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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Conto da Pâmela


 

Pamela acordou aquele dia com os olhos melados. Coisa estranha isso! Todo dia tinha que levantar da cama e correr pra fila do banheiro pra poder ver alguma coisa. Depois de lavar o rosto, ou mais especificamente os olhos, voltava pro quarto a enxergar vultos pra pegar seus óculos fundo de garrafa que usaria por pouco tempo.

Ainda sofria os efeitos da operação na vista que fizera pra diminuir sua hipermetropia de periclitante para alta. Foi uma coisa mesmo de pressa porque com o tempo e o aumento natural da miopia sua visão tenderia a melhorar. Tinha dificuldade de atravessar avenidas muito largas. Conseguia ler com dificuldade até sem óculos. Estava trocando um pouco de um por outro com o tempo, mas uma troca muito injusta que dificilmente lhe ajudaria a ver de longe e ia lhe tirando a visão de perto.

Pegava o ônibus do outro lado da rua ou no meio da rua. Não conseguia perceber esses detalhes. O que percebia é que era um flagelo chegar lá. Difícil perceber se estavam lhe sacaneando quando perguntava que ônibus era antes de entrar. Já pegara muitos ônibus errados porque alguém decidia dificultar sua vida. Tinha que por a cabeça na janela para parar no ponto certo, ver a placa bem de perto.

Chegava no banco e passava a vassoura por todo o lugar porque não conseguia enxergar onde estava sujo. Então era uma espécie de esquadrinhamento para passar a vassoura por todo lugar. Quando derramava alguma coisa no chão era um desespero. Tinha que passar pano molhado com convicção tentando perceber pelos outros se estava limpando o lugar certo.

Mas a maior parte do tempo estava lá na cantina ou na compensação fingindo fazer alguma coisa pra escapar de ter que agir de improviso e perceberem a sua condição. Faltavam ainda cinco anos pra aposentar embora tivesse contribuído por mais de quarenta anos. Daqui cinco anos talvez enxergasse muito melhor e estaria aposentada.

Talvez saísse pelo mundo pra ver as coisas que nunca viu. Talvez refizesse seu cotidiano caminho só pra enxergá-lo. Talvez descansasse sua vista num tricô ou croché. Ou pelo contrário cansasse. Talvez fosse a praia pra enxergar a areia. O mar já estava cansada de ver. Talvez, talvez fosse uma possibilidade.

Pamela via muito futuro nisso. Enxergar melhor fora sempre seu sonho. Isso se a catarata não viesse e enublasse sua visão novamente. Isso se a presbiopia antecedesse o aumento da miopia. Bom... pelo menos tinha essa visão, esse futurismo, esse sonho. Vamos ver...

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