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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Zoé para Bios



Hoje vivemos um período no qual a democracia poderia estar mais consolidada do que em qualquer outro momento da história. A globalização, ou internacionalização econômica, propiciou uma possibilidade de comunicação e entendimento que até então nunca tinha sido tão provável. Não existe mais uma ameaça política à existência humana na Terra como durante a Guerra Fria. Os conflitos étnicos, ainda existentes e numerosos, estão muito mais controlados do que estiveram no passado. Parece que a racionalidade ocidental se tornou uma espécie de linguagem universal na qual todos os atores puderam se entender.

Essa mesma lógica econômica é, entretanto, a causadora do estado de exceção que, ao tomar iniciativas em defesa da democracia, acaba fragilizando-a. Resultado: enfraquece a independência de poderes, sobretudo o poder legislativo porque passa a dar poder legal ao que não é lei; transforma o poder em iniciativa. Agir é o que a política, no mínimo, deveria proporcionar; ao se transformar em uma discussão do direito, cujas leis continuem válidas, ela não tem mais eficácia jurídica, esvaziando, assim, a possibilidade de mudança. Enfim, consegue tudo o que uma economia deseja: liberdade comercial e estabilidade.

A democracia, que inicialmente salvaguardava apenas os que delas se utilizavam – ou seja, os que agiam na pólis (política)–, passou a se referir a todos até mesmo àqueles que não se interessavam por ela, àqueles que não tinham poder pra agir, ou àqueles cujo poder lhes havia sido retirado. O terreno da vida (privado) e o terreno da política (público) passaram a não mais se diferenciar e, assim, a vida invadiu a política. Em face disso, é importante mostrar como os fundamentos das teorias tradicionais da democracia se tornaram meramente formais como as leis –quando existem – no estado exceção. Entretanto, sua aplicação é suspensa.

Quanto mais a democracia se ampliou, o que é um princípio democrático moderno de atingir a todos, mais se transformou em uma democracia para ninguém. A intenção da pluralidade acabou redundando na impessoalidade, pois serve à mesma lógica da racionalidade técnica que se importa tão somente com o produto, enquanto, no processo, só se atenta para a produtividade, para eficiência e para os valores relacionados ao fim e não ao meio. Desde que se chegue aos resultados esperados, não importa quem participa, nem se a ação vai melhorar ou piorar a vida do indivíduo, tanto faz ser ele uma máquina, um protocolo.

A política, desse modo, se desvinculou da ação como mudança de um cenário e passou a ser sua administração, como se a teoria funcionalista tivesse vencido e tudo fosse um corpo para o qual o único interesse é a manutenção da sua saúde. Assim, o que possivelmente atrapalha a saúde do corpo deve ser afastado, e sua ação cerceada. Deve ser expulso do bando para não contaminar o resto do corpo; deve morrer (não necessariamente de morte física) sem ser julgado ou sacrificado.

Esse caminho em que a democratização da democracia redundou num jogo perverso em que todos estão submetidos à dominação de uma lógica impessoal é o que tentaremos demonstrar neste trabalho, sobretudo a ideia de que a defesa da democracia dos perigos externos se transformou no pior algoz da democracia.

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