Ah! Marianna veio de Maria. Não Nossa Senhora.
Uma Maria qualquer. Uma Maria vai com as outras. No caso outro, muito melhor que
o primeiro. Não era porque fosse descabeçada que não soubesse escolher. Mariana
ía às novenas todo dia às seis da tarde com sua meia-irmã na igrejinha no alto
do morro. Era uma delícia subir correndo escalando aquela trilha, pedras.
Rezava sempre uma ave-maria e um pai nosso ao
dormir. Ao acordar não dava tempo. Nem tinha paz pra tomar café direito. Seu
x-tudo sempre ficava pelo meio. Embrulhava num papel alumínio pra depois da
novena. Punha na assadeira e esquentava no fogão. Saía toda atabalhoada de casa
pra varrer as ruas da vila. Era muito divertido o dia que as varredeiras passavam
pela rua porque aí só precisava juntar os lixos e arremessar nos caminhões
compactadores. As varredeiras não era a gente. Eram caminhões com engrenagens
que passavam as fibras pelas ruas.
Depois das varredeiras que passavam uma ou
duas vezes por semana rezava por uma chuva pra lavar e polir as ruas. Não fora
sempre gari. Quando mais nova acompanhava o falecido pai nas minas. Era um
pouco surda por causa das explosões. Assim que completou doze anos fez uma
promessa pra virar gari. Sua vassourinha tá lá na sala de milagres. Aos quatorze
graças a enganos e documento fraudado virou varredeira, quer dizer, gari.
Era quase uma varredeira graças a eficiência que
varria as ruas. Sobretudo nos raros dias de chuva contínua. Não chegava a ser tão
rápida quanto a máquina, mas varria melhor. Era a melhor varredeira humana
daquela cidade. Não só da vila, mas talvez do estado.
Nunca vira uma escola. Não
era novidade. Só quem viajasse pra cidade veria uma. Tinha um ônibus que vinha
buscar alunos pra escola e deixar na primeira curva da rodovia. Quem estudasse
de tarde podia pegar o ônibus cedo e completar o percurso a pé. Já tentaram
construir uma escola na vila. Tem três esqueletos como prova da intenção. Um deles
tem até duas paredes. O resto não passou da fundação.
Fundação, aliás, é o que
mais tinha na vila. Fundação disso. Fundação daquilo. Uma tal de ABBC era a que
mais afligia Marianna. O uso de privadas era muito recente na vila. O saneamento
básico meio que chegou nas primeiras casas há menos de uma década. A Associação
Beneficente dos Bons Costumes (ABBC) além de etiqueta ensinava as pessoas a
usarem o vaso sanitário. Tinha um banheiro com uns dez vasos que além de serem
usados pelas aulas também era usado por quem passava ali perto. A fossa
sanitária não foi projetada pra tamanho volume e velocidade de despejo e vazava
umas duas vezes por mês.
Viviam pedindo dinheiro
para adequar as obras. O prefeito da cidade que não morava lá sempre achava um
jeito de Marianna fazer uma “contribuição voluntária” de seu parco salário pra
associação dirigida pela tia do ex-prefeito, pai do atual. As melhorias sempre
estavam próximas de acontecer. Já fazia dois anos que só faltava um tiquinho
pra obra terminar, embora nem tivesse começado.
Só restava a Marianna confiar
na promessa feita a São Carlo Acutis, padroeiro da internet, mas que era um
santo muito bonitinho. Um de seus santos de maior devoção. A promessa de não varrer
o pé de ninguém pra ver se a obra termina. A rua deixa de feder e de tirarem um
dízimo do seu misero salário. Pois é. É isso.
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