Aristóteles em
suas Éticas (Ética a Nicômaco e Ética a Eudemo) dizia que o único fim-per-se ou
fim-em-si-mesmo é a felicidade. Provavelmente, após a modernidade e o
consumismo temos que reconsiderar essa questão da existência de uma finalidade
final. Mas a discussão mais interessante, e que nos interessa, é a afirmação
dele de que somente os que tem a vida contemplativa poderiam alcançar esse bem
último por se guiarem pela racionalidade enquanto os da vida laboral ou
produtiva não se guiam e estarem imunes a corrupção da vida material, os da
vida política não estão. Portanto, Aristóteles coloca a sabedoria, ou melhor o
amor a sabedoria, em condição privilegiada para alcançar a felicidade.
Em vários
trechos do evangelho é descrito justamente o contrário: que a felicidade
pertence aos ingênuos e aos ignorantes. Em Werther, Goethe descreve muito bem
esse contraponto à Aristóteles e faz uma bela síntese:
No entanto,
para viver uma vida sob a ética humanista ou sob a inspiração cristã, a busca
da felicidade não faz parte da equação. Para os cristãos, em muitas passagens
do novo testamento, da boa nova do amor depois da vinda do Messias, a vida na
terra é uma vida de provações, de sofrimento para alcançar a redenção após a
morte. Para os humanistas, a ética visa o bem comum, não a felicidade pessoal
e, esta é, de certa forma, incompatível: é preciso sacrificar os desejos em
nome de um bem maior: o bem comum.
A vida humana
não passa de um sonho. Mais de uma pessoa já pensou isso. Pois essa impressão
também me acompanha por toda parte. Quando vejo os estreitos limites onde se
acham encerradas as faculdades ativas e investigadoras do homem, e como todo o
nosso labor visa apenas a satisfazer nossas necessidades, as quais, por sua
vez, não têm outro objetivo senão prolongar nossa mesquinha existência; quando
verifico que o nosso espírito só pode encontrar tranquilidade, quanto a certos
pontos das nossas pesquisas, por meio de uma resignação povoada de sonhos, como
um presidiário que adornasse de figuras multicoloridas e luminosas perspectivas
as paredes da sua célula... tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Concentro-me e
encontro um mundo em mim mesmo! Mas também aí, é um mundo de pressentimentos e
desejos obscuros e não de imagens nítidas e forças vivas. Tudo flutua vagamente
nos meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando, prossigo na minha viagem
através do mundo.
As crianças –
todos os pedagogos eruditos estão de acordo a este respeito – não sabem a razão
daquilo que desejam; também os adultos, da mesma forma que as crianças,
caminham vacilantes e ao acaso sobre a terra, ignorando, tanto quanto elas, de
onde vêm e para onde vão. Não avançam nunca segundo uma orientação segura;
deixam-se governar, como as crianças, por meio de biscoitos, pedaços de bolo e
vara. E, como agem por essa forma, inconscientemente, parece-me, que se acham
subordinados a vida dos sentidos.
Concordo com
você (porque já sei que você vai contraditar-me) que os mais felizes são
precisamente aqueles que vivem, dia-a-dia, como as crianças, passeando,
despindo e vestindo as suas bonecas; aqueles que rondam, respeitosos, em torno
da gaveta onde a mamãe guardou os bombons, e quando conseguem agarrar, enfim as
gulodices cobiçadas, devoram com sofreguidão e gritam: “Quero mais!” Eis a
gente feliz! Também é ditosa a gente que, emprestando nomes pomposos às suas
mesquinhas ocupações, e até às suas paixões, conseguem fazê-las passar por
gigantescos empreendimento destinados à salvação e prosperidade do gênero
humano. (GOETHE, 2003, p. 226 a 228).
Mas não se
pode negar que ter uma vida feliz é, razoavelmente fácil: basta viver uma vida
egoísta, pautada em seus próprios desejos e ter poder para que sua onipotência
particular não seja punida. Algo perfeitamente possível para no mínimo de cinco
a quinze por cento do mundo. Muito pouco estatisticamente, mas em números,
gente demais; centenas de milhões.