Como a base da concepção de Hannah Arendt de política é a idéia grega de uma política que primeiramente era uma interação e que não se separava da ética, achei importante discutirmos a relação entre política e ética numa concepção moderna ou pós-moderna, na qual política e ética encontram grandes problemas em conviver.
É por isso que
julgo importante tentarmos responder algumas perguntas como: Ética na política,
existe? Que ética é válida? Servem-lhe os mesmos parâmetros das outras éticas?
Existem éticas particulares? Origens diferentes? O lugar de Nicolau Maquiavel.
Poder e Estado. A concorrência de grupos pelo poder. Eleições são
representativas? Os partidos o são? Existem partidos?
Pretendo
nestas poucas linhas traçar hipóteses, na verdade pra mim várias teses
bastantes defensáveis, porém polêmicas por afrontar a visão predominante na
sociedade acerca do fenômeno ou dos fenômenos envolvidos. A primeira tese que
eu queria afirma que a política não é um ofício, mas sim uma atividade e que,
portanto, não lhe pode caber um código de ética em hipótese nenhuma. Aos
ofícios da administração pública sim, a eles cabe a ética no desenvolvimento
das funções.
Outra
consideração necessária, e nesta encontro sólido apoio, é a contestação a
éticas específicas. Não adianta um técnico do saber prático respeitar o código
de ética de sua profissão e ser eticamente um mau cidadão. Então entendemos que
não se poderem usar várias éticas de acordo com a circunstância. Não se pode
ter uma ética profissional, outra de cidadão e outra de parlamentar por
exemplo. A ética pessoal, geralmente a de cidadão deve servir como orientação
em todas as ocasiões. Aliás, o termo código de ética é uma contradição em si
porque ética não pode ser imposta. Ética não pode ser lei. Ética deve ser
aceita, escolhida, adotada.
Se você puder
aceitar esse prelúdio como verdadeiro, pelo menos provisoriamente, poderei
desenvolver teses outras mais a frente.
Apesar de não
necessitar ser alvo de uma ética específica, se essa pudesse existir, a
especificidade e importância da política provocam o desejo dos cidadãos de que
algumas normas a norteiem. No entanto por terem naturezas diferentes, uma
possível ética na política não pode se servir dos mesmos parâmetros que as
éticas funcionais. É bom lembrar que eu estou fazendo uma concessão, não creio
em éticas específicas para determinadas profissões, apenas consinto que existam
adaptações de uma ética geral à situações específicas.
Nicolau
Maquiavel, filósofo estudioso dos romanos e conselheiro de uma forte família
florentina, da qual saíram muitos Papas numa época em que a igreja agregou ao
seu poder temporal, o poder político, é o criador do mais eficiente, não diria
ético, manual de fazer política: O Príncipe. Seus práticos conselhos são
acatados por políticos das mais diferentes ideologias, origens e
representatividade porque são extremamente eficazes. Ele enumera inúmeros
meios, nada probos, para alcançar o fim último de se manter no poder. Então a
política que classicamente tem incontáveis fins, nesse caso acaba tendo um
principal, quando não único, esdrúxulo fim.
Muitos
pensadores como o italiano Antônio Gramsci se dedicaram a estudar o poder e
detectaram a necessidade sentida por ditadores personalistas ou grupos em
particular de se manterem no poder. Gramsci desenvolve uma teoria interessante
baseada na cultura para determinar os mecanismos que estes usam para manter a
sua hegemonia, outro notável conceito desenvolvido pelo italiano. Na verdade há
todos esses mecanismos e é necessário segurar uma hegemonia, que é sempre muito
instável, porque inúmeros grupos concorrem por esse poder.
Todos esses
mecanismos, muito melhores desenvolvidos e explicados após Gramsci, estão
presentes na política do cotidiano seja num bar, escola, restaurante, teatro,
no senado e mais nitidamente ainda nas eleições, onde os mais variados estudos
chegam à conclusão de que os mitos e desejos são muito mais importantes para a
decisão de voto que a racionalidade. Por essa razão, creio que as eleições,
pelo menos racionalmente, não são representativas. Quanto aos partidos, se
fossemos observar estritamente as condições necessárias para se constituir uma
agremiação do tipo um objetivo em comum, ideologia clara e comum entre os
participantes poderíamos taxá-los de massa de manobra, nunca de grupo.
Bom... me
desculpem todo o contorno ao tema, o qual demonstrarei que foi válido. Eu já
tinha negado a pertinência de éticas particulares. Havia afirmado que uma
pessoa só pode ter como regra de conduta um conjunto de princípios que
determina todo o seu comportamento seja como pai, filho, irmão, médico,
advogado, torcedor de uma equipe esportiva ou senador. Falei da particularidade
da política como uma atividade e não um ofício ou função, os quais são
denominados pelos cargos públicos aos quais são eleitos. Depois me embrenhei
pelo pensador que mais orienta os políticos a exercerem a política com eficácia
e potência, mas considerando que embora seus conselhos sejam pertinentes e
eficazes, os mesmos são quase sempre contrários a uma ética de convicção.
Expliquei também o motivo da utilização do conselho do estudioso romano: a
permanência no poder. Usei uma ideia de Gramsci para fazer um complemento do
assunto e fechar a seção. Cabe-me explicar o porquê de tudo isso. O objetivo da
ética é nortear o sujeito a fazer racionalmente as escolhas de modo a
contemplar seu ideal de mundo. Então quando dizemos que o critério de voto nas
eleições tem muito pouco de racional estamos tirando a ética do objetivo de
todos os candidatos que quando a evocam se referem à imagem ou o mito dela, quando
muito.
A política,
conforme eu já havia dito, tem se esmerado nos conselhos de Maquiavel e até de
Gramsci e seus posteriores para se manter no poder. Isso é de fato uma redução
muito mesquinha da política. Creio que a política é a atividade mais ampla e
absorsiva do universo. Como uma atividade ampla que abarca de alguma forma
tudo, deve ser limitada por pouquíssimas regras. É bom lembrar, regras não são
leis, acata-as quem concorda com a justeza destas. Certamente nenhuma atividade
pode ter ética específica, muito menos a política como uma atividade
negociativa, associativa ampla. Então todos devemos carregar nossas éticas
pessoais para qualquer lugar que estejamos. Não creio que os políticos devam
ser exceção. Eles devem usar a ética pessoal deles, mesmo estando representando
eleitores que votaram neles. Ética não pode ser doada ou emprestada. O que eu
gostaria de propor é que uma ética política poderia se fundar em três regras de
ouro:
Sempre
manter-se aberto ao diálogo;
Dialogar
sempre com honestidade de intenções e princípios;
Explicitar
sempre com clareza suas intenções e a origem delas.
Creio que o
que eu consigo conceber até agora sobre o assunto é isso. Se você puder me
ajudar com sugestões para melhorar a concepção, ficarei grato.