Pamela acordou aquele dia com os olhos melados.
Coisa estranha isso! Todo dia tinha que levantar da cama e correr pra fila do
banheiro pra poder ver alguma coisa. Depois de lavar o rosto, ou mais especificamente
os olhos, voltava pro quarto a enxergar vultos pra pegar seus óculos fundo de
garrafa que usaria por pouco tempo.
Ainda sofria os efeitos da operação na vista
que fizera pra diminuir sua hipermetropia de periclitante para alta. Foi uma
coisa mesmo de pressa porque com o tempo e o aumento natural da miopia sua
visão tenderia a melhorar. Tinha dificuldade de atravessar avenidas muito
largas. Conseguia ler com dificuldade até sem óculos. Estava trocando um pouco
de um por outro com o tempo, mas uma troca muito injusta que dificilmente lhe
ajudaria a ver de longe e ia lhe tirando a visão de perto.
Pegava o ônibus do outro lado da rua ou no
meio da rua. Não conseguia perceber esses detalhes. O que percebia é que era um
flagelo chegar lá. Difícil perceber se estavam lhe sacaneando quando perguntava
que ônibus era antes de entrar. Já pegara muitos ônibus errados porque alguém
decidia dificultar sua vida. Tinha que por a cabeça na janela para parar no
ponto certo, ver a placa bem de perto.
Chegava no banco e passava a vassoura por todo
o lugar porque não conseguia enxergar onde estava sujo. Então era uma espécie
de esquadrinhamento para passar a vassoura por todo lugar. Quando derramava
alguma coisa no chão era um desespero. Tinha que passar pano molhado com
convicção tentando perceber pelos outros se estava limpando o lugar certo.
Mas a maior parte do tempo estava lá na
cantina ou na compensação fingindo fazer alguma coisa pra escapar de ter que
agir de improviso e perceberem a sua condição. Faltavam ainda cinco anos pra
aposentar embora tivesse contribuído por mais de quarenta anos. Daqui cinco
anos talvez enxergasse muito melhor e estaria aposentada.
Talvez saísse pelo mundo pra ver as coisas que
nunca viu. Talvez refizesse seu cotidiano caminho só pra enxergá-lo. Talvez
descansasse sua vista num tricô ou croché. Ou pelo contrário cansasse. Talvez fosse
a praia pra enxergar a areia. O mar já estava cansada de ver. Talvez, talvez
fosse uma possibilidade.
Pamela via muito futuro nisso. Enxergar melhor
fora sempre seu sonho. Isso se a catarata não viesse e enublasse sua visão
novamente. Isso se a presbiopia antecedesse o aumento da miopia. Bom... pelo
menos tinha essa visão, esse futurismo, esse sonho. Vamos ver...
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