Assim como um
excesso de individualismo minou a interatividade, o egoísmo dificultou,
sobretudo, o aceitamento da pluralidade, conceitos fundamentais de política
para a filósofa que melhor traduziu a filosofia política antiga de Aristóteles
para a modernidade, a saber, Hannah Arendt. Sem esses dois valores
fundamentais, perdemos boa parte de nossa capacidade crítica: não nos interessa
entender o outro. Perdemos a capacidade de sermos parteiros e parteiras de
ideias. Perdemos a capacidade da Maiêutica, a qual Platão explica muito bem com
uma fala de Sócrates, deste modo:
Ora, em todo o
resto, a minha arte obstétrica se assemelha à das parteiras, mas difere em uma
coisa; ela [...] assiste as almas parturientes e não corpos. E minha maior
capacidade é que, através dela, eu consigo discernir seguramente se a alma
[...] está parindo fantasmas e mentiras ou alguma coisa vital e real. Pois algo
eu tenho em comum com as parteiras: também sou estéril [...] de sabedoria. E a
reprovação que tantos já me fizeram, segundo à qual eu interrogo os outros,
mas, eu próprio, nunca manifesto meu pensamento sobre nenhuma questão,
ignorante que sou, é reprovação muito verdadeira. E a razão é exatamente esta:
Deus me leva a agir como obstetra, mas me interdita de gerar. Em mim mesmo,
portanto, não sou nada sábio, nem de mim qualquer descoberta sábia que seja
geração de minha alma. Entretanto, todos os que gostam de estar comigo, embora
alguns deles pareçam inicialmente de todo ignorantes, mais tarde, continuando a
frequentar minha companhia, desde que Deus les permita, todos eles extraem disso
extraordinário proveito, como eles próprios e os outros podem ver. E está claro
que não aprenderam nada de mim, mas de si mesmos encontraram e geraram muitas e
belas coisas. (REALE, 1990, p. 99),