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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Conto de Hector

 


Hector, o belo, mais belo que marmelo, vivia em seu imenso mundo. Nem tão limpo, nem tão imundo. Sabia dizer as coisas, ser prolixo, mas não profundo. Andava com alguma dificuldade. Nada que os muros não ajudassem. Paredes que nunca travessou, digo, nunca pulou. As pontes sim, nunca pulava. Atravessava todas as pontes possíveis.

Era um demagogo da melhor qualidade. Não, nunca pretendeu ser candidato a nada. Mas era o grande político da cidade. Estava em todas as rodinhas. Embora não entendesse quase nenhuma, conhecia todas as tendencias, correntes, inclusive os disse-me-disses. Sabia dizer algo razoável em cada rodinha. Dar sua opinião mais sincera sem se comprometer.

Era o cara dos cosméticos. Dava opiniões que não construíam nada, mas agregavam todos os aspectos da roda. Sabia que oferecer um café ou um bolo ou realçar o canto do sabiá ou canário do reino era muito mais útil que uma convicção. Não torcia por nenhum time, mas pela vitória da competitividade e a compaixão pelos derrotados. Ia a todas as disputas, mas não comparecia a estádios ou ginásios por mais que cinco ou dez minutos.

Era capaz de arrastar multidões, sobretudo nos dias de Reis e Cosme e Damião. Adultos e crianças. Não arrastava sozinho, é verdade. Mas era uma espécie de líder das frivolidades. Obviamente não são datas frívolas, nem suas comemorações. Mas ele era. Só sendo um mestre nas frivolidades conseguiria ser tão agradável.

Andava pelas ruas sem se desviar de ninguém. Não precisava. Para tudo tinha uma fala tão inútil que poderia passar desapercebida a não ser agradável notícia para as pessoas de que elas eram notadas. Podia ser um idiota. Suas palavras não levavam nada pra frente, nada acrescentavam, mas era a cola da cidade. A ponte entre todas as diferenças.

Poderia ser um carteiro como o Hermes, o mensageiro dos deuses que tinha asas nas sandálias. Hermes que era padroeiro dos diplomatas por interligar reinos e pessoas. E dos ladrões, por ser muito furtivo. Essa ultima característica não tinha. Era muito honesto com outros. Não consigo. Tinha dias que preferiria se enfiar pelado num barril como Diógenes, o maior dos cínicos. Cínico em grego era cachorro. Talvez cachorro fosse uma boa definição da agradabilidade de nosso personagem.

Talvez fosse tratado como um cachorro mesmo. Recebia tanta simpatia quanto desimportância. Quanto mais era ignorado, mais era adorado. Uma baita cachorrada! Me revoltei! Não tenho a paciência, malemolência de Hector. Termino por aqui.

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