O que dizer de Ofélia? Estaria ela numa opera?
Ofélia diz de si mesma e basta: “eu sou o que sou. Nada mais!”. Na estante da
sala reluzia o clássico Cozinha de Ofélia. Comprou mesmo antes de quitar seu
apartamento pra ter uma ideia de como seria sua cozinha. O livro era de
culinária. Nunca o leu.
Ofélia passava o dia na rua. Vendia de tudo:
perfumes, bijuterias, prata, joias e ouro. De vez em quando vendia um lote. Se
virava pra conseguir um dinheirinho. De pouco em pouco tocava a vida. Não dava
pra almoçar no Jockey Clube todo dia, mas podia ir umas três vezes por semana
lá se quisesse. Não dava tempo. Estava sempre daqui pra lá, de lá pra cá.
As vezes não dava tempo nem de almoçar. Sorte quando
marcava de almoçar com algum cliente. Algumas vezes pagava um almoço numa
conversa que não ia dar em nada só pra almoçar. Mas era difícil ter esse tempo.
Se deslocar de um lado pro outro era essencial. Era preciso recolher cada peça
do quebra-cabeça do mês, cada moeda pra fechar as contas. E se possível juntar
um pouco mais.
Fruto desse vai e vem conhece o centro como
ninguém. Talvez menos só que os ambulantes. Os bairros novos melhor que quase
todo mundo por vender lotes sempre que possível. Não conseguiu adentrar nos
feudos das concessionárias, mas no das imobiliárias de vez em quando lhe
sobrava algum. É um dinheiro que garante mais tempo, dizia.
Quando vendia algum lote, o que vendesse era
um algo a mais por algum tempo. Mas lote não era algo que conseguia pra vender
todo mês. Vivia mais do varejo de perfumes e joias. As vezes algumas
bijuterias. O que vendia era um almoço ou café da manhã garantido. Em algumas
oportunidades fazia uma venda maior no varejo. Ganhava um pouco mais que pra sobrevivência
imediata. Mas era uma vida incerta: hoje tinha um pouquinho mais, amanhã só pra
uma refeição.
Não tinha um plano de saúde. Não tinha uma
regularidade de dinheiro pra isto. Mas já fez checkup nos mais famosos hospitais
quando tinha dinheiro. Com exceção da casa, comprava tudo a vista quando tinha
dinheiro. Sabia que tinha, mas daqui a pouco não voltaria a ter. Gastava o
absolutamente necessário. Já tinha se acostumado com essa gangorra na sua vida.
Geralmente tinha o necessário, mas algumas horas tinha muito, outras não tinha
nada.
Teria sido uma excelente especuladora financeira
pelo sangue-frio, quase indiferença com a situação financeira. Saberia comprar
os ativos que iriam se valorizar e não se afligir com a inicial queda de preço.
Embora sua especialidade não seja
comprar e sim vender. Mas essa é uma conjectura que cabe na história. Pois não,
essa é Ofélia.
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