025

Pelo retorno da Política

 

A política como interação desde o alge da idade média perdeu sua força. Na idade moderna, com a criação dos Estados Nacionais, a política até teve um soluço de poder, mas com o progressivo andar da modernidade foi progressivamente perdendo sua hegemonia e, inclusive, sua autonomia. A economia tomou seu lugar racionalizando o mundo através da técnica que relega a todos uma particular função.

A casa, o domicílio toma uma dimensão vultuosa: a própria sociedade. A própria política se torna um trabalho como outra qualquer atividade econômica. Portanto deixa de ser política onde a pluralidade interage para alcançar um consenso. Creio que se quisermos recuperar a política e, consequentemente a ética, pois ética e política nesse modelo não se separam, é preciso acabar com a figura do político profissional. É necessário trocar seus altos salários por ajudas de custo e as inúteis reuniões diárias por reuniões pontuais para ações efetivas para deliberar sobre as cidades.

É preciso que os cidadãos se autossustentem com seus próprios ofícios e deliberem politicamente por vontade própria e não por necessidade (do salário). Assim, os candidatos serão eleitos pelo desejo dos eleitores e não por seus próprios desejos. Não seriam os candidatos que se apresentariam aos eleitores buscando desfrutar das benesses do poder em favor de si próprios, mas seriam os eleitores que escolheriam alguns para carregarem a responsabilidade de legislar e executar as decisões em prol da sociedade.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Democracia, seus desvios, seus desvarios

 


No livro quarto, capítulo IX, 8 de A Política, o estagirita Aristóteles mostra um dos maiores defeitos da democracia, que costumeiramente a transforma em uma oligarquia, a desigualdade econômica. Obviamente, Aristóteles não conheceu um problema maior que é a questão da representatividade numa democracia representativa, que transforma a democracia em patrimonialismo, em conjunto com o primeiro grave problema. Sobre o primeiro problema, o estagirita é sábio:

Portanto, a própria desigualdade econômica deteriora o que Aristóteles denomina por república, que é o regime voltado para cuidar do que é público e, portanto serve a todos. Os argumentos da Aristóteles, mostrando que o predomínio de um grupo sobre o outro rompe com o ideal de igualdade, primeiro princípio de qualquer democracia. Se todos não são iguais para agir politicamente, não podem ser considerados livres, pois quem não pode agir, obviamente não é livre.

“É evidente, pois, que a comunidade civil mais perfeita é a que existe entre os cidadãos de uma condição média, e que não pode haver Estados bem administrados fora daqueles nos quais a classe média é numerosa e mais forte que todas as outras, ou pelo menos mais forte que cada uma das delas; porque ela pode fazer pender a balança em favor do partido ao qual se une, e, por esse meio, impedir que uma ou outra obtenha superioridade sensível. Assim, é uma grande felicidade que os cidadãos só possuam uma fortuna média, suficiente para as suas necessidades. Porque, sempre que uns tenham imensas riquezas e outros nada possuam, resulta disso a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou ainda uma tirania insuportável, produto infalível dos excessos opostos. Com efeito, a tirania nasce comumente da democracia mais desenfreada, ou da oligarquia. Ao passo que entre cidadãos que vivem em uma condição média, ou muito vizinha da mediana, esse perigo é muito menos de se temer”. (Aristóteles, 2009, p. 141 e 142).

Esse é um grande problema, mas não é o pior, pois a democracia representativa, que por sua própria estrutura alija as pessoas das decisões políticas, de agir politicamente, pois são induzidas a limitarem suas manifestações à escolha de seus representantes dentro de uma lista preestabelecida de candidatos que quase nunca tem um perfil que represente as aspirações do eleitor só pra citar o menor dos problemas. Na verdade, os problemas estão longe de ser “ideológicos”, mas sim o do predomínio dos mesmos grupos eternamente no poder porque o mecanismo da representação e da institucionalização em partidos ou comitês lhes favorecem. Basta dominar um menor grupo para se tornar uma das raras alternativas possíveis e ganhar se elegendo ou não. Perpetuando-se no poder. Tendo este como seu patrimônio pessoal.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O ocaso da política e a barbárie da civilização

 


Como sempre, vou preferir proferir minhas impressões que reproduzir o achômetro de outros, mesmo que estes sejam mais conhecidos e tenham maior credibilidade. O que não deixa de ser um critério técnico, o que em si mesmo é um grande problema. Se eu cedesse a esse juízo estaria sendo incoerente, pois o retorno da política, que defenderei, é justamente um contraponto ao domínio nefasto da economia através da técnica e da tecnologia.

O grande problema detectado por Hannah Arendt na modernidade foi o ocaso da política. A própria inexistência da política, fez com que necessitasse voltar à Grécia antiga para ter conceitos onde basear seu estudo que culminou na criação do conceito de Totalitarismo para explicar regimes como o Nazismo e o Stalinismo, que não poderiam ser considerados tiranias, pois tinham apoio da massa apesar de opressores e nem foram frutos de golpes de estado.

Os integrantes da Escola de Frankfurt, logo em seu início perceberam as influencias devastadoras da técnica sobre a sociedade. Membros da primeira geração como Adorno e Horkheimer demonstraram como na técnica ao explicar o mundo o mitificou, transformou a própria razão “autônoma” em mito. Marcuse, uma transição da primeira para a segunda geração, intensificou a crítica à técnica e à tecnologia. No entanto nenhum deles (da Escola de Frankfurt) conseguiu perceber antes que o grande problema não era apenas o domínio da técnica, mas também o consequente ocaso da política.

Aristóteles, bem como grande parte dos filósofos gregos após Sócrates perceberam que a política se fazia na praça pública e era fruto de uma dialética, ainda uma dialética socrática. Estava fundada a relação intrínseca entre política e interação/comunicação/diálogo. Um conceito de política que não encontra nenhum parâmetro na visão de política após a modernidade quando os cidadãos foram substituídos pelos políticos como categoria técnica independente.

Assim com o ocaso da política, esperamos e culpamos os representantes por não fazerem o que nós deveríamos fazer. Perdemos o poder político, o delegamos institucionalmente a outros, incapacitados como nós, o poder de decisão sobre o céu e a terra. Vivemos comodamente um messianismo da técnica. A esperança, existente desde os iluministas, de que a razão por si só leve o barco à frente, sem perceber que nos desgastamos remando cada vez mais, quando até nossas brincadeiras são direcionadas a mover o barco. Quando um imbecil italiano quer proclamar criativo até o ócio, em vez de se indignar com esse absurdo. Criação é o que Hannah Arendt chamaria de trabalho. As brincadeiras, creio que poderíamos chamar de labor, porque, embora não diretamente, estão relacionadas com a sobrevivência, pois impede que o barco estagne.

Portanto, no momento em que a hegemonia da economia trocou a interação política pela representatividade técnica, a civilização se autodestruiu, pois acabou com as cidades. Como conceber uma cidade sem a integração política garantida pela interação? Não podemos. Só podemos vislumbrar um mundo sem limites, mas não por uma interação universal, mas por uma desintegração plena. Cada um em seu lugar, não mais nem sujeito, pois o sujeito só existe na interação. A afirmação de Aristóteles de que o homem é um animal político tornou-se uma utopia. Que bom seria reconstruí-la em bases atuais, como detectou ser necessário Hannah Arendt, e como tentou (sem resultados até hoje) Jurgen Habermas.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Economia e Governo

 


O ordoliberalismo ou o neoliberalismo que se tornou dominante na principal potência do mundo globalizado e que está presente em maior ou em menor proporção nos demais países do mundo. Num mundo, onde algumas políticas, poucas delas, ainda podem ser nacionais, mas cuja a economia é transnacional, integrada mundialmente, não importa se o país é comunista como a China, capitalista como a Alemanha ou difícil de descrever como o Sudão do Sul, a economia é a lógica que avalia cada um desses governos.

A política, tal como descreveu Aristóteles, se tornou um mero acessório da economia de modo que a autonomia kantiana hoje, por exemplo, nos parece um conto da carochinha. O que nos promete as condições para ser livre nos coloca numa tal dependência que sem grandes dificuldades conseguiríamos entender ser uma prisão. É como se disséssemos a um ser humano: à partir de hoje vais experimentar a mais ampla liberdade. Podes fazer tudo o que desejas. Não existirão mais limites. Desde que nunca saias desta gaiola de 10 m². Realizou-se o que Marcuse chamou de falta de liberdade confortável. Podes tudo, te dou tudo, desde que me cedas tua liberdade.

Tudo é possível. Não há mais alienação, pois todos somos donos de nosso próprio capital, desde que aceitemos que as regras que devem governar o mundo sejam as de mercado. Não podem ser questionadas, pois elas nos libertam. Parece muito com os totalitarismos, me refiro a tanto os de esquerda quanto os de direita, onde qualquer mal deve ser negado em nome de um suposto bem que ultrapassa a tudo. Aliás essa nova lógica, o ordoliberalismo, acaba com qualquer diferenciação ideológica possível, pois pouco importa a origem do governo, as regras que ele deve seguir são as mesmas: as de mercado.

Não dá pra dizer que a coisa é intrinsecamente boa ou má. Ainda é cedo pra julgar. Só o tempo mais distante nos dará um horizonte para poder julgar o que acontece hoje. Mas pelo menos uma coisa é certa: o sistema é um labirinto e a gente não sabe se tem saída. Nem se queremos sair ou não. Muitas coisas nos incomodam, mas é tão confortável dentro. Resta-nos a ansiedade de andar, andar e parecer não sair do lugar ao mesmo tempo que o mistério nos aguça a curiosidade e assim nos ativa a tentar decifrá-lo.

 

Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. O reino e a glória. São Paulo: Boitempo, 2011. 326p.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 474p.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

A ética do cuidar

 

Nossa sociedade é bombardeada por valores que destacam o individualismo, o consumismo, a insegurança. Abdicamos gradativamente desde a idade média do coletivo e estamos quase abandonando o individual, estamos nos desumanizando. Não porque sejamos maus ou perversos, mas porque somos jogados numa rotina massacrante em que praticamente os únicos gritos que ouvimos são cuide da sua vida, compre isso pra você, se satisfaça, e semelhantes...

Como se fosse possível viver isolado. Como se o bem do próximo não tivesse nada a haver com o seu bem. Como se você comprasse uma roupa bonita só pra você ver. Se for só isso, porque você não usa trancada no seu quarto porque só o que importa é a sua opinião.

Somos seres altamente gregários. Não somos independentes sem que os outros garantam a nossa independência ou a convalidem. Como já expôs Aristóteles, ninguém é independente sozinho. Que é independente sozinho, aliás, é independente de quem cara pálida!

Agora o que é incrível é que poucos de nós tomamos consciência de nossa interdependência. E dos que tem consciência disto, pequena parcela age como se soubesse. O que é mais complicado ainda. É necessário tomarmos uma profunda consciência deste fato e começarmos a agir de fato como se o outro existisse e fosse vital para nós. São os outros é que possibilitam a existência que determinamos.

Então volto à necessidade do cuidado que devemos ter uns com os outros de modo a tornar mais harmônica possível a nossa convivência e aí facilitar nossa interação na sociedade em vistas de estabelecermos quem somos e agirmos com maior efetividade. É preciso que entendamos que a sociedade é uma teia e que ao cuidar do outro estamos cuidando de nós.

A nossa vida é permeada de relações e a história é claramente dialética. Vivemos num grande sistema em que nossas ações não são impunes. Quem age bem e pensadamente colhe os melhores resultados. Ao sermos carinhosos e atenciosos com nossos pares, estamos estabilizando um sistema no qual fazemos parte e é claro nos afeta.

Outra questão é a da responsabilidade social, a da responsabilidade pelo outro. Temos que agir sempre eticamente de modo a causar o maior bem possível provocando o menor dano provável, pois estamos todos volúveis num mesmo plano de dominós. O menor balanço pode não te detonar, mas se a sua linha começar a cair se cuide.

Então, o que estou falando é que cuidar do outro não é uma questão simples de bondade, amor, fraternidade, é questão de sobrevivência. O que é preciso não é que sejamos bonzinhos, é que tenhamos consciência e sejamos responsáveis pelos nossos fracassos. Pois cada ser desiludido é parcialmente um fracasso pessoal de todos nós. A outra parte é do próprio, é claro.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Zoé para Bios



Hoje vivemos um período no qual a democracia poderia estar mais consolidada do que em qualquer outro momento da história. A globalização, ou internacionalização econômica, propiciou uma possibilidade de comunicação e entendimento que até então nunca tinha sido tão provável. Não existe mais uma ameaça política à existência humana na Terra como durante a Guerra Fria. Os conflitos étnicos, ainda existentes e numerosos, estão muito mais controlados do que estiveram no passado. Parece que a racionalidade ocidental se tornou uma espécie de linguagem universal na qual todos os atores puderam se entender.

Essa mesma lógica econômica é, entretanto, a causadora do estado de exceção que, ao tomar iniciativas em defesa da democracia, acaba fragilizando-a. Resultado: enfraquece a independência de poderes, sobretudo o poder legislativo porque passa a dar poder legal ao que não é lei; transforma o poder em iniciativa. Agir é o que a política, no mínimo, deveria proporcionar; ao se transformar em uma discussão do direito, cujas leis continuem válidas, ela não tem mais eficácia jurídica, esvaziando, assim, a possibilidade de mudança. Enfim, consegue tudo o que uma economia deseja: liberdade comercial e estabilidade.

A democracia, que inicialmente salvaguardava apenas os que delas se utilizavam – ou seja, os que agiam na pólis (política)–, passou a se referir a todos até mesmo àqueles que não se interessavam por ela, àqueles que não tinham poder pra agir, ou àqueles cujo poder lhes havia sido retirado. O terreno da vida (privado) e o terreno da política (público) passaram a não mais se diferenciar e, assim, a vida invadiu a política. Em face disso, é importante mostrar como os fundamentos das teorias tradicionais da democracia se tornaram meramente formais como as leis –quando existem – no estado exceção. Entretanto, sua aplicação é suspensa.

Quanto mais a democracia se ampliou, o que é um princípio democrático moderno de atingir a todos, mais se transformou em uma democracia para ninguém. A intenção da pluralidade acabou redundando na impessoalidade, pois serve à mesma lógica da racionalidade técnica que se importa tão somente com o produto, enquanto, no processo, só se atenta para a produtividade, para eficiência e para os valores relacionados ao fim e não ao meio. Desde que se chegue aos resultados esperados, não importa quem participa, nem se a ação vai melhorar ou piorar a vida do indivíduo, tanto faz ser ele uma máquina, um protocolo.

A política, desse modo, se desvinculou da ação como mudança de um cenário e passou a ser sua administração, como se a teoria funcionalista tivesse vencido e tudo fosse um corpo para o qual o único interesse é a manutenção da sua saúde. Assim, o que possivelmente atrapalha a saúde do corpo deve ser afastado, e sua ação cerceada. Deve ser expulso do bando para não contaminar o resto do corpo; deve morrer (não necessariamente de morte física) sem ser julgado ou sacrificado.

Esse caminho em que a democratização da democracia redundou num jogo perverso em que todos estão submetidos à dominação de uma lógica impessoal é o que tentaremos demonstrar neste trabalho, sobretudo a ideia de que a defesa da democracia dos perigos externos se transformou no pior algoz da democracia.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

O fim da Política

    


As pessoas tendem a entender a política como a atividade dos políticos profissionais e participação como sufrágio eleitoral como eleição. Nós preferimos delegar a representantes o direito de escolher por nós os nossos próprios destinos e de nossas sociedades. Quase sempre nos limitando a julgar se votamos bem ou mal e quase nunca julgamos as discussões ou decisões em si.

    A ideia da política como ação, atuação dos homens presente em filósofos como Aristóteles e resgatada por filósofos como Karl Marx ou Hannah Arendt, embora sejam críticos do primeiro, parece uma ideia esquecida, presente apenas algumas vezes no domínio da teoria. A ideia de que são os homens que fazem a história que domina todas as ciências sociais atualmente e é amplamente aceita sem questionamento até mesmo pela maior parte das correntes filosóficas atuais, até porque seria um anacronismo negá-la, parece não ter nenhuma utilidade prática, pois os homens se negam a agir.

    Se pudermos dividir a política em a Política com “P” maiúsculo como Aristóteles chama aquela que se refere às ações na polis e política com “p” minúsculo aquela que se refere à forma de governo, a maneira de governar, ao formalismo em si, podemos dizer que desde a modernidade, ou talvez a idade média, a Política com “P” maiúsculo perde a importância e sobra somente a política com “p” minúsculo, as ciências políticas, um enorme rebuscamento tanto formal quanto jurídico para dificultar o acesso e a participação das pessoas na política.

    A própria ideia da política representativa e seus mecanismos parecem determinados a fazer com que o individuo se afaste da política. Segundo a filósofa contemporânea Hannah Arendt, o começo do desinteresse por política iniciou na Idade Média ou no Feudalismo quando o clero, ou melhor, a própria Igreja se “sacrificou pelos irmãos” ao assumir a política para que cada um cuidasse de sua própria subsistência, ou seja, da economia. Esse conceito atravessou a modernidade e chegou a nós contemporâneos, mas não parece explicar a apatia política existente. Até porque as próprias questões da sobrevivência só podem ser resolvidas pela política ou garantidas por esta.

    Quando a política deixa de ser atividade dos cidadãos, por poucos que sejam, para ser uma concessão de poder, o objetivo da política deixa de ser resolver os problemas da cidade ou do mundo ou solucionar as demandas de seus cidadãos para se tornar tão somente uma busca de poder. O que ocasiona um grave problema, pois a resolução dos problemas se torna tão somente, quando acontece, como mecanismo para ascender ao poder ou se manter lá, ou ainda como mecanismo para anestesiar as massas.

    Obviamente os problemas do ocaso da Política não resolveriam simplesmente pela revalorização da política, pois a revalorização da política simplesmente anestesiaria a população dos males da falta da Política, mas a retomada das ações dos homens poderia ser justamente um passo fundamental para essa mudança. É uma suposição razoável, mas ainda resta o problema da apatia política, pois sem a resolução desta não resolvemos nem o problema da política, nem o da Política.

 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

A Política se tornou economia política?

     


        Tanto Aristóteles quanto Arendt veem a política como o domínio das ações em que a pluralidade tenta chegar aos objetivos em comum, resolver problemas em comum, unir suas forças para realizar desejos consensuais. Por consenso, não se fala dos desejos que coincidem, mas dos objetivos que abarcam em sua proximidade o maior número de quereres sem necessariamente coincidir com algum. Seria o que poderíamos chamar de campo de proximidade. Nesse caso, o que podemos considerar como verdadeiro é o consenso. Ele orienta tudo. Ele é que é intensamente buscado. E não pode ser facilmente questionado. Não pode sem no mínimo causar grande desconforto.

 

Sabemos que toda cidade é uma espécie de associação, e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem; porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta de um bem. Todas as sociedades, pois, propõem qualquer bem – sobretudo a mais importante delas, pois que visa a um bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade ou sociedade política. [ARISTÓTELES, 1252a1-7]

 

    Portanto, Aristóteles define a política, que é o que acontece na polis (cidade) como uma associação que visa um bem maior, isto é a existência da própria cidade, unidade administrativa, local governado por um governo. Desse modo pessoas diferentes, de diferentes níveis intelectuais, técnicos, morais, sentimentais ou financeiros firmam sequentes acordos, talvez num nível moderno, minicontratos, para possibilitar a convivência num mesmo espaço.

 

Sem dúvida, a cidade precisa da propriedade, mas a propriedade não faz parte da cidade. A propriedade contém, mesmo, muitos seres animados; mas a sociedade é uma reunião de seres semelhantes, que têm por fim a vida mais perfeita possível. [ARISTÓTELES, 1328a33-35]

 

    Deste modo, Aristóteles, nos mostra como os diferentes tem isonomia (todos tem direito de falar) para discutir e que a economia (as coisas da casa) não tem influência nessa decisão assim como as outras diferenças. Aliás, o particular não participa do público. Do modo em que toda vez que se troca o interesse geral pelo interesse particular seja de um grupo ou de um indivíduo para Aristóteles está estabelecida uma tirania. Todos os outros regimes desde a monocracia, o governo de um; passando pela aristocracia, governo dos melhores; até a democracia, o governo de todos, governam para a coletividade.

    Hannah Arendt acentua o tema da pluralidade presente em Aristóteles e onipresente na leitura da filosofa alemã sobre o filosofo grego. Para Arendt “a política se baseia na pluralidade humana”. Esse aspecto de que somente pela política o homem agir para superar as diferenças em vez de omiti-la (alguns poderão dizer negá-la, inclusive) como faz a economia encampa toda a filosofia política da autora. Desse modo, para Arendt,

 

Política diz respeito à coexistência e associação de homens diferentes. Os homens se organizam politicamente segundo certos atributos comuns essenciais existentes em, ou abstraídos de, um absoluto caos de diferenças. [...] Desde o começo, a política organiza os absolutamente diferentes, tendo em vista a sua relativa igualdade e em contraposição a suas relativas diferenças. [ARENDT, 2010, p. 145 e 147].

 

    Em total contraponto a essa ideia heroica grega presente em Aristóteles e resgatada por Montaigne e Arendt de que a política é fundada pela coragem de agir[1], encontraremos as descrições de Foucault e Agamben. Guiarmo-nos pelas observações de Foucault, com pontuais interações com Agamben. Desse modo logo no início de Nascimento da Biopolítica, descobrimos que na atualidade a política deve se guiar por uma verdade externa a ela:

Não, é claro, que os preços sejam, em sentido estrito, verdadeiros, que haja preços verdadeiros e preços falsos, não é isso. Mas o que se descobre nesse momento, ao mesmo tempo na prática governamental, é que os preços, na medida em que são conformes aos mecanismos naturais do mercado, vão construir um padrão de verdade que vai possibilitar discernir nas práticas governamentais as que são corretas e as que são erradas. Em outras palavras, o mecanismo natural do mercado e a formação de um preço natural é que vão permitir – quando se vê, a partir deles, o que o governo faz, as medidas que ele toma, as regras que impõe – falsificar ou verificar a prática governamental. Na medida em que, através da troca, o mercado permite ligar a produção, a necessidade, a oferta, a demanda, o valor, o preço, etc., ele constitui nesse sentido um lugar de veridição, quero dizer, um lugar de verificabilidade/falsificabilidade para a pratica governamental. Por conseguinte, o mercado é que vai fazer que um bom governo já não seja simplesmente um governo que funciona com base na justiça. O mercado é que vai fazer que o bom governo já não seja simplesmente um governo justo. O mercado é que vai fazer que o governo, agora, para poder ser um bom governo, funcione com base na verdade. [FOUCAULT, 2008, p. 44 e 45]

 

    Ou seja, Pasteurizam-se os governos. Tanto faz um partido liberal, conservador, verde, socialdemocrata ou socialista no poder, pois o índice de veracidade de suas políticas sempre estará em sua adequação aos desejos do mercado. Chegou-se à utopia ordoliberal de despolitizar a política. Deste modo, o direito que no liberalismo era uma limitação à ação do governo, uma proteção do mercado (de ser oprimido pelos governos) passa a ser justamente a justificação do poder da economia sobre os governos:

 

A economia política foi importante, inclusive em sua formulação teórica, na medida em que (somente na medida, mas é uma medida evidentemente considerável) indicou onde o governo devia ir buscar o princípio de verdade da sua própria prática governamental. [...] Seu papel de veridição é que vai, doravante, e de forma simplesmente secundária, comandar, ditar, prescrever os mecanismos jurisdicionais ou a ausência de mecanismos jurisdicionais sobre os quais deverá se articular. [FOUCAULT, 2008, p. 45]

 

     O liberalismo não te promete a liberdade, mas criar condições para você ser livre. Se você não for livre a incompetência é sua (ou da sua mãe que não lhe propiciou as condições propícias para você ter um alto capital humano). Falando em liberdade, medo e segurança dentro do liberalismo estão inseridos num mecanismo análogo. Vejamos:

 

O liberalismo se insere num mecanismo em que terá, a cada instante, de arbitrar a liberdade e a segurança dos indivíduos em torno da noção de perigo. No fundo, se de um lado (é o que eu lhes dizia da última vez) o liberalismo é uma arte de governar que manipula fundamentalmente os interesses, ele não pode – e é esse o reverso da medalha –, ele não pode manipular os interesses sem ser ao mesmo tempo gestor dos perigos e dos mecanismos de segurança/liberdade, do jogo segurança/liberdade que deve garantir que os indivíduos ou a coletividade fiquem o menos possível expostos aos perigos. [FOUCAULT, 2008, p. 90]

 

    O Estado, no ordoliberalismo, se torna uma máquina eficiente, se desumaniza que é que justamente o que mesmo liberais como Berenson temiam.  Os liberais concebiam o Estado como um opositor ao mercado. Os ordoliberais transformam os governos em servos do mercado assim como a filosofia na idade média era serva da teologia.



[1] Ação, para Arendt e Aristóteles é algo que modifica o mundo, portanto que não é individual, isolada, embora possa ter origem individual desde que seja encampada pela coletividade. É algo qualificado, mas não necessariamente difícil, pois qualquer nascimento é uma ação, pois joga um infinito de possibilidades ao mundo no que denominamos de vida.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...