Convidaram Sebastiana para dançar um xaxado na
Paraíba... Tocava no rádio. Sebastian não tocava guitarra. Tocava bodes. E tinha
um bode bem na sua sala: mudara da chácara para a cidade. Resolveram que a
melhor coisa que podiam fazer era afogar seu vilarejo.
Resolveram assim do nada. Não perguntaram
ninguém. Não fizeram um plebiscito. Chegaram a conclusão de que faltava energia
lá no sul e que tinham que fazer uma usina no seu estado que por assim dizer já
produzia umas dez vezes a energia que consumia.
Não deu muito tempo de vender seus cinco bodes.
Teve que soltar dois no mato e torcer pra não se afogar. Três vendeu para um
restaurante da capital que é pra onde desgostosamente foi. As galinhas foi tudo numa galinhada pra
despedir dos vizinhos antes de todos terem que capar o gato. Expressão infeliz
de quem nunca teve que capar um gato.
O arroz foi da mercearia do Seu Zé, que na
verdade chamava Dêmocles, mas era mais fácil chamar de Zé mesmo. As mercadorias
que tinham prazo ele revendeu a preço de custo para uns supermercados da
capital. O arroz que estava vencendo foi todo pra galinhada. Por sorte Sebastian
tinha muitas galinhas.
Sebastian ia morar na Vila da Investco. Mas
decidiu que não ia entrar em acordo com a empresa não. Afogaram seu bongô. Isso
era inaceitável! Sua cachorra foi ficando doente a medida que chegava o tempo
do alagamento. Morreu um dia antes. Era uma espécie de anuncio da tragedia.
A cadela foi perdendo os pelos. Já tinha muitas
falhas. Perdeu os dentes também aos poucos. Ficou banguela antes de ficar sem pelos.
Era de dá dó, mas não era um caso isolado. Muitos caninos perderam parte dos
pelos ou dos dentes ao internalizar a angustia de seus donos. Mas nenhum outro
ficou careca e banguela como a Esperança, cadela de Sebastian.
Nunca ia perdoar aquele povo da usina e
aqueles políticos por terem feito aquilo. Afogar o povoado era suma maldade. Tirar
um povo que vivia lá há muito mais tempo que o pessoal da capital pra umas empresas
ter energia pra fabricar cimento, moldar aço... era um absurdo. Acabar com um
dos luares mais lindos do mundo pra ligar lâmpadas num galpão de fábrica...
Era revoltante aquilo. O bode estava na sala. Ninguém
podia explicar aquilo. Ficou abestalhado como os entreguistas haviam conseguido
se reeleger. Mas dinheiro compra tudo, até dignidade. Até a ponte que atravessa
o lago que afogou sua localidade ganhou o nome do presidente que soltou dinheiro
(verba federal) para construí-la e depois tiraram o nome pra pôr o do
governador da época.
Mas bode na sala não chateia tocantinense. Até
a sede da FIETO (Federação das Indústrias do Tocantins) tem o nome do
presidente da CNI (Confederação Nacional das Indústrias) que liberou o dinheiro
pra construí-la. Só mesmo Sebastian é que tinha um bode chifrudo na sala. Que
incomodava por demais.
Essa é a história do bode, quer dizer do
Sebastian. Não boto nem a canela dentro d’água pra continuar a contá-la. Não
acredito em destino, mas parece obvio que tem uns, que não importa a situação,
sempre vencem. Sebastian não é um deles. Nem eu. E, provavelmente nem você.