Alguns mínimos
apontamentos de Sartre, recolhidos por Gerard Lebrun, filósofo autor de Kant e
o fim da metafísica [1970], O avesso da dialética: Hegel à luz de Nietzsche
[1988] e A filosofia e sua História [2006]. Os recolhidos são do último livro
citado. Talvez consigamos refletir sobre eles. O que seria uma reflexão sobre a
reflexão. Algo muito interessante, pois teríamos a reflexão de Sartre adulto
sobre o pequeno adulto que foi Sartre, uma infância desprezada por ele, mas que
reconhece que a sua negação o conduziu às suas grandes obras, principalmente A
náusea e O Ser e o Nada. Vejamos estes recortes:
É por isso
que, sendo todos comediantes, somos todos cabotinos, todos estamos de má fé.
Essa distância, de que antes eu me orgulhava, não é nada. De maneira que, ao
descobrir meu cabotinismo integral, desvendo meu Nada: não havia ninguém sob a
máscara. “Tentara refugiar-me em minha verdade solitária; mas eu não dispunha
de verdade alguma” “Eu era nada” “Eu não era consistente nem permanente; eu não
era o continuador futuro da obra paterna, eu não era necessário à produção do
aço: em suma, eu não tinha alma”. “Nasci para suprir a grande necessidade que
eu tinha de mim mesmo; até então só conhecendo as vaidades de um cão de luxo,
acuado no orgulho, tornei-me o Orgulhoso [...] Neste ponto extremo da
humildade, não podia mais me salvar a não ser invertendo a situação”
Os escritores
não são solitários: a humanidade necessita tanto deles quanto dos cavaleiros
errantes ou dos vingadores da injustiça. Ou melhor: o escritor, testemunhando a
favor do homem, o salva. “Tornei-me cátaro, confundi literatura com prece,
converti-a em sacrifício humano [...]. Tomei a decisão de escrever para Deus
com vistas a salvar meus vizinhos. Eu queria pessoas que me devessem favores e
não leitores.” (LEBRUN,2006,p. 43-45).
Assim Sartre,
usando a estética sob sua própria definição de transformar o mundo em aparência
do mundo, mostra como chegou a sua primeira grande obra, A náusea:
Consegui aos
trinta anos dar esse belo golpe: o de escrever em A náusea – muito
sinceramente, podem crer – a existência injustificada, salobra, de meus
congêneres e colocar a minha fora de questão [...] Mais tarde expus jovialmente
que o homem é impossível; eu próprio impossível, diferia dos outros apenas pelo
simples mandato de manifestar essa impossibilidade que, no mesmo lance, se
transfigurava [...] Falsificado até os ossos e mistificado, escrevia
alegremente sobre nossa infeliz condição.