Acompanham

Mostrando postagens com marcador Voltaire. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Voltaire. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Caridade e Orgulho. Fraternidade?

 


A literatura muitas vezes explica melhor uma série de coisas que a própria filosofia. Então decidi recortar dois textos aparentemente dispares ou não. Quem dará significação ao texto é você. Um é o verbete do literato e filósofo, François Marie Arouet, vulgo Voltaire. O outro é o início do livro Angústia de Graciliano Ramos, que talvez devesse ser reconhecido como um cientista social pela profundidade de seus textos e pesquisas, por mais que seu objetivo final fosse à literatura. Os dois textos, entendo eu, falam de miséria e mendigagem de formas contrárias não sendo a maior diferença objetiva, mas subjetiva, de consideração...

1º O começo do verbete Amor-próprio do Dicionário filosófico de Voltaire:

Um mendigo dos arredores de Madrid esmolava nobremente. Um transeunte disse-lhe: “- Você não tem vergonha de se dedicar a este oficio infame, quando pode trabalhar?” “- Senhor – responde o pedinte - pedi-vos dinheiro, não conselhos”; e voltou-lhe as costas com toda a dignidade castelhana. Era um mendigo tão orgulhoso como qualquer senhor. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si, e por amor de si não suportava reprimendas.

Já que se tocou nesse assunto, coloco Oscar Wilde pra falar também retirando um trecho de Os grandes escritos anarquistas:

Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes, desobedientes e rebeldes – e têm razão. Consideram que a caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola sentimental, geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador, de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela.

Nos dois trechos temos dois tópicos diferentes que reforçam a necessidade da dignidade para todos independente de raça, cor, nacionalidade ou condição social. Agora no próximo trecho creio que o narrador tem uma perspectiva que embora não tão explícita fica clara no desenvolver do trecho. O trecho são as primeiras frases do romance Angústia do grandioso Graciliano Ramos:

Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.

Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa. Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho impressão de que se acham ali pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição. Um sujeito chega, atenta, encolhendo os ombros ou estirando o beiço, naqueles desconhecidos que se amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma opinião à toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, mostram as letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama.

Bom... com pequenas discordâncias, mas com ângulos diferentes é possível concatenar tudo, mas se eu não pretendo concatenar segundo minha ótica pois eu desconheço a verdade em âmbito humano. Portanto prefiro que fique com a sua. Por favor, tire as suas próprias conclusões, já que não prestarei o desserviço de emitir minha síntese...

quarta-feira, 7 de maio de 2025

O amor é profundamente político

 


Muitos filósofos orgânicos como Montaigne e Voltaire (há quem não o considere) já incluíram o amor em seus ensaios ou em seus dicionários. Eu, que sou um mero mortal, venho jogar umas ideias que pretendem costurar uma concepção minha que tem bases volúveis em vários pensadores. Acredito ter costurado as bases com uma boa dose de necessário senso comum. Cabe-me propor o caráter estritamente político do amor, concepção que talvez cause algum incômodo (ou não) a algumas pessoas.

O amor é uma atividade política por excelência. Só se define e se traduz pela ação, pelo planejamento da ação e principalmente pelo sentimento da ação. O amor é um sentimento político porque sempre se refere a algo externo, mesmo se tratando do amor narcísico, porque esse se trata do amor à própria imagem, que é, portanto, um objeto externo (Quanto aos outros amores, não paira nenhuma dúvida de que universo, pessoas, deuses, humanidade sejam objetos externos). Outra faceta que demonstra o caráter político do amor é a sua interdependência com a ação, pois o amor só se expressa pelo desejo de alguma ação (ou pela ação), qual seja afagar a amada, fazer amor ou simplesmente estar próximo ou pensar nela ou em sua ideologia. Lembre-se que Hannah Arendt afirma que o planejamento da ação também é uma ação. Ainda outro fator demonstra o caráter político do amor, pois é ele (todos os tipos dele) que agrega as pessoas. É um sentimento eminentemente unitário.

Assim como a política, então, o amor só é factível entre mais de um objeto; palavra que aqui toma a desinência de pessoa, coisa, sentimento, percepção, devaneio ou imagem, um sentido amplo como é tomado em diversas ciências como a filosofia e a psicologia; só existe enquanto relacionada à ação, inexiste fora deste contexto; e a ação política é o que agrega as pessoas, pois as pessoas se unem no agir, no pensar do agir e no sentimento do agir tal qual no amor. É bom lembrar que em Hannah Arendt, bem como em outros, a interação é característica fundamental da política.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Lêdo engano

 


“As coisas quase nunca são o que parecem”, alerta um adágio popular da precaução platônica contra os sentidos. E, de fato, com o que fizeram com a política após o surgimento do capitalismo e da ciência “autônoma” na Idade Moderna, nada mais é o que parece. Não vivemos somente num mundo ilusório, mas em um universo preparado para nos enganar. Não há nada de natural nisso, diriam alguns. De fato, não há nada de natural mesmo no mundo humano. Este é sempre significado de acordo com interesses. Cada um com o seu, mas algum prevalece, é hegemônico.

E é muito mais fácil prevalecer uma mentira do que uma verdade, como nos mostra Umberto Eco em um fragmento de seu livro de contos Entre a mentira e a Ironia:

Sabeis que o grande segredo de nossa arte é aquele de governar os homens, e que o único modo é jamais dizer-lhes a verdade. Não vos comporteis segundo as regras do bom senso; desafiai a razão e apresentai com coragem os mais inacreditáveis absurdos. Quando sentirdes que tais grandes princípios se enfraquecem, retirai-vos, recolhei-vos em meditação e percorrei a terra; vereis então que as mais absurdas extravagancias tornam-se objetos de culto. [...] recordai-vos de que a primeira mola da natureza, da política, da sociedade é a reprodução, que a quimera dos mortais é serem imortais, conhecem o futuro, embora ignorem o presente, serem espirituais embora eles mesmos e tudo os circunda sejam matéria. (ECO, 2006, p.24 e 25).

Assim, mesmo os mais sinceros desejos possivelmente não passam de pura enganação, mesmo que bem sucedida. As intenções reais tendem a estar escondidas. Pendem a serem ocultadas dos que a operacionalizarão. Neste caso, quem exemplifica muito bem é François Marie Arouet, conhecido como Voltaire, dissertando sobre o senado romano em Cartas filosóficas:

O Senado de Roma, que mantinha o injusto e reprovável propósito de nada querer partilhar com os plebeus, não conhecia outro segredo para afastá-los do governo, senão o de distraí-los sempre em guerras externas. Encaravam o povo como animal feroz, julgando preciso atiça-lo contra os vizinhos, para que não devorasse os próprios senhores. Assim, o maior defeito do governo dos romanos tornou-os conquistadores; porque se sentiam fracos na própria casa, vieram a ser donos do mundo, até o momento em que suas dissensões os fizeram escravos. (VOLTAIRE, 1958, p. 36).

Bem veja, como a sociedade foi se alienando ao se despolitizar pouco a pouco desde o império romano. E como incomparavelmente pior estamos agora quando o erro e o engano se tornaram paradigma e nem mesmo nos serve como serviu aos romanos provisoriamente.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...