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quarta-feira, 16 de abril de 2025

Uma crise inevitável?

 


Vivemos em um mundo que valorizou excessivamente a ideia de indivíduo, a noção de sociedade. Uma sociedade ilimitada de fato. Não há melhor definição para um empreendimento onde os sócios não são conhecidos e nem se conhecem ou interagem (como pede uma boa política). Não há ideia melhor para coordenar as ações isoladas de seres que inexistem para os outros que a ideia da mão invisível de Adam Smith. Alguma coisa tão imperceptível como o espírito da história de Hegel a organizar as ações para o melhor proveito do sistema, digo, do empreendimento, ou seja, da sociedade, porém muito menos explicável.

Não bastasse isso, como uma sociedade financeira e financista, tudo é orientado para o consumo. Absolutamente tudo é consumido. Nada escapa à missão de satisfazer desejos, numa espécie de pesadelo budista, onde como previa Sidarta Gautama, um desejo leva a outro e o outro a um novo, numa cadeia infinita de desejos, felicidade instantânea e uma eterna insatisfação por não alcançar nunca o último desejo. E nós consumimos tudo: coisas, sentimentos, pessoas, ideias, descanso, lazer, etc. Tudo dentro da lógica Aristotélica de que o único fim-em-si é a felicidade, mas com o adendo de que esta nunca pode ser alcançada pelo espiral de desejos.

Num mundo que nos anula, nos reifica, nada mais natural de que não possa se falar de humanidade. Sem humanidade, fica impossível existir o humanismo. Talvez seja melhor num mundo como esse desistir do conhecimento, fixar-se apenas nas informações. Esquecer a ontologia, a ética e a epistemologia e nos ligarmos na cibernética, pois só importa a informação. O conhecimento e a reflexão não cabem mais nesse mundo de inputs e outputs.

Sem humanismo, sem humanidade, atormentado pela reificação e pelo niilismo, o “homem” encontra-se perdido, totalmente sem parâmetros. Sobretudo num mundo rápido em que a técnica toca o mundo na sua velocidade e arrasta os homens, que em nenhum momento param e pensam: “poxa, eu sou um homo ludens. Sou eu que faço a história e sou feito por esta. Não fatores estranhos às minhas interações”. Num mundo estranho desse, o “homem” se sente completamente inadequado. Não há mais base nenhuma para seus pensamentos. Nenhuma garantia. O sistema funciona independente dele. O que ele faz no mundo? Qual a sua missão? Que importância tem? Toda a personalidade, de persona, pessoa, é perdida.

Sobra ao ser humano uma crise de personalidade. Ele acredita ser algo, mas a todo instante o mundo lhe mostra que ele não é nada. Ele pensa em coisas bonitas. Tem convicções utópicas da época do humanismo, acredita ser gente. Mas isso pouco importa. Assim estão criadas as condições da crise perpétua. Uma crise de personalidade que se funda ora na inadequação, quando o ser acredita ser algo ainda, ter personalidade. Ou na anulação, quando o ser descobre que sujeito a quase tudo ele está, mas um sujeito ele não é, pois perdeu sua subjetiva ao se transnaturar de animal pra coisa, instrumento.

A humanidade, com todas as evidências contrárias insiste em refletir. Que bom! Mas pensar é justamente o bom contrassenso que a deixa em crise. Sorte que a crise é o terreno da filosofia e esta é um dos únicos domínios que a subjetividade pode existir ainda. Pensemos e ultrapassemos a crise existencial e talvez voltemos a ser humanos.

quarta-feira, 26 de março de 2025

As virtudes e os vícios

 


Uma boa discussão sobre virtudes e vícios podemos encontrar em dois discursos famosos: o primeiro de Sidarta Gautama e o outro de Vaclav Havel. Ambos mostram filosoficamente muito bem os problemas e soluções ocasionadas, ou melhor, as origens e consequências dos atos humanos que se referem à virtude ou vício. Bom, vamos ao primeiro deles, o Sermão sobre a Injúria:

E o Bem-Aventurado observou os costumes da sociedade e notou quanta miséria decorre da malícia e de estúpidas ofensas feitas somente para satisfazer a vontade e o amor-próprio. Buda disse: “Se um homem insensatamente faz o mal, eu lhe pagarei com a proteção de meu desinteressado amor; quanto mais mal vem dele, mais bondade sairá de mim; a fragrância do bem sempre vem para mim e o ar nocivo do mal vai para ele”.

Certo homem insensato, sabendo que o Buda seguia o princípio do amor que recomenda revidar o mal com o bem, começou a insultá-lo. Buda permaneceu em silêncio, lamentando sua insensatez. Quando o homem terminou de insultá-lo, Buda chamou-o, dizendo-lhe; “Filho, se um homem declina de aceitar uma dádiva que lhe é feita, a quem esta pertencerá?” E ele respondeu: “Neste caso a dádiva pertencerá ao ofertante”.

“Meu filho, disse Buda, tu me injuriaste, mas eu declino de aceitar teus insultos, rogo-te que os guardes tu mesmo. Não será isso uma fonte de desgosto? Como o eco pertence ao som e a sombra à substância, assim o mal recairá sem falta sobre o doador do mal”. O insultante não respondeu e Buda continuou: “O homem perverso que censura o virtuoso é como aquele que olha para o alto e escarra para o céu; o escarro não mancha o céu, mas recai e suja a sua própria pessoa”.

As palavras de Sidarta Gautama parecem uma profilaxia, uma receita, mas não tem o mesmo poder analítico das palavras do defensor dos direitos humanos e presidente da República Checa, Vaclav Havel. Ele consegue demarcar as origens de muitos vícios e tem a grande virtude de fugir ao maniqueísmo religioso ao qual obviamente nem mesmo o relativista Buda consegue escapar. Vejamos como ele não poupa nada, nem ninguém:

Vivemos sob um ambiente moralmente contaminado. Caímos moralmente doentes, porque costumamos dizer coisas diferentes daquilo que pensamos. Aprendemos a acreditar em nada, a ignorar uns aos outros, a nos importar somente com nós mesmos. Conceitos como amor, amizade, compaixão, humildade ou perdão perderam sua profundidade e dimensões, e para muitos de nós representam somente peculiaridades psicológicas, ou eram iguais às saudações que se perderam no tempo, um pouco ridículo nesta era de computadores e espaçonaves. Somente poucos de nós fomos capazes de levantar a voz e dizer que os poderes não podem ser todo-poderosos, e que as fazendas especiais, que produziram alimentos ecologicamente puros e de alta qualidade somente para eles, deveriam mandar seus produtos para as escolas, orfanatos e hospitais, caso a nossa agricultura não fosse capaz de suprir todo mundo.

Quando falo de um ambiente moralmente contaminado, não estou me referindo somente às pessoas que comem vegetais orgânicos, que não olham pela janela do avião. Estou falando de todos nós. Todos nós nos acostumamos a este sistema totalitário como um fato consumado, ajudando na sua perpetuação. Em outras palavras, somos todos – mais ou menos – responsáveis pela operação desta máquina totalitária; nenhum de nós é somente vítima: somos todos seu criador.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...