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sexta-feira, 2 de maio de 2025

Qual liberdade?

 


Hoje decidi discutir um assunto que me agrada muito: a concepção de liberdade ao longo da história e da filosofia e a concepção deísta de Spinoza e suas consequências cerceadoras da liberdade. É interessante como por motivos diversos a humanidade chegou a concepções diferentes de liberdade, assim como caminhos diferentes para obtê-la.

Baruch Spinoza diz que o universo é formado por uma única substância e que os objetos e seres são substâncias particulares dessa mesma substância que é Deus, com isso Spinoza invalida uma das teses fundamentais do cristianismo que é o livre-arbítrio, pois sendo tudo substância particular do Criador, não há escolha independente Dele e assim mesmo que inconscientemente cai-se num certo fatalismo. Hobbes expressa uma ideia de liberdade muito interessante no Leviatã, em que ele diz que antes da existência do Estado (cabe dizer que ele era um dos defensores da monarquia) os homens podiam fazer o que bem lhes entendessem, pois não havia leis, nem mecanismos de coação, nem propriedade de quaisquer tipos e por isso tudo era permitido. Temos aqui dois conceitos libertinos, pois Spinoza foi considerado libertino tanto pelos Reformistas como pelos Contra reformistas, que são completamente adversos.

Para Aristóteles, o homem livre era o que podia exercer sua liberdade na polis e justamente por sua ação na polis era a justificativa de sua liberdade. Em suma era praticamente dizer que o cidadão grego era livre porque exercia a sua liberdade na polis. O segundo maior filósofo cristão (até porque por definição o primeiro necessariamente é Jesus Cristo), o bispo de Hipona Aurélio Agostinho, definia liberdade como justamente o contrário: "Só há liberdade quando não há mais laços materiais". Para os liberais econômicos monetaristas a liberdade é a de acumular as riquezas excedentes. Já para Marx a liberdade consistia justamente no proletariado se livrar dos grilhões que os prendem à burguesia, justamente a classe que se apropria da mais-valia.

Como se podem ver as principais ideologias presentes em nossa sociedade abrigam conceitos de liberdade diametralmente opostos uns aos outros e que cabe pensar muito bem em que considerar para formular nossa concepção de sociedade. Não estou falando de assumir um discurso, mas de construir nossas ideias sobre esse pântano de concepções. O que é mais justo?

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Transmundo

 


Estamos hoje transeuntes num furacão de informações, sensações, perdidos numa realidade histórica que parece estar à frente de nosso tempo. É verdade que nós guardamos um baú de objetos antigos, informações que muitas vezes perderam a utilidade, outras que nos resguardam, nos garantem alguma segurança.

Essa turbulência em que vivemos, esse mundo inundado de informações, altamente interativo, sempre o foi, mas agora se amplificou em suas inúmeras possibilidades e impossibilidades que nos deixam, por vezes, confusos ao sabor dos desencontrados movimentos que 'marolam' confusos nesse oceano de incertezas, ou de certezas demais.

Alguns estudiosos insistem em afirmar que estamos na era da desinformação, devido à imensa quantidade de informações visuais, sonoras, tácteis, sem contar as mais específicas a que somos bombardeados. Concluem eles que estamos atônitos sem saber o que fazer com tanta informação, sem saber que destino dar a elas.

Vários visionários, como o canadense Marshall MacLuhan, previram um período em que a informação seria abundante, a democracia seria muito mais interativa. Esses prognósticos vieram praticamente no momento do nascimento da internet ou dos experimentalismos que levariam a sua criação na década de 60.

Certamente ambas as correntes e contracorrentes (humanista e tecnológica) estão corretas. É certo que se ampliou abundantemente o acesso à informação. Nem falo da internet, ainda de muito restrito acesso, mas dos meios de massa que se ampliaram aceleradamente na ultima metade do século passado. Como meios de massa, estou considerando uma ampla variedade de empreendimentos comunicacionais não apenas as redes de televisão, rádio e mídia impressa, mas a internet, shows musicais e teatrais, filmes, panfletos com maior circulação, rádios comunitárias e corporativas, uma série de eventos, acredito que se possa caracterizar devido a especificidades regionais meios mais restritos como de massa.

Há tanta informação disponível que não conseguimos absorve-los e quando as absorvemos aumentamos, por vezes, uma 'cultura inútil'. É verdade que esta sempre existiu, mas nunca em tamanha quantidade ocorreu de informações passarem uma vida sem utilidade. Calma gente! Não pretendo nunca me tornar um utilitarista. Essa doutrina é muito pratica e pouco ética. Apenas digo que em nenhum outro momento da história as informações criaram tantos analfabetos. Nem falo de analfabetismo digital, mas informações, por exemplo, de como se lavam elefantes na Índia para um esquimó do Alasca que periga nunca ter visto um elefante.

Estamos, pois, num mundo globalizado onde imperam as grandes transnacionais e o mercado sobre os estados nacionais. A lógica do mercado é perversa, sobretudo num contexto neoliberal, pois ao mercado só interessa lidar com consumidores e transformar qualquer produto, informação em mercadoria rentável.

Hoje todos os serviços e produções de qualquer natureza têm a mesma característica de uma manufatura, quer dizer são produzidos por uma indústria: a indústria cultural e comercializados como qualquer produto industrial. Para isso os filósofos da Escola de Frankfurt já diziam que se pauperiza a cultura de modo a torná-la mais acessível a um maior número de consumidores. A indústria cultural utiliza técnicas falsamente neutras para pasteurizar a cultura tornando-a asséptica. Quer dizer retirar o conteúdo ou valor de uma cultura não é uma ação neutra. Assim torna os produtos universais ao retirar os empecilhos culturais que dificultariam sua absorção por um maior numero de consumidores.

Esse é um processo que não é nada novo e foi descrito há muito tempo. Mas o que é novo agora é que com o endeusamento do mercado produzido pelo neoliberalismo globalizante, as relações foram invadidas por uma lógica comercial. Essa teia globalizada aparentemente tem nas pontas os consumidores. A dimensão humana a cada dia é mais sucateada nessas novas relações, dando espaço a condutas formais acríticas.

Essa lógica já penetrou na educação ainda no século passado com as famosas educações para a produção e fordista. A educação é uma indústria cultural privilegiada, pois forma os consumidores. A educação, apesar das teorias pedagógicas inovadoras, meramente reproduz os valores da sociedade, não consegue cumprir um de seus papeis que é produzir o futuro.

É certo que vivemos num mundo em que a informação se voltou a ser mecanismo de poder. A informação era mecanismo de poder na Idade Média. Época em que os livros estavam guardados nos mosteiros e havia uma severa classificação e censura dos livros que poderiam ser lidos. Uma forte guarda dos que não poderiam ser lidos por 'mentes mais fracas, menos resistentes à tentação'. Um aspecto do poder político da Igreja Católica neste período o qual poderíamos muito melhor caracterizar dentro do Materialismo histórico como Feudalismo.

Agora retorna a ser mecanismo de poder. Só que quem a controla não é mais uma instituição, mas sim os burgueses. Portanto se faz necessário maquiar fortemente a concentração para não deslegitimar os ideais que os levaram ao poder. É necessário também para eles manter acesa uma promessa. Se para as religiões que nasceram no oriente médio o céu é a promessa necessária, para o capitalismo era necessário três promessas: liberdade de associação, igualdade de condições para lutar e fraternidade como um resquício de humanidade no frio coração do sistema. Hoje só necessita fazer uma promessa, sem condições de cumprir como as outras: consumo para todos.

Hoje consumimos praticamente tudo o que podemos. Tudo é produto, inclusive nossas relações. Olha estou falando em regra geral, e como sabemos regras gerais só tem exceções. Cada ser humano é uma especificidade em si, um particularismo profundo, mas não há dúvida de que mesmo os mais virtuosos caem em várias valas dessas. Acredito que muitos não têm consciência disso. Ninguém tem consciência plena afinal, mas muitos como eu gostariam. Voltando ao assunto há um excesso de informações disponíveis só que organizadas de modo caótico. Essas mesmas informações, embora disponíveis, estão naturalmente codificadas de modo que só quem é da área ou conhece profundamente o código pode facilmente decifrá-las. Creio que compliquei. Mas é fácil: não me peçam para ler uma planta de engenharia eu provavelmente não entenderei nada.

Então quase tudo está disponível a uns poucos. Mesmo assim desses poucos que tem o acesso pouco poderão codificar/entender/assimilar porque é impossível terem acesso a muitos códigos. São códigos que levam anos para se adquirir. Esse é outro defeito do cartesianismo na educação: ao separar as partes, cria um monte de analfabetos para as outras. Entretanto qualquer leitor, com toda autoridade, poderia argumentar que se tivéssemos uma visão global seríamos analfabetos para tudo. Por certo, se pensarmos com nosso cartesianismo, por certo. Mas tivermos uma visão holística, de holos - total, somos obrigados a ter uma ideia complexa da vida. O que ao contrário do que parece simplificaria muito nossa convivência devido à ideia antropológica das culturas e éticas profundamente respeitosas, ecológicas e holísticas com a de Baruch Espinosa.

Se nossa preocupação fosse com o sistema como um todo e não com peças isoladas dele. Tudo seria muito mais fácil e legível. Diminuiriam significativamente as especificidades, pois não estaríamos preocupados em teorizar sobre a arruela para quem se interessa por arruela e sim preocupados em falar sobre o universo para quem vive nele. Não tenho a menor pretensão de defender a unificação das culturas e o fim das diferenças destas ou o nivelamento destas por baixo via domínio cultural. Imperialismo Americano, Francês, Bielo-Russo ou Jamaicano é tudo a mesma porcaria !!! Nunca defenderia isso. O que defendo é que adotemos como ética ideal algo próximo do 'paradoxo' de Kant: Fazer o maior bem a todos, provocando o menor mal possível.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

O amor na ética de Bento de Espinosa

 


Baruch Spinoza ou Bento de Espinosa, funda sua ética no ser humano e na sua ideia do Criador como ser imanente, “Deus, isto é, Natureza”, ou seja, desdiferenciando a divindade que tudo vê, tudo sabe, da natureza, do universo, de tudo o que existe. Obviamente, despersonalizando o Criador, por um princípio simples: se não havia nada senão Ele, tudo o que foi criado, objetiva-se a partir dele próprio. Por consequência, aos homens é dado o poder criador, pois eles são particularidades da única substância existente: o Criador.

Embora a história recaia num fatalismo, pois o Criador está em todos os tempos e espaços e, assim, já conhece o futuro. E se este já é conhecido, está fatalmente determinado. O homem, substância finita (para Descartes) ou atributo (para Spinoza), não conhece o futuro, para ele não está determinado, por essa razão se torna se torna irremediavelmente artífice de seu futuro ainda desconhecido. Com essa ideia, Spinoza geometrizando ideias de Descartes, retira a ideia de que os homens estariam reféns de um Deus externo para a confecção de seu futuro. Ideia predominante na Idade Média.

No entanto, um aspecto que se destaca nos livros de Spinoza é a sua concepção de um amor político para costurar a ética de fato. Também se destaca a crítica aos que tentam negar a natureza humana em prol de uma concepção humana fictícia na qual o amor é tratado com desdém, quando não com desprezo:

A maioria dos filósofos concebe os afetos que em nós travam combate como vícios em que os homens caem por sua culpa; por isso habituaram-se a rir deles, lamentá-los, maltratá-los e (quando querem parecer mais santos do que todos) detestá-los. Acreditam, assim, fazer coisas divinas e elevarem-se ao cume da sabedoria, prodigalizando toda espécie de louvores a uma natureza humana que não existe em parte nenhuma e ferindo com seus discursos aquela que realmente existe. Concebem os homens não tais como são, mas como gostariam que fossem. Eis por que, quase todos, em vez de uma ética, escreveram sátiras, e não tiveram sobre política ideias que pudessem ser postas em uso, concebendo-a como quimera ou utopia. [...] Por esse motivo, acredita-se que, de todas as ciências que têm um uso, é na política que a teoria passa por mais discrepar da prática, não havendo homens que se estimem menos idôneos para dirigir a República do que os teóricos, isto é, os filósofos. (SPINOZA, In Tratado Político).

A própria definição de amor de Spinoza, mostra o quão politico é o papel do amor, se pensarmos a política como a arte de criar relações, de relacionar as pessoas como concebera Aristóteles e, depois de Spinoza, Hannah Arendt e Jüngen Habermas. Assim explicita, Baruch Spinoza:

Amor é fruição de uma coisa e união com ela [...]. Do amor [diversamente da admiração e de outras paixões] é próprio jamais nos esforçarmos para dele nos livrarmos, por impossível. E é necessário que não nos livremos dele. Impossível, porque isso não depende de nós, e sim do que vemos de bom e útil no objeto e, se não quiséssemos amá-lo agora, seria preciso que primeiro não o conhecêssemos, mas isso não está em nossa liberdade ou não depende de nós: se nada conhecêssemos, nada seríamos. Necessário, porque a fraqueza de nossa natureza impediria que existíssemos se não fruirmos de algo que nos fortaleça e a que nos unamos. (SPINOZA, in Breve Tratado).

Que ainda adverte que “toda nossa felicidade ou infelicidade nisto reside: na qualidade do objeto ao qual nos unimos por amor” Baruch Spinoza (in Tratado da emenda do intelecto).

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...