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segunda-feira, 26 de maio de 2025

O perigoso ato de escrever

     


    Nada mais perigoso hoje em dia que pretender se fazer entender. Os comunicadores infelizmente não sabem disso. Acreditam numa teoria tola baseada na racionalidade. Jornalistas acreditam que é possível repassar informações ou opiniões sem que estas sejam submersas no ambiente próprio ou de todos que intervieram no texto, seja como sujeitos, seja como objetos. Publicitários acreditam que podem influenciar os leitores a terem os comportamentos esperados. Mas esquecem o que Nietzsche disse aos positivistas: "Contra o positivismo que permanece parado junto ao fenômeno afirmando: ‘Só há fatos’, eu diria: não, justamente fatos não existem, apenas interpretações. Não estamos em condições de fixar nenhum fato ‘em si’: talvez seja mesmo um disparate querer algo assim. Vós direis então: ‘Tudo é subjetivo.’ Mas isto também já é interpretação: o ‘sujeito’ não é nada dado, mas acrescentado através da imaginação, inserido aí por detrás. – Ainda é necessário afinal colocar o intérprete por detrás da interpretação? Um tal ato já é poetização, hipótese. Uma vez que a palavra ‘conhecimento’ possui antes de mais nada um sentido, o mundo é passível de ser conhecido: mas ele pode receber outras significações. Ele não possui nenhum sentido por detrás de si mesmo, mas inumeráveis sentidos".

    Nietzsche está certo? Não sei. Sua própria filosofia o impediria de dizer isso. Na verdade, me impediria de ter a certeza de estar sendo fiel ao que ele disse. Também não é o meu interesse discutir se Nietzsche estava certo ou não. Se minha leitura é a correta ou não. Pouco importa. Minha convicção, que não posso garantir que é verdadeira é de que a obra é a leitura feita pelo leitor. Não o que escreveu o escritor ou a mancha gráfica no livro. Já alerto: bastante discutível como tudo que encontraremos aqui. E que bom que é discutível! Pois é justamente o que pretendemos fazer aqui discutir, dar impulso a discussões.

    Ainda não cheguei ao que desejo propor com o texto. Bom... mas já é um bom pressuposto. Vamos ao problema concreto que lhes proponho com um exemplo inicial: Imaginem que um grande entendido em algum filosofo ou literato escreva um texto onde tente simplificar pra tornar compreensível qualquer teoria e o faça com maestria, enfatizo com grande sucesso. Consegue, tipo, explicar o primeiro capítulo de fenomenologia do espírito de Hegel em poucas páginas, talvez até mais páginas que tem o supracitado capítulo. Há teses volumosas sobre esse primeiro capítulo ou mesmo sobre o primeiro ou segundo paragrafo do mesmo.

    Imaginem, não é preciso muito esforço, pois todos fazemos isso, que alguém leia o texto explicativo do tal gênio que conseguiu explicar magicamente o texto de Hegel e preencha todos os espaços vazios ressignificá-lo na mente ou torná-lo plenamente compreensível. O texto não será mais do autor ou do livro, mas do leitor que baseado em suas experiências e compreensões imprimiu novos significados ao texto. O leitor pode ter entendido plenamente a síntese feita pelo nosso genial escriba. Pode não ter deturpado nada das teses propostas pelo escritor ou pelo texto, mas as tirou de um ambiente e o colocou no meio dele no qual flutuam suas experiências e convicções. 

    Por isto que eu digo será de imensa coragem, quiçá temeridade escrever aqui. Escrever é colocar a cara à tapa não pelo que escreve. Todos nós estamos dispostos a assumir nossas convicções. Mas pelo que os outros entenderão de nossos textos. Numa época em que a hermenêutica é tão maltratada pela falta de leitura. Em que leitores de interpretes julgam ter certeza sobre obras. A certeza que sequer seus autores tiveram. Uma época em que simplificadores canhestros ou funestos deturpam teorias que por vezes desmentem a própria leitura ou pensamento do autor ou sua escola ou época. Uma época em que as florestas não são preenchidas sequer por unicórnios, que apesar de fantasiosos viveriam bem em solo, mas por cachalotes ou orcas simplesmente porque estas existem.

    Repito, nesta época de péssimos leitores. brindo a coragem ou destemor de quem redige. Talvez seja necessário pensarmos que a educação do futuro se funde na exigência moral e fundamental da leitura. Prioritariamente dos autores e depois dos bons interpretes. Não estou me referindo a filosofia, mas a literatura como o todo. Pois não há base maior para o pensamento que toda a literatura. Só a leitura de boas obras pode nos conduzir a uma boa de todo o resto. Ler criticamente o mundo talvez seja a única tarefa que nos sobra. Para ser mais claro, não ser conduzido, seduzido pela facilidade das leituras alheias. É preciso lutar para ter a nossa, mesmo que possa se considerar impossível. O sujeito, mesmo que tenha se tornado para muitos de nós um conceito morto, deve ser o nosso horizonte: a autonomia.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

As lições da infame infância de Sartre para ele

 


Alguns mínimos apontamentos de Sartre, recolhidos por Gerard Lebrun, filósofo autor de Kant e o fim da metafísica [1970], O avesso da dialética: Hegel à luz de Nietzsche [1988] e A filosofia e sua História [2006]. Os recolhidos são do último livro citado. Talvez consigamos refletir sobre eles. O que seria uma reflexão sobre a reflexão. Algo muito interessante, pois teríamos a reflexão de Sartre adulto sobre o pequeno adulto que foi Sartre, uma infância desprezada por ele, mas que reconhece que a sua negação o conduziu às suas grandes obras, principalmente A náusea e O Ser e o Nada. Vejamos estes recortes:

É por isso que, sendo todos comediantes, somos todos cabotinos, todos estamos de má fé. Essa distância, de que antes eu me orgulhava, não é nada. De maneira que, ao descobrir meu cabotinismo integral, desvendo meu Nada: não havia ninguém sob a máscara. “Tentara refugiar-me em minha verdade solitária; mas eu não dispunha de verdade alguma” “Eu era nada” “Eu não era consistente nem permanente; eu não era o continuador futuro da obra paterna, eu não era necessário à produção do aço: em suma, eu não tinha alma”. “Nasci para suprir a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo; até então só conhecendo as vaidades de um cão de luxo, acuado no orgulho, tornei-me o Orgulhoso [...] Neste ponto extremo da humildade, não podia mais me salvar a não ser invertendo a situação”

Os escritores não são solitários: a humanidade necessita tanto deles quanto dos cavaleiros errantes ou dos vingadores da injustiça. Ou melhor: o escritor, testemunhando a favor do homem, o salva. “Tornei-me cátaro, confundi literatura com prece, converti-a em sacrifício humano [...]. Tomei a decisão de escrever para Deus com vistas a salvar meus vizinhos. Eu queria pessoas que me devessem favores e não leitores.”  (LEBRUN,2006,p. 43-45).

Assim Sartre, usando a estética sob sua própria definição de transformar o mundo em aparência do mundo, mostra como chegou a sua primeira grande obra, A náusea:

Consegui aos trinta anos dar esse belo golpe: o de escrever em A náusea – muito sinceramente, podem crer – a existência injustificada, salobra, de meus congêneres e colocar a minha fora de questão [...] Mais tarde expus jovialmente que o homem é impossível; eu próprio impossível, diferia dos outros apenas pelo simples mandato de manifestar essa impossibilidade que, no mesmo lance, se transfigurava [...] Falsificado até os ossos e mistificado, escrevia alegremente sobre nossa infeliz condição.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Desvio ou Recomeço

     Aqui será meu porto, por enquanto, no qual anotarei minhas observações sobre (ou sob) as obras que me impressionam no momento. Procurarei destacar trechos que me impactam relacionando-os a observações sobre o momento atual, passado ou futuro ou à filosofia.

     Os interlocutores encontrarão por aqui, provavelmente, muitos trechos literários discutindo com Agamben, Arendt, Freud, muitas discussões sobre a modernidade tardia que para algumas áreas como as artes e a arquitetura é pós-modernidade. Não adotarei esse nome porque acredito como Hegel que a centralidade da técnica transformou a modernidade na última Era, na definitiva e inescapável.

    Não prometerei frequência, mas o desejo me obrigará a escrever. Os possíveis diálogos me obrigarão a voltar. Isto se tornará quiçá uma máquina. Uma máquina Kafkiana a nos prender numa liberdade e nos libertar completamente quando habitarmos uma gaveta.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...