Jürgen
Habermas acredita que das diferentes maneiras de se tratar um problema, duas em
particular ele questiona (das quais, obviamente, podem se extrair outras
intermediárias): uma positivista, que descarta a compreensão em prol da
objetividade, e outra hermenêutica, que descarta a objetividade ancorada em
regularidades para buscar a compreensão de singularidades manifestas em
situações específicas. Assim crê que a solução mais adequada seria substituir
as abordagens unilaterais por uma epistemologia que equilibrasse esta dualidade
básica.
Para
o único expoente da Escola de Frankfurt não judeu, as ciências sociais são a
área de maior conflito entre as ciências naturais e a hermenêutica. Ao usar um
método fechado baseado nas ciências naturais áreas como a sociologia
funcionalista ou estruturalista ganham segurança, mas perdem o poder
interpretativo dos fenômenos sociais, pois necessitam restringir a área de
atuação de cada pesquisa para que esta não saia do seu campo particular de cada
estudo e se desespera a cada influencia ou relação externa. Por outro lado, ao
usar um método hermenêutico-histórico, embora ganhe até um poder razoável de
previsão, perde-se muito da razoabilidade e da precisão. Ambos os métodos podem
estimular erros, pois o primeiro por ser muito fechado é cego á historicidade e
demais dados externos a ele e o segundo necessita de travas que assegurem sua
coerência.
Entretanto,
Habermas não descarta nem a Hermenêutica de Gadamer, nem o positivismo de
Popper. Aos dois direciona críticas como o caráter puramente “decisional” dos
pressupostos metateóricos de Popper e o imobilismo da teoria de Gadamer, mas é
influenciado tanto pelos criticados por ele critérios de demarcação de Popper
quanto pelo historicismo de Gadamer.
Para
Habermas, as ciências existentes são de três tipos: as ciências
empírico-analíticas, as ciências histórico-hermenêuticas e as ciências
críticas. Esses três tipos de ciências correspondem não apenas às três arestas
do triangulo polêmico que opõe positivistas (Popper) e hermeneutas (Gadamer)
aos integrantes da teoria crítica (Habermas),
mas
também remetem mais profundamente a três interesses do conhecimento [...],
respectivamente: a um interesse técnico, que comanda as ciências
empírico-analíticas; a um interesse prático, que comanda as ciências histórico-hermenêuticas;
e a um interesse emancipatório, que comanda as ciências críticas. [HUISMAN,
2001, p. 438].
As
ciências empírico-analíticas são as ciências exatas, ciências da natureza ou
ciências experimentais, as quais para Habermas correspondem à “lógica da
investigação cientifica desenvolvida por K. R. Popper, [...] que [...] têm o
caráter de um saber preditivo [...] e redundam numa possível utilização
técnica” [HUISMAN, 2001, p. 438].
As
ciências histórico-hermenêuticas correspondem às ciências humanas ou então as
ciências morais. Estas “asseguram a comunicação entre um sujeito do
conhecimento [...] e seu objeto, que é um outro sujeito simbólico e cultural
[...], pelo emprego de uma interpretação de textos ou monumentos” [HUISMAN,
2001, p. 438]. A metateoria dessa ciência é a hermenêutica de H. –G. Gadamer.
As
ciências críticas englobam a psicanálise e a crítica das ideologias. Deste modo
encampa também “a sociologia crítica, a Teoria Crítica do próprio J. Habermas:
elas tendem a desencadear uma reflexão crítica [...] que dissipa os bloqueios
de comunicação” [HUISMAN, 2001, p. 438]. A ideia de uma autorreflexão, na forma
de uma história natural da espécie humana se destina a evitar qualquer
dicotomia entre o empírico e o transcendental. Isso equivale a evitar os
perigos tanto de orientações excessivamente concretas do empirismo e
orientações excessivamente abstratas da hermenêutica. A ciência como força
produtiva é permitida, de acordo com Habermas, somente se acompanhada pela
ciência como força emancipadora, por isso não rejeita o trabalho da ciência
empírica, mas apenas interpretações naturalistas, positivistas ou
transcendentalistas, que se sucedem desta.
O
filosofo alemão Jürgen Habermas, pertence à segunda geração da Escola de
Frankfurt e como tal compartilhava com seus companheiros de uma preocupação com
a razão instrumental, que através da consolidação do domínio do capitalismo, da
ciência e da técnica, invadiu todos os domínios da sociedade construindo uma
sociedade unidimensional como Herbert Marcuse denominou a solidificação na
sociedade de um discurso único dominante que abrange toda a oposição como parte
de sua lógica na qual valores como a liberdade, a democracia servem tão somente
para justificar uma falta de liberdade confortável.
Habermas
tinha uma compreensão diferente da maioria seus anteriores na Escola quanto aos
males da técnica. Essa visão possibilitou a ele construir uma alternativa à
lógica tecnológico-científica que, para o filósofo, passou a invadir espaços
indevidos. Assim, Jürgen Habermas distinguiu três tipos de atividades:
Atividade
instrumental, que cruza ações orientadas para o sucesso com situações não
sociais; a atividade estratégica, que cruza ações orientadas para o sucesso com
situações sociais, e a ação comunicativa, que cruza ações orientadas para a
intercompreensão com situações sociais. Por atividade instrumental é preciso
entender, na esteira de Weber, ações orientadas para o sucesso, conduzidas
segundo regras técnicas de ação. Pode-se avaliar seu grau de eficiência pela
sua intervenção num contexto dado de estados de coisas. As atividades
estratégicas também são ações orientadas para o sucesso, mas consideradas,
dessa vez, sob o aspecto da busca de regras de escolha. Pode-se avaliar seu
grau de eficiência pela influência que exercem sobre as decisões de um parceiro
racional. A ação comunicativa não visa a exercer influência: é, ao contrário,
uma atividade em que há procura, em primeiro lugar, de entender-se com outros,
para em conjunto interpretar situações e entrar em acordo sobre planos de ação.
(HUISMAN, 2000, p. 523 e 524)
Assim,
Habermas até reconhece que a razão instrumental tem seu lugar: o mundo da
produção e do trabalho, o mundo da ciência, que não se desliga do primeiro. Mas
constata que há lugares na qual esta lógica não deveria imperar: notavelmente
nas instancias sociais e políticas, onde a técnica não deveria substituir nem o
convencimento, nem o acordo entre as pessoas.
Num
mundo dominado pela lógica instrumental, na qual tudo, inclusive a linguagem, é
um mero instrumento para alcançar determinado fim, Habermas, como um filósofo
pragmático e analítico – portanto conhecedor de teorias filosóficas da
linguagem e da hermenêutica – pôs-se a pensar numa alternativa à lógica
dominante e opressora que havia se espalhado sobre todos os domínios. Habermas
observa que:
As
ações humanas (quando orientadas para o sucesso) têm como mediação o dinheiro
(economia) e o poder (Estado). Mas o universo da intercompreensão tem como
mediação os “atos de fala”. (HUISMAN, 2000, p. 524)
Habermas
conhecia o trabalho de John Austin, para qual toda a linguagem é ação,
dividindo os atos da fala em ilocucionários (quando a fala é a própria ação) e
perlocucionários (quando a fala induz a ação). Austin conceituou também os atos
locucionários, que apenas descreveriam fatos e ações, mas acabou por descobrir
nada era simplesmente locucionário e que as três instâncias subsistiam
simultaneamente numa mesma comunicação. Tinha, portanto, indícios de solução
para resolver o seu problema: construir uma nova concepção da linguagem, ou
melhor, da comunicação, para se tornar alternativa viável de uso nos domínios
invadidos indevidamente pela razão instrumental. Assim livrando a linguagem de
ser instrumentalizada indevidamente e as pessoas de serem alijadas de seu poder
decisório.
Em
suma, Habermas deseja resgatar a autonomia da linguagem, das pessoas, da
política e das mais variadas instancias sociais que estavam, desde a
consolidação do capitalismo como modo de produção dominante, tuteladas pela
técnica. Esse foi o maior dos problemas a que Jürgen se dedicou ao conceber a
ação comunicativa.
Em
resposta ao problema diagnosticado por ele, a intervenção da razão instrumental
sobre a linguagem, que após o advento da supremacia da hermenêutica na
filosofia, passou a ser entendida como o fundamental, Habermas pensou a ação
comunicativa. Assim através de uma ética mínima, através da comunicação as
pessoas poderiam construir consensos para decidir sobre suas ações. Essa mínima
ética versa que para haver comunicação três regras em três dimensões diferentes
têm que ser respeitadas:
Nesse
processo, é preciso reconhecer que, com cada ato de fala, os participantes da
comunicação se referem simultaneamente a alguma coisa que é da ordem do mundo
subjetivo, cujo pressuposto é a veracidade; do mundo social, cujo pressuposto é
justeza; e do mundo objetivo, cujo pressuposto é a verdade. (HUISMAN, 2000, p.
524).
Assim
para uma comunicação obter sucesso, que corresponde simplesmente a sua
realização, é necessário que os participantes tenham a convicção de que os
outros estão falando a verdade e sendo sinceros ao verbalizarem o que pensam e
sentem. Mesmo que a intenção seja enganar, ou simplesmente influenciar, essas
intenções devem ser escondidas sob a pena que se descobertas inviabilizarão a
comunicação. Dessa forma Habermas restaura a dimensão político-decisória da
sociedade porque na ação comunicativa as ações são decididas por um consenso
obtido por uma comunicação, a qual já tem regras comuns e consensuais
preestabelecidas e aceitas por todos os participantes do processo decisório. Ou
seja, não há um critério externo que decide pelas pessoas, mas as próprias que
decidem seus rumos.
Para
Habermas, a subjetividade do indivíduo não é construída através de um ato
solitário de autorreflexão, mas, sim, é resultante de um processo de formação
que se dá em uma complexa rede de interações. Por isto que para o filósofo, o
conhecimento e a própria constituição do ser é intersubjetiva e linguística.
Por essa mesma razão, é que situa a ação neste mesmo horizonte. De quebra, com
a solução pragmática que observa como a comunicação ocorre na prática, Habermas
consegue desvincular a teoria da linguagem de uma base tecnocientífica, o que
caso não ocorresse colocaria a teoria nos “braços” da lógica instrumental, a
qual se nutre do domínio da tecnologia e da ciência sobre as demais áreas.
Ao
propor que as ações no mundo social devam ser mediadas somente pela
comunicação, Habermas retira a economia, a técnica e a tecnologia do papel
primordial na discussão de um novo mundo. Nessa dimensão revolucionária, o
filósofo, ao contrário de muitos de seus colegas da Escola de Frankfurt
acredita que as pessoas podem nortear por suas próprias decisões seu próprio
futuro, desde que o façam numa decisão intersubjetiva através da comunicação,
da ação comunicativa.
Referencias:
HABERMAS,
Jürgen. A lógica das ciências sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
HABERMAS,
Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 2003.
HUISMAN,
Denis. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
HUISMAN,
Denis. Dicionário de Filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.