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segunda-feira, 14 de abril de 2025

A morte do "outro"

 


Nós não nos constituímos sem o outro. Não há como o homem se tornar humano sem o juízo do outro. Nós somos maus críticos de nós mesmos. Não conseguimos nos ver com a mesma clareza com que espelhos, mesmo disformes nos veem. Assim a cada passo, mesmo que o outro seja outro eu, o eu-mesmo, a consciência, estamos necessitados do julgamento, do amparo da opinião do outro. Assim o filósofo Umberto Eco, no livro Os cinco escritos morais, dentro do capítulo Quando o outro entra em cena, nos diz que:

Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca, o faz em momentos excepcionais, mas pelo resto da vida está lá a mendigar aprovação, amor, respeito, elogios a seus semelhantes. E mesmo àqueles a quem humilha ele pede o reconhecimento do medo e da submissão. Na falta desse reconhecimento, o recém-nascido abandonado na floresta não se humaniza (ou, como Tarzan, busca o outro a qualquer custo no rosto de uma macaca), e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos tivessem decidido não nos olhar jamais ou comportar-se como se não existíssemos.

Como então houve ou há culturas que aprovam o massacre, o canibalismo, a humilhação do corpo de outrem? Simplesmente porque essas culturas restringem o conceito de “outros” à comunidade tribal (ou à etnia) e consideram os “bárbaros” como seres desumanos. (ECO, 1998, p. 95 e 96)

Assim vemos a importância do outro para nós e também como transformamos tanto o outro em bárbaro comumente, no dia-a-dia, desumanizando-o. Transformando um parâmetro em algo nulo, inexistente. É o que fazemos a cada um que ignoramos. Decompomos o ator mais importante em nossa formação em pó, cinzas. Assim o ser coletivo, formado por suas relações se torna individualista, pseudo-autônomo ao tentar anular os outros em nome de sua singularidade, de que seja notada suas particularidades. O homem político que age em busca do acordo para o bem do grupo desaparece depois de se alimentar dos outros, que não pretende retribuir. Assim caminhamos nós a humanidade, ou melhor, a desumanidade

segunda-feira, 31 de março de 2025

Lêdo engano

 


“As coisas quase nunca são o que parecem”, alerta um adágio popular da precaução platônica contra os sentidos. E, de fato, com o que fizeram com a política após o surgimento do capitalismo e da ciência “autônoma” na Idade Moderna, nada mais é o que parece. Não vivemos somente num mundo ilusório, mas em um universo preparado para nos enganar. Não há nada de natural nisso, diriam alguns. De fato, não há nada de natural mesmo no mundo humano. Este é sempre significado de acordo com interesses. Cada um com o seu, mas algum prevalece, é hegemônico.

E é muito mais fácil prevalecer uma mentira do que uma verdade, como nos mostra Umberto Eco em um fragmento de seu livro de contos Entre a mentira e a Ironia:

Sabeis que o grande segredo de nossa arte é aquele de governar os homens, e que o único modo é jamais dizer-lhes a verdade. Não vos comporteis segundo as regras do bom senso; desafiai a razão e apresentai com coragem os mais inacreditáveis absurdos. Quando sentirdes que tais grandes princípios se enfraquecem, retirai-vos, recolhei-vos em meditação e percorrei a terra; vereis então que as mais absurdas extravagancias tornam-se objetos de culto. [...] recordai-vos de que a primeira mola da natureza, da política, da sociedade é a reprodução, que a quimera dos mortais é serem imortais, conhecem o futuro, embora ignorem o presente, serem espirituais embora eles mesmos e tudo os circunda sejam matéria. (ECO, 2006, p.24 e 25).

Assim, mesmo os mais sinceros desejos possivelmente não passam de pura enganação, mesmo que bem sucedida. As intenções reais tendem a estar escondidas. Pendem a serem ocultadas dos que a operacionalizarão. Neste caso, quem exemplifica muito bem é François Marie Arouet, conhecido como Voltaire, dissertando sobre o senado romano em Cartas filosóficas:

O Senado de Roma, que mantinha o injusto e reprovável propósito de nada querer partilhar com os plebeus, não conhecia outro segredo para afastá-los do governo, senão o de distraí-los sempre em guerras externas. Encaravam o povo como animal feroz, julgando preciso atiça-lo contra os vizinhos, para que não devorasse os próprios senhores. Assim, o maior defeito do governo dos romanos tornou-os conquistadores; porque se sentiam fracos na própria casa, vieram a ser donos do mundo, até o momento em que suas dissensões os fizeram escravos. (VOLTAIRE, 1958, p. 36).

Bem veja, como a sociedade foi se alienando ao se despolitizar pouco a pouco desde o império romano. E como incomparavelmente pior estamos agora quando o erro e o engano se tornaram paradigma e nem mesmo nos serve como serviu aos romanos provisoriamente.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...