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quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Confiar desconfiando



Pensar custa dois cafés. E café anda caro pela rua. Talvez ainda seja de graça em São Jorge, beira da Chapada dos Veadeiros. Provavelmente não. Possivelmente nem o vilarejo pacato no meio do nada seja mais. Talvez o ambiente civilizado numa bucólica vila exista mais. Talvez não seja mais possível andar liricamente pelo amplo espaço vazio.

Mas não é dessa liberdade e libertarismo que falo. São Jorge talvez esteja apenas na imaginação de todos nós brigando com o dragão na lua. Linda imagem que todos gostaríamos de que fosse real. Mas a racionalidade da maioria por inúmeras impossibilidades entende que não passa de um mito, uma metáfora.

É preciso ter fé em um enumerado de coisas senão não vivemos. Pra viver numa civilização temos que aceitar um acordo metafisico que poderíamos chamar de contrato social. Há vários deles. Todos temos restrições a eles. Mas nos submetemos a uma grande parcela deles em nome da sociabilidade.

Sim, eles podem ser questionados. E todos devemos questionar eles. Questionar a tudo, mas questionar, elaborar. Não querer o império da nossa vontade, do nosso desejo. Infelizmente São Jorge não pode lutar na lua com o dragão do pecado só porque é uma imagem linda, porque desejamos. Para que as coisas mudem deve-se ter uma boa razão para que mudem. Devem ter uma razão permanente até que outro arranjo melhor apareça. Uma razão momentânea não vale também por melhor que seja, pois o que é bom hoje, amanhã pode não ser.

Devemos confiar em parâmetros como os científicos? Claro! Enquanto são plausíveis. No momento em que se tornarem mais problemáticos que resolutos a própria ciência o abandonará. A ciência tem a verdade? Não, ninguém a detém.  Como bom filósofo sempre lembro que há veracidades, verossimilhanças, nunca a verdade, a não ser a inatingível dos platônicos, cartesianos que a tem como molde, moldura, não como conteúdo ou o inverso como essência inatingível pelo concreto, pelo material.

Confiar, desconfiando deveria ser um bom lema!

quinta-feira, 1 de maio de 2025

História e Liberdade

 


Muitas vezes discutimos sobre nossa percepção de mundo e contrapomos nossas pequenas diferenças de visão sobre os assuntos mais importantes (e, portanto, histórico-socialmente vitais). Tomamos algumas vezes o mesmo caminho para chegar a conclusões diferentes. Na maioria das ocasiões, caminhos diversos para chegar a conclusões muito próximas, quando não rigorosamente a mesma.

Um assunto quase nunca discutido diretamente, mas que permeou necessariamente nossas conversas, até porque já conversamos sobre Platão, Spinoza, Karl Marx, Imanuel Kant, Hegel, Antônio Gramsci, Hannah Arendt, Adorno, Habermas, foi a questão de como, por quais meios e sob quais limitações o homem faz a história. A ressurreição da filosofia grega, Cornélio Castoriadis, no livro A instituição imaginária da sociedade, nos fornece bons dados sobre uma perspectiva marxista para essa discussão. Segundo ele, “é certo que a consciência humana, como agente transformador e criador na história, é essencialmente uma consciência prática, uma razão operante-ativa, muito mais do que uma reflexão teórica, à qual a prática seria anexada como o corolário de um raciocínio e da qual ela somente materializaria as consequências. Mas essa prática não é exclusivamente uma modificação do mundo material, ela é também, ainda mais, modificação das condutas dos homens e de suas relações. O Sermão da montanha, o Manifesto comunista pertencem à prática histórica, tanto quanto um invento técnico, e pesam, quanto a seus reais efeitos sobre a história, com um peso infinitamente maior” (CASTORIADIS, 1982, p.33).

Claro para aceitar todo esse poderio do homem sobre a história, necessariamente somos obrigados a aceitar uma dialética histórica, concepção com que Hegel revolucionou a filosofia ao introduzir a contingência histórica ao subjetivismo de Kant. Estava criado o sujeito histórico. Obviamente a dialética como motor da história é outro fato extremamente relevante. Castoriadis também a explica, destacando a importância de Hegel em Marx: “Existe uma dialética da história que faz com que os pontos de vista sucessivos das diversas épocas, classes, sociedades, mantenham entre si uma relação definida (mesmo se muito complexa). Eles obedecem a uma ordem, formam um sistema que desdobra no tempo, de maneira que o que vem depois ultrapassa (suprime conservando) o que estava antes. O presente compreende o passado (como momento “superado”) e por isso pode compreendê-lo melhor do que esse passado compreendia a si mesmo. Essa dialética é, em sua essência, a dialética hegeliana; o que era para Hegel o movimento do logos, torna-se em Marx o desenvolvimento das forças produtivas e a sucessão de classes sociais que marca suas etapas não tem, em relação a isto, nenhuma importância. Num e noutro, Kant “ultrapassa” Platão e a sociedade burguesa é “superior” à sociedade antiga. Mas isso assume importância em relação a outra aspecto – e é este o segundo termo do movimento. Precisamente porque esta dialética é a dialética da aparição sucessiva de diversas classes na historia, ela não é mais, necessariamente, infinita de direito; ora, a análise histórica mostra que ela pode e deve se completar-se com o aparecimento da “última classe”, o proletariado” (CASTORIADIS, 1982, p.48 e 49).

Necessariamente debatemos também a liberdade, pois com exceção de Baruch Spinoza, todos os outros concebem a história como terreno da liberdade. Para isto, após décadas em que foram muito melhor lidas as críticas de Marx a Hegel, Castoriadis mostra como a concepção de liberdade inunda o pensamento de ambos: “O hegelianismo como podemos em verdade ver, não está ultrapassado. Tudo o que é e tudo o que será real, é e será racional. Que Hegel pare esta realidade e esta racionalidade no momento em que aparece sua própria filosofia, enquanto que Marx as prolonga indefinidamente até e inclusive a humanidade comunista, não enfraquece o que dizemos, antes o reforça. O império da razão que, no primeiro caso, englobava (por um postulado especulativo necessário) o que já está dado, estende-se agora também a tudo o que poderá ser dado na história. O fato de que o que podemos dizer desde agora sobre o que será torna-se cada vez mais vago na medida em que nos afastamos do presente, provém de limitações contingentes de nosso conhecimento e sobretudo de que se trata de fazer o que há por fazer hoje e não de “dar receitas para as cozinhas socialistas do futuro”. Mas esse futuro está desde já fixado em seu princípio: ele será liberdade, como o passado e o presente foram e são necessidade” (CASTORIADIS, 1982, p.56)

(CASTORIADIS, Cornélius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982)

segunda-feira, 24 de março de 2025

Parteiros de ideias

 


Assim como um excesso de individualismo minou a interatividade, o egoísmo dificultou, sobretudo, o aceitamento da pluralidade, conceitos fundamentais de política para a filósofa que melhor traduziu a filosofia política antiga de Aristóteles para a modernidade, a saber, Hannah Arendt. Sem esses dois valores fundamentais, perdemos boa parte de nossa capacidade crítica: não nos interessa entender o outro. Perdemos a capacidade de sermos parteiros e parteiras de ideias. Perdemos a capacidade da Maiêutica, a qual Platão explica muito bem com uma fala de Sócrates, deste modo:

Ora, em todo o resto, a minha arte obstétrica se assemelha à das parteiras, mas difere em uma coisa; ela [...] assiste as almas parturientes e não corpos. E minha maior capacidade é que, através dela, eu consigo discernir seguramente se a alma [...] está parindo fantasmas e mentiras ou alguma coisa vital e real. Pois algo eu tenho em comum com as parteiras: também sou estéril [...] de sabedoria. E a reprovação que tantos já me fizeram, segundo à qual eu interrogo os outros, mas, eu próprio, nunca manifesto meu pensamento sobre nenhuma questão, ignorante que sou, é reprovação muito verdadeira. E a razão é exatamente esta: Deus me leva a agir como obstetra, mas me interdita de gerar. Em mim mesmo, portanto, não sou nada sábio, nem de mim qualquer descoberta sábia que seja geração de minha alma. Entretanto, todos os que gostam de estar comigo, embora alguns deles pareçam inicialmente de todo ignorantes, mais tarde, continuando a frequentar minha companhia, desde que Deus les permita, todos eles extraem disso extraordinário proveito, como eles próprios e os outros podem ver. E está claro que não aprenderam nada de mim, mas de si mesmos encontraram e geraram muitas e belas coisas. (REALE, 1990, p. 99),

 

sexta-feira, 7 de março de 2025

Educação das crianças

 


A educação das crianças é um assunto importantíssimo, porque todas as sociedades que deram grandes saltos nos últimos tempos aperfeiçoaram a educação básica, modernizaram-na e combateram a evasão escolar, principalmente tornando-a mais atrativa e interativa. A educação básica é interesse de muitas áreas, sobretudo para a pedagogia, as ciências sociais e a filosofia. Platão mesmo já se interessava pela educação das crianças, que segundo ele deveria começar pela educação do corpo.

Teorias muito posteriores, póstumas a até o filósofo o qual citarei literalmente: Michel Eyquem de Montaigne, considerarão essas primeiras fases da tenra infância como fases em que o saber concreto é muito melhor aprendido que o abstrato. Isso se torna praticamente um consenso após o construtivismo/estruturalismo e a ideia do desenvolvimento.

A educação das crianças era preconizada mesmo antes de Platão. Pitágoras mesmo afirmava: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”. Mas como vimos logo no começo a educação não visa apenas ensinar regras de convivência às crianças. Se fosse apenas isso, seria pobre e inútil. Bastaria ter uma sociedade vigilante e “castradora”, algo que efetivamente temos, mas não excesso necessário, para conseguir isso. Mas a educação, sobretudo após Vygotsky foca o desenvolvimento de habilidades e aptidões nessa fase inicial, pelo menos teoricamente sobre o que dizem fazer. Sobre a educação das crianças, Michel de Montaigne afirma em um de seus Ensaios que:

Entendo que a maior e mais importante dificuldade da ciência humana parece residir no que concerne à instrução e à educação da criança. O mesmo acontece na agricultura: o que precede à semeadura é certo e fácil; e também plantar. Mas depois de brotar o que se plantou, difíceis e variadas são as maneiras de trata-lo. Assim os homens: pouco custa semeá-los, mas depois de nascidos, educa-los e instruí-los é tarefa complexa, trabalhosa e temível. [...] Não cessam de nos gritar aos ouvidos, como se por meio de um funil, o que nos querem ensinar, e o nosso trabalho consiste em repetir. Gostaria que ele corrigisse esse erro, e desde logo, segundo a inteligência da criança, começasse a indicar-lhe o caminho, fazendo-lhe provar as coisas, e a escolher e discernir por si próprio, indicando-lhe muitas vezes o caminho certo ou lho permitindo escolher. Não quero que fale sozinho e sim que deixe também o discípulo falar por seu turno. [...] Na maior parte das vezes a autoridade que nos ensinam é nociva aos que desejam aprender. [...] Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade ou crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estoicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o mpuder fique na dúvida, pois só os loucos tem certeza absoluta em sua opinião. [...] Quem segue outrem não segue coisa nenhuma; nem nada encontra, mesmo porque não procura. [...] Não se trata de aprender os preceitos desses filósofos, e sim de lhes entender o espírito. Que os esqueça à vontade, mas que os saiba assimilar. A verdade e a razão são comuns a todos e não pertencem mais a quem as diz primeiro do que ao que as diz depois. [...] Que evite essas atitudes indelicadas de dono do mundo, e a ambição pueril de querer parecer mais fino por ser diferente; e não procure (o que não oferece dificuldade) mostrar seu valor pelas suas críticas e originalidades. [...] ensinar-lhe-ão a somente discorrer e discutir quando encontrar alguém capaz de responder, e ainda assim a não empregar todos os meios que disponha mas apenas os mais apropriados ao seu assunto. Que a tornem exigente na escolha e peneiramento de suas razões, amigo da exatidão e, portanto, da brevidade. Que lhes ensinem sobretudo a ceder e sustar a discussão ante a verdade, logo que a enxergue, surja ela dos argumentos do adversário ou da sua própria reflexão, pois não lhe cabe desempenhar um papel prescrito e falar na cátedra; e se defende uma causa é porque a aprova; e não fará como aqueles que vendem em moeda sonante a liberdade de poder refletir e reconhecer o erro. [...] É o que diz Epicuro no início de sua carta a Meniceus: Por mais moço que seja, que ninguém se recuse a praticar a filosofia, e que os velhos não se cansem dela. (MONTAIGNE, 1989, p. 143, 144,145, 146, 147 e 151)

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...