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sexta-feira, 27 de junho de 2025

Blasfêmias

        




 

        A União Democrática Nacional (UDN) até a década de 60 do século passado eram os paladinos da moralidade. Foram os primeiros a achar que todos, ou quase todos. os problemas do país se resolveriam com o fim(?) da corrupção. No fim da década de 70, consolidando nos anos 80 nasce o Partido dos Trabalhadores fruto dos sindicatos de operários e das comunidades eclesiais de base herdando a plataforma menos moralista, mas ainda centrada na ideia de que a corrupção atravancava o progresso do país. Na última década do século passado surgem partidos como o PSDB e PL que passam a pregar que o que falta é técnica, que tem politica demais. Começam a aparecer os candidatos que administrariam os Estados como se fossem empresas.

Visões parciais que acreditavam que o roubo provocava maior mal que a incompetência. Uma ingenuidade ululante descrer na burrice como um mal que pode superar qualquer outro. Outros de que apenas saber administrar resolve o problema como se estivéssemos nas repúblicas de Hitler ou Stalin, num totalitarismo. Em nenhum outro regime o consorte consegue realizar tudo o que quer. Nem na tirania é possível. Porque até nela há oposição. Nem todo desejo vira fato. Fora do Totalitarismo é preciso manha, artimanha ou negociar, ou seja, política.

Na verdade, todos eles sabiam que legislar e governar é ilimitadamente mais complexo que se prender a simples maniqueísmos: Roubo/Ingenuidade; Técnica/Política. Qualquer dicionário de antônimos não reconhece nenhuma dessas oposições porque nenhuma está relacionada a outra. É possível ser honesto, técnico e fazer política. A maior oposição talvez seja ser eleito e ser honesto, mas não quer dizer que seja impossível.  Politica como ação não é uma realidade restrita as eleições. É uma pena que a maioria tenha se convencido dessa mentira. E a pior de todas de que a politica se restringe aos políticos.

Os discursos eleitoreiros que se tornaram muito piores neste momento, perderam toda a materialidade em slogans vazios: a Itália é para os italianos, Zeus acima de tudo, Pastor bom é pastor morto. Coisas que não dizem absolutamente nada. Quem são os italianos? Os nascidos na Itália ou os que tem por origem famílias italianas? Os que decidiram morar lá e colocar seus negócios importantes gerando empregos não tem os mesmos direitos?  O que é tudo? Todas as coisas? Todas as pessoas? Todas as ideologias? Toda atividade de pastor é inaceitável? Alguma atividade não pode ser entendida como metafórica em vez de estelionato?

Governar ou legislar pressupõe negociar, tentar fazer o melhor POSSÍVEL.  A ênfase tem que estar em possível, porque o impossível nunca se ganha mesmo quando se propõe. O melhor é sempre uma enorme desilusão. Essa é a parte política. A técnica está em saber o que propor e como propor para dar um passo a frente no fim de tudo. Mas não adianta saber o que se quer ou o que é necessário se não se sabe viabilizar, negociar. Afinal nem os mais próximos pensam igual. A multiplicidade então... É bom que seja o máximo possível honesto pra perder menos dinheiro no caminho pra aplicação. Mas se o gestor é burro ou ineficiente de nada adianta ter economizado na feitura já que a obra é inepta ou inoperante. O desperdício foi maior ainda.

Eu sei que esse texto é inútil porque as pessoas preferem se apegar a mentiras fáceis. Construir dogmas em vez de pesar, sopesar argumentos. Estão doidas para continuar no velório da política enquanto os espertalhões transformaram tudo em economia, em negócios. Governos comprando o legislativo desde 2004. O legislativo comprando votos para a própria reeleição sequestrando dinheiro do executivo desde 2015. Negociar significa ser ingênuo, ser enganado porque a logica não é mais política, é econômica. Todos querem fazer o melhor negócio, mas não justamente. Querem um enganar o outro. E quando um malandro encontra um otário... É o mal de sair da política. Na política se um não confia no outro, nada sai. Nos negócios...

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

A Política se tornou economia política?

     


        Tanto Aristóteles quanto Arendt veem a política como o domínio das ações em que a pluralidade tenta chegar aos objetivos em comum, resolver problemas em comum, unir suas forças para realizar desejos consensuais. Por consenso, não se fala dos desejos que coincidem, mas dos objetivos que abarcam em sua proximidade o maior número de quereres sem necessariamente coincidir com algum. Seria o que poderíamos chamar de campo de proximidade. Nesse caso, o que podemos considerar como verdadeiro é o consenso. Ele orienta tudo. Ele é que é intensamente buscado. E não pode ser facilmente questionado. Não pode sem no mínimo causar grande desconforto.

 

Sabemos que toda cidade é uma espécie de associação, e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem; porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta de um bem. Todas as sociedades, pois, propõem qualquer bem – sobretudo a mais importante delas, pois que visa a um bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade ou sociedade política. [ARISTÓTELES, 1252a1-7]

 

    Portanto, Aristóteles define a política, que é o que acontece na polis (cidade) como uma associação que visa um bem maior, isto é a existência da própria cidade, unidade administrativa, local governado por um governo. Desse modo pessoas diferentes, de diferentes níveis intelectuais, técnicos, morais, sentimentais ou financeiros firmam sequentes acordos, talvez num nível moderno, minicontratos, para possibilitar a convivência num mesmo espaço.

 

Sem dúvida, a cidade precisa da propriedade, mas a propriedade não faz parte da cidade. A propriedade contém, mesmo, muitos seres animados; mas a sociedade é uma reunião de seres semelhantes, que têm por fim a vida mais perfeita possível. [ARISTÓTELES, 1328a33-35]

 

    Deste modo, Aristóteles, nos mostra como os diferentes tem isonomia (todos tem direito de falar) para discutir e que a economia (as coisas da casa) não tem influência nessa decisão assim como as outras diferenças. Aliás, o particular não participa do público. Do modo em que toda vez que se troca o interesse geral pelo interesse particular seja de um grupo ou de um indivíduo para Aristóteles está estabelecida uma tirania. Todos os outros regimes desde a monocracia, o governo de um; passando pela aristocracia, governo dos melhores; até a democracia, o governo de todos, governam para a coletividade.

    Hannah Arendt acentua o tema da pluralidade presente em Aristóteles e onipresente na leitura da filosofa alemã sobre o filosofo grego. Para Arendt “a política se baseia na pluralidade humana”. Esse aspecto de que somente pela política o homem agir para superar as diferenças em vez de omiti-la (alguns poderão dizer negá-la, inclusive) como faz a economia encampa toda a filosofia política da autora. Desse modo, para Arendt,

 

Política diz respeito à coexistência e associação de homens diferentes. Os homens se organizam politicamente segundo certos atributos comuns essenciais existentes em, ou abstraídos de, um absoluto caos de diferenças. [...] Desde o começo, a política organiza os absolutamente diferentes, tendo em vista a sua relativa igualdade e em contraposição a suas relativas diferenças. [ARENDT, 2010, p. 145 e 147].

 

    Em total contraponto a essa ideia heroica grega presente em Aristóteles e resgatada por Montaigne e Arendt de que a política é fundada pela coragem de agir[1], encontraremos as descrições de Foucault e Agamben. Guiarmo-nos pelas observações de Foucault, com pontuais interações com Agamben. Desse modo logo no início de Nascimento da Biopolítica, descobrimos que na atualidade a política deve se guiar por uma verdade externa a ela:

Não, é claro, que os preços sejam, em sentido estrito, verdadeiros, que haja preços verdadeiros e preços falsos, não é isso. Mas o que se descobre nesse momento, ao mesmo tempo na prática governamental, é que os preços, na medida em que são conformes aos mecanismos naturais do mercado, vão construir um padrão de verdade que vai possibilitar discernir nas práticas governamentais as que são corretas e as que são erradas. Em outras palavras, o mecanismo natural do mercado e a formação de um preço natural é que vão permitir – quando se vê, a partir deles, o que o governo faz, as medidas que ele toma, as regras que impõe – falsificar ou verificar a prática governamental. Na medida em que, através da troca, o mercado permite ligar a produção, a necessidade, a oferta, a demanda, o valor, o preço, etc., ele constitui nesse sentido um lugar de veridição, quero dizer, um lugar de verificabilidade/falsificabilidade para a pratica governamental. Por conseguinte, o mercado é que vai fazer que um bom governo já não seja simplesmente um governo que funciona com base na justiça. O mercado é que vai fazer que o bom governo já não seja simplesmente um governo justo. O mercado é que vai fazer que o governo, agora, para poder ser um bom governo, funcione com base na verdade. [FOUCAULT, 2008, p. 44 e 45]

 

    Ou seja, Pasteurizam-se os governos. Tanto faz um partido liberal, conservador, verde, socialdemocrata ou socialista no poder, pois o índice de veracidade de suas políticas sempre estará em sua adequação aos desejos do mercado. Chegou-se à utopia ordoliberal de despolitizar a política. Deste modo, o direito que no liberalismo era uma limitação à ação do governo, uma proteção do mercado (de ser oprimido pelos governos) passa a ser justamente a justificação do poder da economia sobre os governos:

 

A economia política foi importante, inclusive em sua formulação teórica, na medida em que (somente na medida, mas é uma medida evidentemente considerável) indicou onde o governo devia ir buscar o princípio de verdade da sua própria prática governamental. [...] Seu papel de veridição é que vai, doravante, e de forma simplesmente secundária, comandar, ditar, prescrever os mecanismos jurisdicionais ou a ausência de mecanismos jurisdicionais sobre os quais deverá se articular. [FOUCAULT, 2008, p. 45]

 

     O liberalismo não te promete a liberdade, mas criar condições para você ser livre. Se você não for livre a incompetência é sua (ou da sua mãe que não lhe propiciou as condições propícias para você ter um alto capital humano). Falando em liberdade, medo e segurança dentro do liberalismo estão inseridos num mecanismo análogo. Vejamos:

 

O liberalismo se insere num mecanismo em que terá, a cada instante, de arbitrar a liberdade e a segurança dos indivíduos em torno da noção de perigo. No fundo, se de um lado (é o que eu lhes dizia da última vez) o liberalismo é uma arte de governar que manipula fundamentalmente os interesses, ele não pode – e é esse o reverso da medalha –, ele não pode manipular os interesses sem ser ao mesmo tempo gestor dos perigos e dos mecanismos de segurança/liberdade, do jogo segurança/liberdade que deve garantir que os indivíduos ou a coletividade fiquem o menos possível expostos aos perigos. [FOUCAULT, 2008, p. 90]

 

    O Estado, no ordoliberalismo, se torna uma máquina eficiente, se desumaniza que é que justamente o que mesmo liberais como Berenson temiam.  Os liberais concebiam o Estado como um opositor ao mercado. Os ordoliberais transformam os governos em servos do mercado assim como a filosofia na idade média era serva da teologia.



[1] Ação, para Arendt e Aristóteles é algo que modifica o mundo, portanto que não é individual, isolada, embora possa ter origem individual desde que seja encampada pela coletividade. É algo qualificado, mas não necessariamente difícil, pois qualquer nascimento é uma ação, pois joga um infinito de possibilidades ao mundo no que denominamos de vida.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...