A literatura muitas vezes explica melhor uma série de coisas que a própria filosofia. Então decidi recortar dois textos aparentemente dispares ou não. Quem dará significação ao texto é você. Um é o verbete do literato e filósofo, François Marie Arouet, vulgo Voltaire. O outro é o início do livro Angústia de Graciliano Ramos, que talvez devesse ser reconhecido como um cientista social pela profundidade de seus textos e pesquisas, por mais que seu objetivo final fosse à literatura. Os dois textos, entendo eu, falam de miséria e mendigagem de formas contrárias não sendo a maior diferença objetiva, mas subjetiva, de consideração...
1º O começo do
verbete Amor-próprio do Dicionário filosófico de Voltaire:
Um mendigo dos
arredores de Madrid esmolava nobremente. Um transeunte disse-lhe: “- Você não
tem vergonha de se dedicar a este oficio infame, quando pode trabalhar?” “-
Senhor – responde o pedinte - pedi-vos dinheiro, não conselhos”; e voltou-lhe
as costas com toda a dignidade castelhana. Era um mendigo tão orgulhoso como
qualquer senhor. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si, e
por amor de si não suportava reprimendas.
Já que se
tocou nesse assunto, coloco Oscar Wilde pra falar também retirando um trecho de
Os grandes escritos anarquistas:
Pode-se até
admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas
vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns o são, sem dúvida, mas
os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes,
desobedientes e rebeldes – e têm razão. Consideram que a caridade é uma forma
inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola sentimental,
geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador, de
tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas
migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela.
Nos dois
trechos temos dois tópicos diferentes que reforçam a necessidade da dignidade
para todos independente de raça, cor, nacionalidade ou condição social. Agora
no próximo trecho creio que o narrador tem uma perspectiva que embora não tão
explícita fica clara no desenvolver do trecho. O trecho são as primeiras frases
do romance Angústia do grandioso Graciliano Ramos:
Levantei-me há
cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das
visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem,
sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.
Há criaturas
que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram
muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir,
tomar-me qualquer coisa. Certos lugares que me davam prazer tornaram-se
odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho
impressão de que se acham ali pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos,
vendendo-se. É uma espécie de prostituição. Um sujeito chega, atenta,
encolhendo os ombros ou estirando o beiço, naqueles desconhecidos que se
amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma opinião à toa. Basbaques escutam,
saem. E os autores, resignados, mostram as letras e os algarismos,
oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama.
Bom... com
pequenas discordâncias, mas com ângulos diferentes é possível concatenar tudo,
mas se eu não pretendo concatenar segundo minha ótica pois eu desconheço a
verdade em âmbito humano. Portanto prefiro que fique com a sua. Por favor, tire
as suas próprias conclusões, já que não prestarei o desserviço de emitir minha
síntese...