Hector, o belo, mais belo que marmelo, vivia
em seu imenso mundo. Nem tão limpo, nem tão imundo. Sabia dizer as coisas, ser
prolixo, mas não profundo. Andava com alguma dificuldade. Nada que os muros não
ajudassem. Paredes que nunca travessou, digo, nunca pulou. As pontes sim, nunca
pulava. Atravessava todas as pontes possíveis.
Era um demagogo da melhor qualidade. Não,
nunca pretendeu ser candidato a nada. Mas era o grande político da cidade. Estava
em todas as rodinhas. Embora não entendesse quase nenhuma, conhecia todas as
tendencias, correntes, inclusive os disse-me-disses. Sabia dizer algo razoável em
cada rodinha. Dar sua opinião mais sincera sem se comprometer.
Era o cara dos cosméticos. Dava opiniões que
não construíam nada, mas agregavam todos os aspectos da roda. Sabia que
oferecer um café ou um bolo ou realçar o canto do sabiá ou canário do reino era
muito mais útil que uma convicção. Não torcia por nenhum time, mas pela vitória
da competitividade e a compaixão pelos derrotados. Ia a todas as disputas, mas
não comparecia a estádios ou ginásios por mais que cinco ou dez minutos.
Era capaz de arrastar multidões, sobretudo nos
dias de Reis e Cosme e Damião. Adultos e crianças. Não arrastava sozinho, é
verdade. Mas era uma espécie de líder das frivolidades. Obviamente não são datas
frívolas, nem suas comemorações. Mas ele era. Só sendo um mestre nas frivolidades
conseguiria ser tão agradável.
Andava pelas ruas sem se desviar de ninguém. Não
precisava. Para tudo tinha uma fala tão inútil que poderia passar desapercebida
a não ser agradável notícia para as pessoas de que elas eram notadas. Podia ser
um idiota. Suas palavras não levavam nada pra frente, nada acrescentavam, mas
era a cola da cidade. A ponte entre todas as diferenças.
Poderia ser um carteiro como o Hermes, o
mensageiro dos deuses que tinha asas nas sandálias. Hermes que era padroeiro
dos diplomatas por interligar reinos e pessoas. E dos ladrões, por ser muito
furtivo. Essa ultima característica não tinha. Era muito honesto com outros.
Não consigo. Tinha dias que preferiria se enfiar pelado num barril como
Diógenes, o maior dos cínicos. Cínico em grego era cachorro. Talvez cachorro
fosse uma boa definição da agradabilidade de nosso personagem.
Talvez fosse tratado como um cachorro mesmo. Recebia
tanta simpatia quanto desimportância. Quanto mais era ignorado, mais era adorado.
Uma baita cachorrada! Me revoltei! Não tenho a paciência, malemolência de
Hector. Termino por aqui.
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