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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Sobre a arte e as hermenêuticas



A arte é muito mais eficiente ao capturar (ou ser capturada) pelo Zeitgeist (o espírito do tempo).  Portanto contar a história geral, humana, dita universal pela arte dos povos, grupos, nações parece ser uma abordagem muito mais rica, plural e sujeita a mais interpretações e mais erros. Quanto mais é possível errar, melhor é o método. Como assim seu idiota??? Você diz que o método menos rigoroso é melhor??? Não!!! Que métodos abertos são melhores que fechados.

 Não é possível descobrir uma verdade quando se sabe há pelo menos um séculoBa que as verdades são particulares. Que as ditas “verdades universais” são verossimilhanças consensuadas, algo que nos dá chão pra pisar. Estar próximo ou muito próximo da verdade é melhor que se prender a fantasias como se fossem realidades. Então você quer dizer que dois mais dois igual a quatro não é uma verdade? É sim. É uma verdade analítica, que é uma autoproclamação: só garante a si mesma.

Não era o propósito, mas estico: duas bananas mais duas laranjas são quatro frutas. Duas mangas mais duas jaboticabas igualmente. Duas bananas e duas laranjas são iguais a duas mangas e duas jaboticabas? As situações, os sujeitos, as interações mudam a reação. Usei uma lógica física ou química. Nem sociologia, nem filosofia, porque para essas é muito mais óbvio. Para qualquer hermenêutica, tudo é muito susceptível.

Textos se tornam eternos porque podem ser reinterpretados. Universais também porque a tradução permite ultrapassar realidades dispares entre as línguas. Não há fidelidade nenhuma nisso. Há a lealdade possível. Para isso há a verossimilhança de criar metáforas e metonímias para mudando tudo mostrar os aspectos primordiais do texto que se julga que deveriam ser preservados.

Somente a arte consegue numa mesma obra se dizer e desdizer do modo de sua época. Mostrar os conflitos não como discurso, as vezes nem como descrição, mas como narrativa. A narrativa do conflito é muito mais complexa: mocinho não é mocinho, nem bandido é bandido. Sem defender um ou outro, em muitas situações fazem o inverso. Na maioria, não é muito claro quem é quem. Salvo os casos limítrofes, as pessoas tendem a variar entre um ou outro, virtuoso e desvirtuado com frequência e precisam de uma narrativa para se estabelecerem como mocinho ou bandido. As melhores obras são as que não tem nem mocinho, nem bandido.

Quanto mais uma obra é particular, tem as dores, os prazeres, o espírito de seu tempo, mais ela é universal. A obra mais universal é a que explora a singularidade, as dores do individuo em seu tempo porque por mais que seja subjetiva (e, portanto, limitada) será lida por sujeitos que se identificarão. Quando se diz que o sertão, a vila isolada é o mundo é uma verdade porque mostra os aspectos essenciais. Embora as metrópoles mostrem muito mais o mundo que é intrinsecamente interligado. Essa é uma visão geral, panorâmica que não alcança as especificidades.

As narrativas particulares (escritas, pintadas ou cantadas) mostram lugares, épocas, ambientes que não vivemos, mas tem maior verossimilhança com nossa realidade do que textos que tentam descrever ou dissertar sobre o real. Não há verdade, mas verossimilhança graça por todo o lado. É muito mais completo descrever uma goteira numa poesia que num relatório técnico. O ultimo tem a virtude ser objetivo, mas deixa escapar quase tudo do que é uma goteira.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Reflexões e inquietudes

            


           Possivelmente eu devo começar uma investigação de um tema interessante ou de algo em torno dele. Não conheço autores que tenham pensado especificamente sobre o foco que ando avistando. Mas possivelmente existam milhares ou pelo menos centenas.

Kant produziu um panfleto que distribuía na porta da igreja da convicção dele, a luterana: Resposta à pergunta: Que é o esclarecimento. Nesse texto, Kant defende a autonomia intelectual através do uso da razão autônoma. Sua crença na racionalidade o levou a escrever obras como Paz Perpetua, que nos soa hoje mais como uma utopia fictícia do que uma obra filosófica racional. Poderíamos usar inclusive a principal critica a sua visão de mundo para justificar: a vontade se sobrepôs à razão e a usou para justificar os seus desejos.

O ocaso da razão como motor do mundo, o ideal iluminista, começou com as descobertas freudianos que debilitaram o ego. As mostras da impotência da razão sobretudo demonstradas por Nietzsche. Também a demonstração de como o trabalho e o meio do trabalho formam o ser humano feita por Marx. Mas não vou me alongar nisso porque embora demonstrem a insuficiência da razão não mostram a situação atual, muito mais caótica.

Estamos numa era em que a velocidade aniquilou a reflexão. O excesso de informações inviabilizou a razão. É tudo tão caótico não é possível deliberar sozinho, conjuntamente com a consciência ou em grupo adequadamente. Nem mesmo no ocaso da razão, se mover com vistas a um desejo coletivo. Possivelmente nem deliberar para atingir desejos próprios mais elaborados. Desse modo, os indivíduos, que no coletivo formam a sociedade, vivem pra suprir seus desejos mais urgentes quase como se fossem necessidade. Assim destruindo todos os escombros restantes da racionalidade.

Vou me afundar nesse tema. Espero com o tempo compreender a sociedade do consumo instantâneo que magicamente dissolve a si mesma. Não sei mais nada! Desculpem! Por ignorância termino o texto aqui...

terça-feira, 27 de maio de 2025

O desejo


 

Os séculos XVIII e XIX (1701 a 1900) foram majoritariamente a reação do Ego ao Superego. Ou seja, a reação a eras de uma autoridade externa interiorizada com a afirmação de uma razão individual, o tal do Iluminismo. Uma reação da Idade Moderna à idade Medieval de poder teocrático dos déspotas. A troca da autoridade teológica gradualmente pela cientifica. Na segunda metade do século XIX começa o ressurgimento do Id. Percebe-se que a razão não governava nem os mais fervorosos racionalistas.

No final do século XIX fica mais evidente ainda quando Sigmund Freud lança a interpretação dos sonhos. Passa a ficar óbvio que a razão é muito frágil perto da força dos instintos. Todo mundo tem Id, Ego e Superego. Ninguém deixou de ter alguma dessas instituições em nenhum momento da humanidade. Mas é uma ilustração tosca do pensamento das épocas.

A música todo mundo vai sofrer composta por Diego Silveira, Junior Gomes, Lari Ferreira e Renno Poeta e cantada por Marilia Mendonça trabalha com a ideia do desejo muito próxima a concepção de Arthur Schopenhauer (e mesmo de Buda) para o qual o desejo traz sofrimento inevitavelmente. Quem eu quero, não me quer/ Quem me quer, não vou querer/ Ninguém vai sofrer sozinho/ Todo mundo vai sofrer.  Para Schopenhauer a solução é o afastamento, a fuga. Para Sidarta Gautama a saída é a iluminação: sabendo o que os desejos provocam controlá-los, sublimá-los.

Nietzsche acreditava na afirmação do desejo, especificamente do desejo de poder. Contrariando Schopenhauer não diria evita o doce, mas sim chafurda no doce, submeta ao pote de doce aos seus desejos. Ou seja, Nietzsche submete a razão aos desejos porque o desejo de poder pode fabricar uma nova razão. Kierkegaard nem submete a razão, ele acredita num salto de fé para superar o obstáculo da razão.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

História e Liberdade

 


Muitas vezes discutimos sobre nossa percepção de mundo e contrapomos nossas pequenas diferenças de visão sobre os assuntos mais importantes (e, portanto, histórico-socialmente vitais). Tomamos algumas vezes o mesmo caminho para chegar a conclusões diferentes. Na maioria das ocasiões, caminhos diversos para chegar a conclusões muito próximas, quando não rigorosamente a mesma.

Um assunto quase nunca discutido diretamente, mas que permeou necessariamente nossas conversas, até porque já conversamos sobre Platão, Spinoza, Karl Marx, Imanuel Kant, Hegel, Antônio Gramsci, Hannah Arendt, Adorno, Habermas, foi a questão de como, por quais meios e sob quais limitações o homem faz a história. A ressurreição da filosofia grega, Cornélio Castoriadis, no livro A instituição imaginária da sociedade, nos fornece bons dados sobre uma perspectiva marxista para essa discussão. Segundo ele, “é certo que a consciência humana, como agente transformador e criador na história, é essencialmente uma consciência prática, uma razão operante-ativa, muito mais do que uma reflexão teórica, à qual a prática seria anexada como o corolário de um raciocínio e da qual ela somente materializaria as consequências. Mas essa prática não é exclusivamente uma modificação do mundo material, ela é também, ainda mais, modificação das condutas dos homens e de suas relações. O Sermão da montanha, o Manifesto comunista pertencem à prática histórica, tanto quanto um invento técnico, e pesam, quanto a seus reais efeitos sobre a história, com um peso infinitamente maior” (CASTORIADIS, 1982, p.33).

Claro para aceitar todo esse poderio do homem sobre a história, necessariamente somos obrigados a aceitar uma dialética histórica, concepção com que Hegel revolucionou a filosofia ao introduzir a contingência histórica ao subjetivismo de Kant. Estava criado o sujeito histórico. Obviamente a dialética como motor da história é outro fato extremamente relevante. Castoriadis também a explica, destacando a importância de Hegel em Marx: “Existe uma dialética da história que faz com que os pontos de vista sucessivos das diversas épocas, classes, sociedades, mantenham entre si uma relação definida (mesmo se muito complexa). Eles obedecem a uma ordem, formam um sistema que desdobra no tempo, de maneira que o que vem depois ultrapassa (suprime conservando) o que estava antes. O presente compreende o passado (como momento “superado”) e por isso pode compreendê-lo melhor do que esse passado compreendia a si mesmo. Essa dialética é, em sua essência, a dialética hegeliana; o que era para Hegel o movimento do logos, torna-se em Marx o desenvolvimento das forças produtivas e a sucessão de classes sociais que marca suas etapas não tem, em relação a isto, nenhuma importância. Num e noutro, Kant “ultrapassa” Platão e a sociedade burguesa é “superior” à sociedade antiga. Mas isso assume importância em relação a outra aspecto – e é este o segundo termo do movimento. Precisamente porque esta dialética é a dialética da aparição sucessiva de diversas classes na historia, ela não é mais, necessariamente, infinita de direito; ora, a análise histórica mostra que ela pode e deve se completar-se com o aparecimento da “última classe”, o proletariado” (CASTORIADIS, 1982, p.48 e 49).

Necessariamente debatemos também a liberdade, pois com exceção de Baruch Spinoza, todos os outros concebem a história como terreno da liberdade. Para isto, após décadas em que foram muito melhor lidas as críticas de Marx a Hegel, Castoriadis mostra como a concepção de liberdade inunda o pensamento de ambos: “O hegelianismo como podemos em verdade ver, não está ultrapassado. Tudo o que é e tudo o que será real, é e será racional. Que Hegel pare esta realidade e esta racionalidade no momento em que aparece sua própria filosofia, enquanto que Marx as prolonga indefinidamente até e inclusive a humanidade comunista, não enfraquece o que dizemos, antes o reforça. O império da razão que, no primeiro caso, englobava (por um postulado especulativo necessário) o que já está dado, estende-se agora também a tudo o que poderá ser dado na história. O fato de que o que podemos dizer desde agora sobre o que será torna-se cada vez mais vago na medida em que nos afastamos do presente, provém de limitações contingentes de nosso conhecimento e sobretudo de que se trata de fazer o que há por fazer hoje e não de “dar receitas para as cozinhas socialistas do futuro”. Mas esse futuro está desde já fixado em seu princípio: ele será liberdade, como o passado e o presente foram e são necessidade” (CASTORIADIS, 1982, p.56)

(CASTORIADIS, Cornélius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982)

quinta-feira, 27 de março de 2025

A lei como forma

     


     Hegel, um dos mais notáveis filósofos que conseguiram explicar a modernidade e o liberalismo que a cria, viveu numa época em que a maioria dos regimes eram absolutistas, a maioria tirânicos. Ou seja, as decisões do estado eram subjetivas. Uma pessoa poderia morrer por uma birra de um adolescente (um adulto infantilizado ou até uma criança mesmo).  Por isso, Hegel tem uma grande devoção pela burocracia moderna, um conjunto de regras impessoais. Quer dizer, teoricamente ficaríamos livres do despotismo da emoção. É verdade que não ficamos livres da pessoalidade e que nenhuma fase histórica fica livre de resquícios da outra.

    Essa ideia de que regras neutras e objetivas poderiam administrar melhor o mundo é a marca do estado moderno com suas constituições e direitos compartimentados, civil, público, penal, etc. Até mesmo as regras não escritas, que sempre existiram, mas que se tornaram vitais apenas com o surgimento da sociedade civil, o para além do Estado. Nos despotismos, quase tudo ou tudo é Estado.

    Raras pessoas refletiram como Kafka sobre essa realidade. Sobre a lei, a justiça (que abarca o poder judiciário, mas vai muito além dele):

              A teologia negativa ou da ausência, a transcendência da lei, a priori da culpa são temas recorrentes em muitas interpretações de Kafka. Os textos celebres do Processo (e também da Colônia penal e da Muralha da China) pressentem a lei como pura forma vazia e sem conteúdo, cujo objeto permanece irreconhecível; a lei não pode, portanto, enunciar-se a não ser em uma sentença; e a sentença não pode se apreender senão em um castigo. Ninguém conhece o interior da lei. Ninguém sabe o que é a lei no interior da Colônia; e as agulhas da máquina escrevem a sentença no corpo do condenado que não a conhecia, ao mesmo tempo em que elas lhe infligem o suplício. “O homem decifra a sentença com suas chagas”. [...] Kant fez a teoria racional do reviramento, da concepção grega à concepção judaico-cristã da lei: a lei não depende mais de um Bem pré-existente que lhe daria uma matéria, ela é pura forma, da qual depende o bem como tal. É bem o que enuncia a lei, nas condições formais em que ela mesma se enuncia. (DELEUZE, 2004. p. 81 e 82).

     Kafka mostra como a burocracia, as regras escritas ou não escritas ocupam todos os espaços na modernidade. Disciplinam a convivência e permitem a racionalização do Estado e a existência da sociedade civil. Mas acabam se espalhando para todos os espaços, inclusive as relações mais intimas. Principalmente como essa necessidade de ocupar todos os espaços e a dificuldade de se adaptar às particularidades faz com que as regras se tornam vazias tendo apenas forma, fórmula. Como não há conteúdo, não existe argumento pra contraditar

segunda-feira, 17 de março de 2025

O que somos?


   

O Renascimento e o Iluminismo nasceram centrados na figura do sujeito. Um sujeito ainda muito limitado no Renascimento, mas reivindicando bastante autonomia no Iluminismo, sobretudo na sua primeira fase de Kant a Hegel, da Crítica da Razão Pura (1781) à Fenomenologia do Espírito (1807). Um curto período, mas que perpassou todo o século XIX. Só em meados do século XIX começamos a pensar na modernidade tardia com Nietzsche, com Marx (1818-1893), Nietzsche (1844-1900) e, principalmente Freud (1856-1939). Começa e desconstrução da razão autônoma e, por consequência, do sujeito nos moldes do Iluminismo.

  Um fenômeno que nunca cessou de se auto-alimentar. O sujeito foi constantemente desmontado. Foi progressivamente alienado como Marx e Nietzsche denunciam de maneiras diferentes. Mas sobretudo desmontado e reconstruído seguida e constantemente como objetos diferentes (ou maquinas diferentes, como preferiria Deleuze). A modernidade ou o capitalismo foi progressivamente tomando os indivíduos por suas funções. José não é um semita ou um religioso. Também o é. Mas é sobretudo um carpinteiro. Tiago e João não são pregadores, nem viajantes, são pescadores. Cito exemplos religiosos da antiguidade para ser questionado justamente. Lá não havia essa demarcação, essa percepção. Mas na era moderna inegavelmente as pessoas perderam sua individualidade (no sentido de serem únicas) passaram a ser sobretudo o que fazem.

  Seu trabalho passa a ser o que são. E ser ocupa toda a existência. Não importa se adotemos uma ontologia antiga, medieval ou moderna. Ser ou Dasein. Não importa se fujamos para o existencialismo. O sujeito foi desmontado. Não há um ser-em-si, talvez nem um ser em relação à. Somos todos particularmente iguais no que nos é imposto de fora pra dentro, sobretudo por nós mesmos. Um poeta vive a sua vida captando signos. Um ferreiro a observar colunas ou outras coisas que desconhecia sobre seu oficio ou que poderia fazer melhor do que foi feito. Um jornalista na eterna angústia por acontecimentos ou desdobramentos. O oficio ultrapassa o período trabalhado e invade a vida. Tanto a pessoa (pessoa?) não se vê mais como uma razão autônoma, um sujeito no mundo, como os outros indivíduos também não o veem. Esclarecedora é uma passagem de Deleuze sobre Kafka:


   Se a calderaria, contudo, não é descrita por si mesma (o barco, aliás, é preso), é que jamais uma máquina é simplesmente técnica. Ao contrário, ela só é técnica como máquina social, tomando homens e mulheres em suas engrenagens, ou, antes, tendo homens e mulheres dentre suas engrenagens, não menos que coisas, estruturas, metais, matérias. Bem mais, Kafka não pensa somente nas condições de trabalho alienado, mecanizado, etc.: ele conhece tudo isso de muito perto, mas seu gênio é considerar que os homens e mulheres fazem parte da máquina, não somente em seu trabalho, mas ainda mais em suas atividades adjacentes, seu descanso, seus amores, seus protestos, suas indignações, etc. O mecânico é parte da maquina, não somente enquanto mecânico, mas no momento em quede cessa de sê-lo. [...] A máquina não é social sem se desmontar em todos os elementos conexos, que fazem máquina por seu turno. [...] É que a máquina é desejo, não que o desejo seja desejo da máquina, mas porque o desejo não cessa de fazer máquina da máquina, e de constituir uma nova engrenagem ao lado da engrenagem precedente, indefinidamente, mesmos essas engrenagens parecem se opor, ou funcionar de maneira discordante. O que faz máquina, falando propriamente, são as conexões, todas as conexões que conduzem a desmontagem. [DELEUZE, 2024. p.147 e 148]

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Iluminismo, Contracultura e Hippies

    


 

   O que eu vou escrever aqui pode ser pura besteira embora minhas argumentações sejam bastantes razoáveis e alguns contextos inquestionáveis. O Iluminismo foi responsável por uma cultura de devoção à razão. Esse culto à razão compreendia dos desdobramentos bastantes contraditórios: 

- uma ideia de razão instrumental, uma razão que faz desenvolver o mundo, cujo o grande exponente é Hegel, um filosofo que nunca falou dela diretamente mas explicou o desenvolvimento da historia até a idade moderna, a derradeira e última pelo desenvolvimento da racionalidade, da razão aplicada ao mundo.

- a própria ideia da razão geral, muito bem explicada por Kant, o qual em sua apologia á razão acreditava que poderia significar até a paz perpetua, o fim das guerras.

    Portanto, uma razão difusa, uma razão que domina, explica o mundo e uma razão individual que raciocina pondera a ação no mundo. Ou seja, uma que instrumentaliza, extrai e suga o melhor do mundo para o conforto da humanidade. Outra que pondera, busca uma justiça. A primeira justifica guerras por recursos naturais. A segunda abomina disputas injustificadas. Guerras causam mortes e a vida humana, o ser  humano é o centro do iluminismo.

    Deste modo é curioso como podemos acreditar que a contracultura desde os beatniks, passando pelo movimento por direitos até os hippies foi influenciada pelas ideias de Kant. A ideia individualista da maioridade moral como pensar por si mesmo, ou seja refletir, não aceitar verdades evidentes sem refletir permitiu que as pessoas saíssem da sociedade, questionassem seus valores.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

O panfleto de Kant ou a vã esperança da razão

        


  Certamente o maior exemplo da crença de que a razão poderia governar o mundo, proporcionar entendimento nos diálogos, o fim das guerras é o autor de Paz Perpétua, Immanuel Kant. Resposta à pergunta: Que é esclarecimento [<Aufklärung>]? o autor mostra suas esperanças na razão autônoma ou na, como preferiu denominar, na passagem da menoridade para a maioridade intelectual.

    Embora seja algo importante e valioso tentar ter uma razão autônoma, a história posterior veio a mostrar que até mesmo o conceito iluminista de sujeito é discutível. Quanto mais a ideia de um ser intensamente influenciado por sua comunidade e suas paixões dentre outras inúmeras coisas conseguir pensar autonomamente. Ser um cartesiano a se isolar de tudo e julgar de fora o objeto de sua conjectura.

    Kant define o esclarecimento como a saída da menoridade intelectual e moral, numa clara alusão à passagem da infância[1] para a vida adulta[2]. Kant faz uma analogia usando uma construção histórica, a infância[3], faz um discurso metafísico sobre uma condição do tempo dele e também do nosso, mas que não existia antes da modernidade e portanto não se refere a uma verdade eterna, problema no qual quase toda metafisica, pelo menos até Hegel esbarra e muitos filósofos contemporâneos que ainda pensam em metafisicas a-históricas ainda esbarram: o problema do fluxo do pré-socrático Heráclito ainda hoje milhares de anos após a morte deste.

    Entretanto como é uma metáfora não há nenhum problema, pois a metáfora pode se referir ao imaginário e ainda assim referir-se a situações reais. A questão de fundo é a autonomia, mais precisamente a autonomia de pensamento ou a razão autônoma. Um problema extremamente pertinente ao período no qual viveu Kant, no qual há uma revalorização da racionalidade e a separação progressiva entre filosofia e teologia, com a crescente autonomia tanto da filosofia quanto das ciências, que começaram o processo muito mais cedo, mesmo ainda dentro da filosofia, da teologia. A teologia perde essas muletas e perde muito do seu poderio e domínio. Por outro lado, a filosofia parece reencontrar sua autonomia, sua maioridade, pelo menos no discurso dos iluministas, nos quais Kant se insere, que chamam a Idade Média de Idade das Trevas ou A longa noite.

    A passagem da menoridade para a maioridade parece ser o chamado a esse novo tempo. A época que a humanidade pode alcançar a maioridade ao pensar por si própria. O fato de ele enfatizar nos exemplos a religião, por ser um reduto onde o dirigismo é valorizado, conforme ele próprio escreve:

Acentuei preferentemente em matéria religiosa o ponto principal do esclarecimento [<Aufklärung>], a saída do homem de sua menoridade, da qual tem a culpa. Porque no que se refere às artes e ciências nossos senhores não têm nenhum interesse em exercer a tutela sobre seus súditos, além de que também aquela menoridade é de todas a mais prejudicial e a mais desonrosa. (KANT, p.6).

    Nesse ambiente, Kant foi alimentado com ótimos argumentos para construir a sua tese, que é uma das fundamentais da Idade Moderna. Ou seja, que a maioridade intelectual é garantida pelo pensamento autônomo. A razão autônoma era justamente o que os primeiros filósofos da modernidade buscavam, este segundo Kant só poderia se manifestar publicamente, pois privadamente enfrenta obstáculos que não deixam a razão ser livre. A liberdade é, em termos aristotélicos, republicana, ou seja, garantida pelo desejo de bem comum que deve ser mais forte que o desejo particular de qualquer governante ou administração. Nesse sentido, Kant faz uma distinção entre as razões usadas nos empregos particulares, mesmo que tenham por objetivo o bem público, da razão usada publicamente: a primeira deve ser obediente aos preceitos do cargo e da autoridade a qual servem, a segunda deve ser livre e, portanto, autônoma.

    Embora Kant afirme que no espaço público atue a razão autônoma, ele demonstra que esta é propiciada por alguns, embora se torne propriedade pública como preceito e, portanto, ao mesmo tempo torna a razão do público não autônoma, pois esta é tomada como um preceito. Kant estabelece, assim, uma dialética do conhecimento onde um mesmo exercício que liberta também cria a dependência de outros. Mas Kant tem uma fé no aumento da liberdade através dos constantes exercícios da razão autônoma, pois cada vez mais, mais pessoas se libertam ao fazer uso da filosofia.

    Infelizmente ao se calcar na autonomia, a tese kantiana se torna complicada após o surgimento de Freud e Marx e sobretudo da Escola de Frankfurt que demonstram respectivamente o eclipse da razão e da autonomia da mesma. Mas ninguém pode negar que expressou muito bem a sua época.



[1] A palavra infância, do latim infantia, significa incapacidade de falar. Até a Idade Moderna considerava-se que a criança não teria condições de expressar seus pensamentos e seus sentimentos. A palavra infância carrega consigo o estigma da incapacidade, da incompletude, impondo-lhes uma condição subalterna diante dos adultos.

[2] Quando o ser passa a ser responsável por si mesmo.

[3] A infância é uma construção da Idade Moderna, a ideia de proteção e de latência inexistia até quase o fim da Idade Média.


O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...