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segunda-feira, 31 de março de 2025

Lêdo engano

 


“As coisas quase nunca são o que parecem”, alerta um adágio popular da precaução platônica contra os sentidos. E, de fato, com o que fizeram com a política após o surgimento do capitalismo e da ciência “autônoma” na Idade Moderna, nada mais é o que parece. Não vivemos somente num mundo ilusório, mas em um universo preparado para nos enganar. Não há nada de natural nisso, diriam alguns. De fato, não há nada de natural mesmo no mundo humano. Este é sempre significado de acordo com interesses. Cada um com o seu, mas algum prevalece, é hegemônico.

E é muito mais fácil prevalecer uma mentira do que uma verdade, como nos mostra Umberto Eco em um fragmento de seu livro de contos Entre a mentira e a Ironia:

Sabeis que o grande segredo de nossa arte é aquele de governar os homens, e que o único modo é jamais dizer-lhes a verdade. Não vos comporteis segundo as regras do bom senso; desafiai a razão e apresentai com coragem os mais inacreditáveis absurdos. Quando sentirdes que tais grandes princípios se enfraquecem, retirai-vos, recolhei-vos em meditação e percorrei a terra; vereis então que as mais absurdas extravagancias tornam-se objetos de culto. [...] recordai-vos de que a primeira mola da natureza, da política, da sociedade é a reprodução, que a quimera dos mortais é serem imortais, conhecem o futuro, embora ignorem o presente, serem espirituais embora eles mesmos e tudo os circunda sejam matéria. (ECO, 2006, p.24 e 25).

Assim, mesmo os mais sinceros desejos possivelmente não passam de pura enganação, mesmo que bem sucedida. As intenções reais tendem a estar escondidas. Pendem a serem ocultadas dos que a operacionalizarão. Neste caso, quem exemplifica muito bem é François Marie Arouet, conhecido como Voltaire, dissertando sobre o senado romano em Cartas filosóficas:

O Senado de Roma, que mantinha o injusto e reprovável propósito de nada querer partilhar com os plebeus, não conhecia outro segredo para afastá-los do governo, senão o de distraí-los sempre em guerras externas. Encaravam o povo como animal feroz, julgando preciso atiça-lo contra os vizinhos, para que não devorasse os próprios senhores. Assim, o maior defeito do governo dos romanos tornou-os conquistadores; porque se sentiam fracos na própria casa, vieram a ser donos do mundo, até o momento em que suas dissensões os fizeram escravos. (VOLTAIRE, 1958, p. 36).

Bem veja, como a sociedade foi se alienando ao se despolitizar pouco a pouco desde o império romano. E como incomparavelmente pior estamos agora quando o erro e o engano se tornaram paradigma e nem mesmo nos serve como serviu aos romanos provisoriamente.

domingo, 30 de março de 2025

Pseudo_testamento

 Pé ante pé

Sigo pela vida

Pedindo licença

Procurando não incomodar

 

Buscando um lugar ao sol

Meu lugar a sombra

Minha própria vivencia

Meu particular caminho

 

E cheio de salamaleques

Cumprimento os que encontro

Em meu caminho desvelam-se

Com tiros de luzes

Luzidios olhares

 

Sigo minha estrada

Sem esquecer o que se foi

Sem perder o presente

Sem desejar o futuro

sábado, 29 de março de 2025

Julgamento

 

Pisei no calo.

Ele julgou-me.

Quem disser que lhe julguei mal

Provavelmente está errado.

Quem disser que lhe julguei bem

Provavelmente está condescendendo.

 

Eu, como todo mundo,

Sou fruto de infinitos julgamentos.

 

Pisei-lhe o calo.

Ele ficou em dúvida

Se me livrava de meus sofrimentos por ódio.

Ou me era grato por lhe revelar mais um pouco de si.

Helô

 


Nessa densa floresta

De pesada complexidade

Solto meus bichos

Um a um

Sem querer empatar nada

 

Na volúpia do teu relevo

Sonho minha caminhada

Devaneio tua perfeição

 

Enquanto desfruto do máximo prazer

de tocar tua estrada célula à célula

Num angustiante passeio

Romaria, devoção

sexta-feira, 28 de março de 2025

A Ética, a Razão e a Felicidade

 


Aristóteles em suas Éticas (Ética a Nicômaco e Ética a Eudemo) dizia que o único fim-per-se ou fim-em-si-mesmo é a felicidade. Provavelmente, após a modernidade e o consumismo temos que reconsiderar essa questão da existência de uma finalidade final. Mas a discussão mais interessante, e que nos interessa, é a afirmação dele de que somente os que tem a vida contemplativa poderiam alcançar esse bem último por se guiarem pela racionalidade enquanto os da vida laboral ou produtiva não se guiam e estarem imunes a corrupção da vida material, os da vida política não estão. Portanto, Aristóteles coloca a sabedoria, ou melhor o amor a sabedoria, em condição privilegiada para alcançar a felicidade.

Em vários trechos do evangelho é descrito justamente o contrário: que a felicidade pertence aos ingênuos e aos ignorantes. Em Werther, Goethe descreve muito bem esse contraponto à Aristóteles e faz uma bela síntese:

No entanto, para viver uma vida sob a ética humanista ou sob a inspiração cristã, a busca da felicidade não faz parte da equação. Para os cristãos, em muitas passagens do novo testamento, da boa nova do amor depois da vinda do Messias, a vida na terra é uma vida de provações, de sofrimento para alcançar a redenção após a morte. Para os humanistas, a ética visa o bem comum, não a felicidade pessoal e, esta é, de certa forma, incompatível: é preciso sacrificar os desejos em nome de um bem maior: o bem comum.

A vida humana não passa de um sonho. Mais de uma pessoa já pensou isso. Pois essa impressão também me acompanha por toda parte. Quando vejo os estreitos limites onde se acham encerradas as faculdades ativas e investigadoras do homem, e como todo o nosso labor visa apenas a satisfazer nossas necessidades, as quais, por sua vez, não têm outro objetivo senão prolongar nossa mesquinha existência; quando verifico que o nosso espírito só pode encontrar tranquilidade, quanto a certos pontos das nossas pesquisas, por meio de uma resignação povoada de sonhos, como um presidiário que adornasse de figuras multicoloridas e luminosas perspectivas as paredes da sua célula... tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo! Mas também aí, é um mundo de pressentimentos e desejos obscuros e não de imagens nítidas e forças vivas. Tudo flutua vagamente nos meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando, prossigo na minha viagem através do mundo.

As crianças – todos os pedagogos eruditos estão de acordo a este respeito – não sabem a razão daquilo que desejam; também os adultos, da mesma forma que as crianças, caminham vacilantes e ao acaso sobre a terra, ignorando, tanto quanto elas, de onde vêm e para onde vão. Não avançam nunca segundo uma orientação segura; deixam-se governar, como as crianças, por meio de biscoitos, pedaços de bolo e vara. E, como agem por essa forma, inconscientemente, parece-me, que se acham subordinados a vida dos sentidos.

Concordo com você (porque já sei que você vai contraditar-me) que os mais felizes são precisamente aqueles que vivem, dia-a-dia, como as crianças, passeando, despindo e vestindo as suas bonecas; aqueles que rondam, respeitosos, em torno da gaveta onde a mamãe guardou os bombons, e quando conseguem agarrar, enfim as gulodices cobiçadas, devoram com sofreguidão e gritam: “Quero mais!” Eis a gente feliz! Também é ditosa a gente que, emprestando nomes pomposos às suas mesquinhas ocupações, e até às suas paixões, conseguem fazê-las passar por gigantescos empreendimento destinados à salvação e prosperidade do gênero humano. (GOETHE, 2003, p. 226 a 228).

Mas não se pode negar que ter uma vida feliz é, razoavelmente fácil: basta viver uma vida egoísta, pautada em seus próprios desejos e ter poder para que sua onipotência particular não seja punida. Algo perfeitamente possível para no mínimo de cinco a quinze por cento do mundo. Muito pouco estatisticamente, mas em números, gente demais; centenas de milhões.

quinta-feira, 27 de março de 2025

A lei como forma

     


     Hegel, um dos mais notáveis filósofos que conseguiram explicar a modernidade e o liberalismo que a cria, viveu numa época em que a maioria dos regimes eram absolutistas, a maioria tirânicos. Ou seja, as decisões do estado eram subjetivas. Uma pessoa poderia morrer por uma birra de um adolescente (um adulto infantilizado ou até uma criança mesmo).  Por isso, Hegel tem uma grande devoção pela burocracia moderna, um conjunto de regras impessoais. Quer dizer, teoricamente ficaríamos livres do despotismo da emoção. É verdade que não ficamos livres da pessoalidade e que nenhuma fase histórica fica livre de resquícios da outra.

    Essa ideia de que regras neutras e objetivas poderiam administrar melhor o mundo é a marca do estado moderno com suas constituições e direitos compartimentados, civil, público, penal, etc. Até mesmo as regras não escritas, que sempre existiram, mas que se tornaram vitais apenas com o surgimento da sociedade civil, o para além do Estado. Nos despotismos, quase tudo ou tudo é Estado.

    Raras pessoas refletiram como Kafka sobre essa realidade. Sobre a lei, a justiça (que abarca o poder judiciário, mas vai muito além dele):

              A teologia negativa ou da ausência, a transcendência da lei, a priori da culpa são temas recorrentes em muitas interpretações de Kafka. Os textos celebres do Processo (e também da Colônia penal e da Muralha da China) pressentem a lei como pura forma vazia e sem conteúdo, cujo objeto permanece irreconhecível; a lei não pode, portanto, enunciar-se a não ser em uma sentença; e a sentença não pode se apreender senão em um castigo. Ninguém conhece o interior da lei. Ninguém sabe o que é a lei no interior da Colônia; e as agulhas da máquina escrevem a sentença no corpo do condenado que não a conhecia, ao mesmo tempo em que elas lhe infligem o suplício. “O homem decifra a sentença com suas chagas”. [...] Kant fez a teoria racional do reviramento, da concepção grega à concepção judaico-cristã da lei: a lei não depende mais de um Bem pré-existente que lhe daria uma matéria, ela é pura forma, da qual depende o bem como tal. É bem o que enuncia a lei, nas condições formais em que ela mesma se enuncia. (DELEUZE, 2004. p. 81 e 82).

     Kafka mostra como a burocracia, as regras escritas ou não escritas ocupam todos os espaços na modernidade. Disciplinam a convivência e permitem a racionalização do Estado e a existência da sociedade civil. Mas acabam se espalhando para todos os espaços, inclusive as relações mais intimas. Principalmente como essa necessidade de ocupar todos os espaços e a dificuldade de se adaptar às particularidades faz com que as regras se tornam vazias tendo apenas forma, fórmula. Como não há conteúdo, não existe argumento pra contraditar

quarta-feira, 26 de março de 2025

As virtudes e os vícios

 


Uma boa discussão sobre virtudes e vícios podemos encontrar em dois discursos famosos: o primeiro de Sidarta Gautama e o outro de Vaclav Havel. Ambos mostram filosoficamente muito bem os problemas e soluções ocasionadas, ou melhor, as origens e consequências dos atos humanos que se referem à virtude ou vício. Bom, vamos ao primeiro deles, o Sermão sobre a Injúria:

E o Bem-Aventurado observou os costumes da sociedade e notou quanta miséria decorre da malícia e de estúpidas ofensas feitas somente para satisfazer a vontade e o amor-próprio. Buda disse: “Se um homem insensatamente faz o mal, eu lhe pagarei com a proteção de meu desinteressado amor; quanto mais mal vem dele, mais bondade sairá de mim; a fragrância do bem sempre vem para mim e o ar nocivo do mal vai para ele”.

Certo homem insensato, sabendo que o Buda seguia o princípio do amor que recomenda revidar o mal com o bem, começou a insultá-lo. Buda permaneceu em silêncio, lamentando sua insensatez. Quando o homem terminou de insultá-lo, Buda chamou-o, dizendo-lhe; “Filho, se um homem declina de aceitar uma dádiva que lhe é feita, a quem esta pertencerá?” E ele respondeu: “Neste caso a dádiva pertencerá ao ofertante”.

“Meu filho, disse Buda, tu me injuriaste, mas eu declino de aceitar teus insultos, rogo-te que os guardes tu mesmo. Não será isso uma fonte de desgosto? Como o eco pertence ao som e a sombra à substância, assim o mal recairá sem falta sobre o doador do mal”. O insultante não respondeu e Buda continuou: “O homem perverso que censura o virtuoso é como aquele que olha para o alto e escarra para o céu; o escarro não mancha o céu, mas recai e suja a sua própria pessoa”.

As palavras de Sidarta Gautama parecem uma profilaxia, uma receita, mas não tem o mesmo poder analítico das palavras do defensor dos direitos humanos e presidente da República Checa, Vaclav Havel. Ele consegue demarcar as origens de muitos vícios e tem a grande virtude de fugir ao maniqueísmo religioso ao qual obviamente nem mesmo o relativista Buda consegue escapar. Vejamos como ele não poupa nada, nem ninguém:

Vivemos sob um ambiente moralmente contaminado. Caímos moralmente doentes, porque costumamos dizer coisas diferentes daquilo que pensamos. Aprendemos a acreditar em nada, a ignorar uns aos outros, a nos importar somente com nós mesmos. Conceitos como amor, amizade, compaixão, humildade ou perdão perderam sua profundidade e dimensões, e para muitos de nós representam somente peculiaridades psicológicas, ou eram iguais às saudações que se perderam no tempo, um pouco ridículo nesta era de computadores e espaçonaves. Somente poucos de nós fomos capazes de levantar a voz e dizer que os poderes não podem ser todo-poderosos, e que as fazendas especiais, que produziram alimentos ecologicamente puros e de alta qualidade somente para eles, deveriam mandar seus produtos para as escolas, orfanatos e hospitais, caso a nossa agricultura não fosse capaz de suprir todo mundo.

Quando falo de um ambiente moralmente contaminado, não estou me referindo somente às pessoas que comem vegetais orgânicos, que não olham pela janela do avião. Estou falando de todos nós. Todos nós nos acostumamos a este sistema totalitário como um fato consumado, ajudando na sua perpetuação. Em outras palavras, somos todos – mais ou menos – responsáveis pela operação desta máquina totalitária; nenhum de nós é somente vítima: somos todos seu criador.

segunda-feira, 24 de março de 2025

Parteiros de ideias

 


Assim como um excesso de individualismo minou a interatividade, o egoísmo dificultou, sobretudo, o aceitamento da pluralidade, conceitos fundamentais de política para a filósofa que melhor traduziu a filosofia política antiga de Aristóteles para a modernidade, a saber, Hannah Arendt. Sem esses dois valores fundamentais, perdemos boa parte de nossa capacidade crítica: não nos interessa entender o outro. Perdemos a capacidade de sermos parteiros e parteiras de ideias. Perdemos a capacidade da Maiêutica, a qual Platão explica muito bem com uma fala de Sócrates, deste modo:

Ora, em todo o resto, a minha arte obstétrica se assemelha à das parteiras, mas difere em uma coisa; ela [...] assiste as almas parturientes e não corpos. E minha maior capacidade é que, através dela, eu consigo discernir seguramente se a alma [...] está parindo fantasmas e mentiras ou alguma coisa vital e real. Pois algo eu tenho em comum com as parteiras: também sou estéril [...] de sabedoria. E a reprovação que tantos já me fizeram, segundo à qual eu interrogo os outros, mas, eu próprio, nunca manifesto meu pensamento sobre nenhuma questão, ignorante que sou, é reprovação muito verdadeira. E a razão é exatamente esta: Deus me leva a agir como obstetra, mas me interdita de gerar. Em mim mesmo, portanto, não sou nada sábio, nem de mim qualquer descoberta sábia que seja geração de minha alma. Entretanto, todos os que gostam de estar comigo, embora alguns deles pareçam inicialmente de todo ignorantes, mais tarde, continuando a frequentar minha companhia, desde que Deus les permita, todos eles extraem disso extraordinário proveito, como eles próprios e os outros podem ver. E está claro que não aprenderam nada de mim, mas de si mesmos encontraram e geraram muitas e belas coisas. (REALE, 1990, p. 99),

 

domingo, 23 de março de 2025

Sobre_viver

 Viver é uma grande aventura

Transcende as explicações

É um quadro por pintar

Um livro por ler

 

Viver é inacabado

É impreciso

E imensamente necessário

 

Viver não tem razão

É um destino óbvio

Ao qual todos se agarram

Quando deveriam se soltar

 

Viver é incerto

É inadiável

E fortemente simbólico

Sobre_andar

Andar nunca foi algo objetivo

Andar é deslocar

Colocar o corpo em movimento

Piso a piso, laje a laje

 

Andar é mesurar o mundo

Desligar-se da vida objetiva

É divagar vagarosamente

Em breves instantes sem lucidez

 

Andar definitivamente não é chegar

É sobretudo partir sem itinerário

É perder-se em si mesmo

Encontrar o que estava perdido

 

Andar é criar novas teses

É juntar peças desordenadamente

Andar é fugir do óbvio

E se afundar no inexplicado

sábado, 22 de março de 2025

O que uma noite de sono faz

 


Você já pensou como uma simples noite de sono ou de insônia revoluciona a vida de um ser humano? Como é tênue a linha entre o mundo fantasioso do sonho e o mundo imaginário real? Por vezes acordamos e acreditamos viver a continuidade do sonho ainda não colocado em stand by. Outras vezes acordamos assustados com a diferença de realidade entre a vivida nos devaneios noturnos e nos perguntamos: será que estou sonhando agora? Dormir e acordar são muito confusos, sobretudo após uma excelente noite de insônia. Até porque é bastante razoável a dúvida se neste momento estamos dormindo ou acordados. Não é nenhum disparate nos interrogarmos sobre o que realmente é real. Sobre esse assunto, o livro No caminho de Swan, parte da obra Em busca do tempo perdido tem uma excelente descrição do problema:

Um homem que dorme mantém em círculo em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Ao acordar consulta-os instintivamente e neles verifica em um segundo o ponto da terra em que se acha, o tempo que decorreu até despertar; essa ordenação, porém, pode-se confundir e romper. Se acaso pela madrugada, após uma insônia, vem o sono surpreende-lo durante a leitura, em uma posição muito diversa daquela que dorme habitualmente, basta seu braço erguido para deter e fazer recuar o sol, e, no primeiro minuto em desperte, já não saberá da hora, e ficará pensando que acabou de deitar-se. Se adormece em posição ainda mais insólita e contrafeita, por exemplo sentado em uma poltrona depois do jantar, dar-se-á então uma completa reviravolta nos mundos desorbitados, a cadeira mágica o fará viajar a toda a velocidade no tempo e no espaço, e, no momento de abrir as pálpebras, pensará que está deitado alguns meses antes, em uma terra diferente. (PROUST, 2007, p. 22).

Não é porque o nosso mundo seja uma ilusão, às vezes insatisfatória, outrora supimpa, delirante, que nossa vida não seja uma realidade. A vida parece ser o único dado palpável e provado em si. As ações como única realidade a deixar rastro no mundo, embora não produza nada de material como o trabalho e o labor, produz as únicas consequências perenes. Todo o material é perecível de certo modo, pois não foge à contingência do tempo. As ações (inclusos os pensamentos) têm realidade histórica e como tal se modificam, se transformam a cada degrau da escada espiral histórica. O ser humano e a humanidade (termos ultrapassado pelo indivíduo, pelo número, pela estatística, mas não pelo agonizante, mas nunca morto humanismo) não são seres estáticos, são seres históricos e como tal precisam mudar seu ambiente continuamente, quiçá corrigir suas falhas. Deste modo fica evidente a função do sonho como condutor da humanidade dos ares mais contaminados para ambientes mais herméticos, onde o veneno pode-se respirar privadamente (ou o inverso, porque nem sempre sabemos o que queremos e se o sabemos temos consciência deles). Sobre isso Eduardo Galeano é magistral:

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar, afirma Eduardo Galeano.

 

quinta-feira, 20 de março de 2025

Ação

 


A ação é fundamental na filosofia de Hannah Arendt. Apenas com ela, os seres humanos, a humanidade pode mudar o mundo e a si própria através do constante nascimento de pessoas, de ideias, de novos tempos. Hannah foi uma das primeiras a entender que tudo se renova a todo o momento através da interação e da pluralidade, peças fundamentais de seu entendimento de política fundado principalmente em Aristóteles. Mas Aristóteles não via o papel da ação como Arendt. Na verdade, embora a ação seja importante para o filósofo grego (a política nunca havia sido tão estudada e descrita), Aristóteles, como todos que frequentaram a escola de Platão, dá maior valor à contemplação. Hannah dedica apenas um último livro à contemplação: A vida do espírito.

Hannah Arendt apesar de ser muito influenciada pela compreensão geral de política em Aristóteles ou pela descrição que o aluno brilhante de Platão fez como ninguém da política grega e da coisa pública (res publica), compreende ao contrário deste que somente pela ação o ser humano pode alcançar a felicidade depois que o homem depositou a fé no engenho das próprias mãos. Assim a ação passou a ser o valor fundamental para entender a condição humana. Sobre esse termo fundamental para as ciências humanas, o Dicionário de Análise do Discurso, de Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau conceitua:

Em certas perspectivas psicológicas, a ação é definida em termos de sua finalidade (“metas”), o que a inscreve em um quadro de intencionalidade e a estrutura em “plano de ação”, e como fenômeno de regulação, que a inscreve em um quadro intersubjetivo a partir da existência de uma interatividade (ação-reação). Esse ponto de vista funda uma teoria psicológica da ação: “Falar, como já se afirmou, não consiste somente na colocação em funcionamento de um sistema linguístico, objeto da atenção dos linguistas, mas é, antes, uma forma de função social...” [...] Na perspectiva pragmática, Austin e Searle sugeriram que “uma teoria da linguagem é uma parte de uma teoria da ação”, e que ela se define em função de sua finalidade, representando um papel de regulação em um quadro intersubjetivo. [...] Na perspectiva sociofilosófica de Habermas, uma teoria da linguagem deve se inscrever em uma teoria da ação, teoria que ele denomina “o agir comunicacional”. [...] Ela se caracteriza pelo fato de que toda ação é: teleológica, na medida em que os atores sociais põem em ação estratégias eficazes, racionais, a fim de chegar a um consenso; regulada, no sentido de que os movimentos acionais dependem das normas que são estabelecidas pelo grupo de que esses atores fazem parte; intersubjetiva, na medida em que os atores sociais colocam-se em cena, oferecendo ao outro uma certa imagem de si, para produzir um certo efeito sobre ele. (CHARAUDEAU, 2004, p.25 e 26).

Interação

 


Um fenômeno importante tanto para Hannah Arendt, Jüngen Habermas, como para outros filósofos preocupados com a política ou com a comunicação é a interação. Nem Hannah Arendt, nem Jüngen Habermas poderiam conceber suas teorias mais importantes sem considerar a interação. Esta, aliás, está no coração da teoria deles. Sobre a interação, o Dicionário de Análise do Discurso, de Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau conceitua:

Portanto a interação, embora siga regras estritas que possibilitam a comunicação, não segue um roteiro, ou seja, é construída pelo contato, pela pluralidade, porque ninguém pensa igual (se pensássemos, seria identidade) e, portanto, não é previsível, nem predizível. E de interação em interação, por acordos (ou desacordos reacordados) são engendradas as teias da história num tecido incomum e inconstante.

É de fato, o que oferece o mais forte grau de interatividade; porque, se todos os discursos implicam certas formas de interação entre emissor e receptor(es), isto se dá em graus muito diferentes, sendo a comunicação “face a face” desse ponto de vista a mais representativa dos mecanismos próprios de interação. Correlativamente, essa abordagem colocou em evidência a importância do papel que exercem na elaboração do discurso certos fenômenos completamente negligenciados até então pela descrição gramatical (marcadores conversacionais em todos os gêneros, repetições e reformulações, truncamento e retificações, hesitações e outros procedimentos de “reparação”), bem como a importância das dimensões relacional e afetiva no funcionamento das comunicações humanas, que estão longe de reduzir-se a uma “pura” troca de informações. Mais genericamente, os discursos são, nessa perspectiva, concebidos como construções coletivas, sendo que todos os seus componentes podem prestar-se à negociação entre os interactantes: se é verdade que preexistem às interações todos os tipos de regras (lexicais, sintáticas, pragmáticas, conversacionais etc.) que subjazem a seu funcionamento, elas são em sua maior parte suficientemente vagas para que seja possível, e mesmo necessário, “compor” com elas quando se “compõe” uma interação. Porque os sujeitos engajados em uma interação, nos diz Winkin, são comparáveis aos interpretes de uma partitura musical: “Mas, nesta vasta orquestra cultural, não há maestro nem partitura. Cada um toca de acordo com o outro. Só um observador exterior, isto é, um pesquisador da comunicação, pode progressivamente elaborar uma partitura escrita, que se revelará, talvez, bastante complexa”.

terça-feira, 18 de março de 2025

A Liberdade e a Coerção

 


A liberdade é considerada um dos valores dos liberais, tanto que faz parte do lema da Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Esta última para tentar conciliar os dois primeiros valores que no capitalismo são antagônicos. Para os socialistas estes valores passaram a ser relacionados ao econômico, o que seria pertinente se não fosse considerado suficiente essa relação. Para os anarquistas, que enfatizam a liberdade, considerando que os demais nascem desta primeira necessidade, apresenta-se uma solução muito mais eficiente, embora necessite de uma sociedade muito preparada moralmente para sua implantação. Algo que praticamente impossibilita sua realização, mas suas denúncias são palpáveis, vejamos as considerações do panfletário Errico Malatesta tirado de Os grandes escritos anarquistas:

A própria afirmação de que a existência do Estado não é natural e de que o contrato social que os funda beneficia muito mais uns que outros e que para a imensa maioria é extremamente danoso, coloca em outra vista o que aceitamos tão naturalmente. Malatesta constatava ainda que “o governo significa delegação de poder, isto é, abdicação da iniciativa e soberania de todos os homens nas mãos de poucos”. Acredito que hoje se tenha muita pouca dúvida disso.

O homem, como todos os seres vivos, se adapta às condições em que vive e transmite, através da herança cultural, seus hábitos adquiridos. Portanto, por nascer e viver na escravidão, por ser descendente de escravos, quando começou a pensar o homem acreditava que a escravidão era uma condição essencial à vida. A liberdade parecia impossível. Assim também o trabalhador foi forçado, por séculos, a depender da boa vontade do patrão para trabalhar, isto é, para obter pão. Acostumou-se a ter sua própria vida à disposição daqueles que possuíssem a terra e o capital. Passou a acreditar que seu senhor era aquele que lhe dava o pão, e perguntava ingenuamente como viveria se não tivesse um patrão.

Se acrescentarmos ao efeito natural do hábito a educação dada pelo patrão, pelo padre, pelo professor, que ensinam que o patrão e o governo são necessários; se acrescentarmos o juiz e o policial para pressionar aqueles que pensam de outra forma, e tentam difundir suas opiniões, entenderemos como o preconceito da utilidade e da necessidade do patrão e do governo são estabelecidos.

segunda-feira, 17 de março de 2025

O que somos?


   

O Renascimento e o Iluminismo nasceram centrados na figura do sujeito. Um sujeito ainda muito limitado no Renascimento, mas reivindicando bastante autonomia no Iluminismo, sobretudo na sua primeira fase de Kant a Hegel, da Crítica da Razão Pura (1781) à Fenomenologia do Espírito (1807). Um curto período, mas que perpassou todo o século XIX. Só em meados do século XIX começamos a pensar na modernidade tardia com Nietzsche, com Marx (1818-1893), Nietzsche (1844-1900) e, principalmente Freud (1856-1939). Começa e desconstrução da razão autônoma e, por consequência, do sujeito nos moldes do Iluminismo.

  Um fenômeno que nunca cessou de se auto-alimentar. O sujeito foi constantemente desmontado. Foi progressivamente alienado como Marx e Nietzsche denunciam de maneiras diferentes. Mas sobretudo desmontado e reconstruído seguida e constantemente como objetos diferentes (ou maquinas diferentes, como preferiria Deleuze). A modernidade ou o capitalismo foi progressivamente tomando os indivíduos por suas funções. José não é um semita ou um religioso. Também o é. Mas é sobretudo um carpinteiro. Tiago e João não são pregadores, nem viajantes, são pescadores. Cito exemplos religiosos da antiguidade para ser questionado justamente. Lá não havia essa demarcação, essa percepção. Mas na era moderna inegavelmente as pessoas perderam sua individualidade (no sentido de serem únicas) passaram a ser sobretudo o que fazem.

  Seu trabalho passa a ser o que são. E ser ocupa toda a existência. Não importa se adotemos uma ontologia antiga, medieval ou moderna. Ser ou Dasein. Não importa se fujamos para o existencialismo. O sujeito foi desmontado. Não há um ser-em-si, talvez nem um ser em relação à. Somos todos particularmente iguais no que nos é imposto de fora pra dentro, sobretudo por nós mesmos. Um poeta vive a sua vida captando signos. Um ferreiro a observar colunas ou outras coisas que desconhecia sobre seu oficio ou que poderia fazer melhor do que foi feito. Um jornalista na eterna angústia por acontecimentos ou desdobramentos. O oficio ultrapassa o período trabalhado e invade a vida. Tanto a pessoa (pessoa?) não se vê mais como uma razão autônoma, um sujeito no mundo, como os outros indivíduos também não o veem. Esclarecedora é uma passagem de Deleuze sobre Kafka:


   Se a calderaria, contudo, não é descrita por si mesma (o barco, aliás, é preso), é que jamais uma máquina é simplesmente técnica. Ao contrário, ela só é técnica como máquina social, tomando homens e mulheres em suas engrenagens, ou, antes, tendo homens e mulheres dentre suas engrenagens, não menos que coisas, estruturas, metais, matérias. Bem mais, Kafka não pensa somente nas condições de trabalho alienado, mecanizado, etc.: ele conhece tudo isso de muito perto, mas seu gênio é considerar que os homens e mulheres fazem parte da máquina, não somente em seu trabalho, mas ainda mais em suas atividades adjacentes, seu descanso, seus amores, seus protestos, suas indignações, etc. O mecânico é parte da maquina, não somente enquanto mecânico, mas no momento em quede cessa de sê-lo. [...] A máquina não é social sem se desmontar em todos os elementos conexos, que fazem máquina por seu turno. [...] É que a máquina é desejo, não que o desejo seja desejo da máquina, mas porque o desejo não cessa de fazer máquina da máquina, e de constituir uma nova engrenagem ao lado da engrenagem precedente, indefinidamente, mesmos essas engrenagens parecem se opor, ou funcionar de maneira discordante. O que faz máquina, falando propriamente, são as conexões, todas as conexões que conduzem a desmontagem. [DELEUZE, 2024. p.147 e 148]

domingo, 16 de março de 2025

Tem dia que é noite

 


Engels diz que "a história é o mundo das intenções inconscientes e dos fins não desejados" (CASTORIADIS, 1982, p.59). Essas afirmações colocam a história no escuro, ao sabor de um acaso não determinável. Mostra toda a herança hegeliana em Marx e Engels, praticamente ratificando o famoso Espírito da História, que dialeticamente "dá uma vida própria à história".

Portanto, "o hegelianismo como podemos em verdade ver, não está ultrapassado. Tudo o que é e tudo o que será real, é e será racional. Que Hegel pare esta realidade e esta racionalidade no momento em que aparece sua própria filosofia, enquanto que Marx as prolonga indefinidamente até e inclusive a humanidade comunista, não enfraquece o que dizemos, antes o reforça. O império da razão que, no primeiro caso, englobava (por um postulado especulativo necessário) o que já está dado, estende-se agora também a tudo o que poderá ser dado na história. O fato de que o que podemos dizer desde agora sobre o que será torna-se cada vez mais vago na medida em que nos afastamos do presente, provém de limitações contingentes do nosso conhecimento e sobretudo de que se trata de fazer; o que há por fazer; hoje e não de "dar receitas para as cozinhas socialistas do futuro". Mas esse futuro está desde já fixado em seu princípio: ele será liberdade, como o passado e o presente foram e são necessidade" (CASTORIADIS, 1982, p.56).

sábado, 15 de março de 2025

Pelo retorno da Política

 

A política como interação desde o alge da idade média perdeu sua força. Na idade moderna, com a criação dos Estados Nacionais, a política até teve um soluço de poder, mas com o progressivo andar da modernidade foi progressivamente perdendo sua hegemonia e, inclusive, sua autonomia. A economia tomou seu lugar racionalizando o mundo através da técnica que relega a todos uma particular função.

A casa, o domicílio toma uma dimensão vultuosa: a própria sociedade. A própria política se torna um trabalho como outra qualquer atividade econômica. Portanto deixa de ser política onde a pluralidade interage para alcançar um consenso. Creio que se quisermos recuperar a política e, consequentemente a ética, pois ética e política nesse modelo não se separam, é preciso acabar com a figura do político profissional. É necessário trocar seus altos salários por ajudas de custo e as inúteis reuniões diárias por reuniões pontuais para ações efetivas para deliberar sobre as cidades.

É preciso que os cidadãos se autossustentem com seus próprios ofícios e deliberem politicamente por vontade própria e não por necessidade (do salário). Assim, os candidatos serão eleitos pelo desejo dos eleitores e não por seus próprios desejos. Não seriam os candidatos que se apresentariam aos eleitores buscando desfrutar das benesses do poder em favor de si próprios, mas seriam os eleitores que escolheriam alguns para carregarem a responsabilidade de legislar e executar as decisões em prol da sociedade.

quinta-feira, 13 de março de 2025

Problema técnico

 


Renê Descartes definiu que ao homem é possível conhecer tudo até o seu limite, pois o homem é um ser limitado em um universo ilimitado e por isso teria acesso a verdades contingentes, restritas. Toda uma tradição do conhecimento humano como limitado perdurou por muito tempo até o estabelecimento da ciência moderna e da técnica como hegemônica no mundo, quando ao homem cabe potencialmente conhecer também o ilimitado. No entanto por ignorar a ética, como consequência disso, vários deslizes éticos aconteceram. Assim poderíamos refletir sobre o que afirmou Aristóteles em Ética à Nicômacos:

Escolhemos o que é indubitavelmente reconhecido como bom, mas opinamos sobre coisas que não sabemos de forma alguma se são boas, e não são as mesmas pessoas que consideramos capazes de fazer a melhor escolha e de ter as melhores opiniões; com efeito, algumas pessoas são tidas como aptas a opinar muito bem, mas por deficiência moral elas podem escolher o que não devem. (ARISTÓTELES, 1992, p.53 e 54).

quarta-feira, 12 de março de 2025

Na contramão da modernidade: outra lição de Aristóteles

 


Num momento em que, apesar de ciências como a ecologia que põe em evidência a visão sistemática do todo, ainda é muito forte a exigência de especialização imposta pela técnica seria muito bom que os pensadores voltassem a ler a Metafisica de Aristóteles. Sobretudo porque expõe argumentos muito interessantes para sua belíssima e inusitada tese que deveríamos considerar. O trecho onde destaca que é preferível o conhecimento geral ao conhecimento específico está logo nas primeiras páginas de sua obra. O trecho que transcrevo está no livro 1 de a Metafísica e está demarcada em seus trechos com as marcas 982a1 e 982b1. Assim versa este:

Tais são em gênero e numero as opiniões sustentadas quanto à sabedoria e ao sábio. Das qualidades descritas, o conhecimento de todas as coisas tem, necessariamente, que pertencer àquele que, no mais elevado grau, possui conhecimento do universal, porque ele conhece, num certo sentido, todos os particulares contidos no universal. Estas coisas, quais sejam, as mais universais, são talvez as de mais difícil apreensão para o ser humano, porque são as mais distanciadas dos sentidos. Que se acresça que as ciências mais exatas são as que mais concernem aos primeiros princípios, pois as que são baseadas em poucos princípios são mais exatas do que aquelas que incluem princípios adicionais; por exemplo, a aritmética é mais exata do que a geometria. Além disso, a ciência que investiga causas é mais instrutiva do que a ciência que não o faz, pois são os que nos informam acerca das causas de qualquer coisa particular que nos instruem. Ademais, o entendimento e o conhecimento que são desejáveis por si mesmos são mais atingíveis no conhecimento daquilo que é mais cognoscível, uma vez que aquele que deseja o conhecimento por si mesmo desejará maximamente o mais perfeito conhecimento, e este é o conhecimento do mais cognoscível, e as coisas que são as mais cognoscíveis são primeiros princípios e causas, pois é através destes e a partir destes que outras coisas passam a ser conhecidas, e não estes através dos particulares que neles se enquadram. E será a ciência máxima e superior às subordinadas a que detiver o conhecimento da finalidade de cada ação a ser concretizada, isto é, o bem em cada caso particular e, no geral, o bem supremo no conjunto da natureza.

O trecho além de demonstrar porque o conhecimento do todo é superior ao conhecimento das partes, pois de certa forma as abrange. Assim quem domina a teoria ao encarar a prática pode aos poucos não apenas compreender um caso particular, uma aplicação da ciência conhecida, não com a mesma facilidade de um especialista naquela subárea, mas pode compreender todas as outras especificamente que seu conhecimento abrange com muito mais facilidade que um especialista. Outro ponto fundamental que compensa a leitura é a destinação do conhecimento. Podemos dizer que Aristóteles é um dos maiores fundamentadores da técnica e da ciência, mas o fim da técnica para o filosofo estagirita é o bem, que poderíamos traduzir modernamente em uma de suas acepções como fazer o melhor. Assim trocaríamos o fim atual (eficiência e produtividade), na qual o foco está apenas no fim, pelo fazer o melhor, para o qual vale todo o processo, pois fazer o melhor inclui também fazer melhor.

terça-feira, 11 de março de 2025

Causa ou Efeito?

 

Tostines é Sempre Fresquinha porque Vende Mais ou Vende Mais porque é Sempre Fresquinha? Assim temos a complexidade da vida onde causa e efeito nem sempre são tão categoricamente diferenciados. Muitas causa e efeitos são auto dependentes e criam um fluxo cíclico interminável de autodependência nos quais um é causa necessária do outro e por conseguinte sua inexorável consequência.

Isso por certo desacredita essas duas importantes figuras: causa e consequência, pois não podem ser isolados como puros e simples. É preciso reconhecer uma maior complexidade a essas figuras: uma organização dialética que suporte sínteses parciais que tenham validade temporária até que a história modifique o equilíbrio e uma nova síntese seja necessária.

Bom... mas isso pouco interessa à bolacha.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Pluralidade novamente

 


Quem expôs mais completamente a relação entre pluralidade, ação e política foi Hannah Arendt, que atualizou sob um contexto extremamente ímpar, o nazismo, as ideias políticas gregas sobre a política. Além do mais, Arendt surge após a modernidade e a hegemonia dos valores ativos sobre os contemplativos. Numa época em que o trabalho torna-se talvez o fator mais forte a influenciar a subjetividade. Aliás, a própria subjetividade Kantiana é um diferencial fundamental dos modernos para os gregos. Mas para se entender bem um conceito é de muito auxílio buscar as origens dele. Sobre a pluralidade, nada melhor para entendê-la que um trecho da crítica de Aristóteles à República de Platão, o qual propõe uma comunidade de tudo assegurada por uma casta dirigente em um regime forte e fechado:

A comunidade política funda-se na colaboração de uma pluralidade de indivíduos diversos por capacidade e recursos, os quais, exatamente por estas diversidades interagem na troca recíproca de bens e serviços; é precisamente esta troca entre diversos que permite à comunidade política um nível de “autossuficiência” superior ao da família e ao do indivíduo. A synphonia política não pode ser transformada em homophonia. O projeto platônico, que pode parecer à primeira vista “belo, mas impossível”, na realidade não é sequer desejável, porque nega a essência pluralística da cidade; mesmo que fosse possível, não deveria ser realizado. “É, portanto, evidente que por natureza não pode haver uma cidade tão unida como alguém defende, e que aquilo que é apresentado como o máximo bem nas cidades é exatamente aquilo que as destrói”. (VEGETI, 2010 p.36 e 37).

Synphonia é a atuação de todos, todos podem discursar ao "mesmo tempo", como uma orquestra. Quer dizer cada qual de maneira diferente constrói um o mesmo objetivo, há sincronia, estão afinados, embora cada um toque um instrumento diferente. Homophonia é como se todos pensassem a mesma coisa, todos iguais, todos tocando um mesmo instrumento.

domingo, 9 de março de 2025

Um dia otimista

 O estranho caminho

que cursamos do florescer

ao raiar da noite eterna

é a vida

 

É a vida, minha irmã

É a vida, meu irmão

Essa imanência

Essa injustificável vontade

de seguir mais um

Mais um pouquinho

Mais um porquinho

Mais um tiquinho

Mais um toquinho

Mais um troquinho

 

(tudo pra guardar debaixo da terra)

 

 

A vida é um ajuntar de ilusões

Por isso perigosa

Mortal como a cobra naja

Que finge o bote

Mas mata no intervalo

Entre a crença e a morte

Na vida só se ilude

Quem vive

 

(Melhor morrer)

 

 

Quem não vai a guerra

se salva

Merda!

Não é que se salva?

Quem quer ser salvo?

Merda!

 

(Seguir a vida, infame vida!)

sexta-feira, 7 de março de 2025

Educação das crianças

 


A educação das crianças é um assunto importantíssimo, porque todas as sociedades que deram grandes saltos nos últimos tempos aperfeiçoaram a educação básica, modernizaram-na e combateram a evasão escolar, principalmente tornando-a mais atrativa e interativa. A educação básica é interesse de muitas áreas, sobretudo para a pedagogia, as ciências sociais e a filosofia. Platão mesmo já se interessava pela educação das crianças, que segundo ele deveria começar pela educação do corpo.

Teorias muito posteriores, póstumas a até o filósofo o qual citarei literalmente: Michel Eyquem de Montaigne, considerarão essas primeiras fases da tenra infância como fases em que o saber concreto é muito melhor aprendido que o abstrato. Isso se torna praticamente um consenso após o construtivismo/estruturalismo e a ideia do desenvolvimento.

A educação das crianças era preconizada mesmo antes de Platão. Pitágoras mesmo afirmava: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”. Mas como vimos logo no começo a educação não visa apenas ensinar regras de convivência às crianças. Se fosse apenas isso, seria pobre e inútil. Bastaria ter uma sociedade vigilante e “castradora”, algo que efetivamente temos, mas não excesso necessário, para conseguir isso. Mas a educação, sobretudo após Vygotsky foca o desenvolvimento de habilidades e aptidões nessa fase inicial, pelo menos teoricamente sobre o que dizem fazer. Sobre a educação das crianças, Michel de Montaigne afirma em um de seus Ensaios que:

Entendo que a maior e mais importante dificuldade da ciência humana parece residir no que concerne à instrução e à educação da criança. O mesmo acontece na agricultura: o que precede à semeadura é certo e fácil; e também plantar. Mas depois de brotar o que se plantou, difíceis e variadas são as maneiras de trata-lo. Assim os homens: pouco custa semeá-los, mas depois de nascidos, educa-los e instruí-los é tarefa complexa, trabalhosa e temível. [...] Não cessam de nos gritar aos ouvidos, como se por meio de um funil, o que nos querem ensinar, e o nosso trabalho consiste em repetir. Gostaria que ele corrigisse esse erro, e desde logo, segundo a inteligência da criança, começasse a indicar-lhe o caminho, fazendo-lhe provar as coisas, e a escolher e discernir por si próprio, indicando-lhe muitas vezes o caminho certo ou lho permitindo escolher. Não quero que fale sozinho e sim que deixe também o discípulo falar por seu turno. [...] Na maior parte das vezes a autoridade que nos ensinam é nociva aos que desejam aprender. [...] Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade ou crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estoicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o mpuder fique na dúvida, pois só os loucos tem certeza absoluta em sua opinião. [...] Quem segue outrem não segue coisa nenhuma; nem nada encontra, mesmo porque não procura. [...] Não se trata de aprender os preceitos desses filósofos, e sim de lhes entender o espírito. Que os esqueça à vontade, mas que os saiba assimilar. A verdade e a razão são comuns a todos e não pertencem mais a quem as diz primeiro do que ao que as diz depois. [...] Que evite essas atitudes indelicadas de dono do mundo, e a ambição pueril de querer parecer mais fino por ser diferente; e não procure (o que não oferece dificuldade) mostrar seu valor pelas suas críticas e originalidades. [...] ensinar-lhe-ão a somente discorrer e discutir quando encontrar alguém capaz de responder, e ainda assim a não empregar todos os meios que disponha mas apenas os mais apropriados ao seu assunto. Que a tornem exigente na escolha e peneiramento de suas razões, amigo da exatidão e, portanto, da brevidade. Que lhes ensinem sobretudo a ceder e sustar a discussão ante a verdade, logo que a enxergue, surja ela dos argumentos do adversário ou da sua própria reflexão, pois não lhe cabe desempenhar um papel prescrito e falar na cátedra; e se defende uma causa é porque a aprova; e não fará como aqueles que vendem em moeda sonante a liberdade de poder refletir e reconhecer o erro. [...] É o que diz Epicuro no início de sua carta a Meniceus: Por mais moço que seja, que ninguém se recuse a praticar a filosofia, e que os velhos não se cansem dela. (MONTAIGNE, 1989, p. 143, 144,145, 146, 147 e 151)

quarta-feira, 5 de março de 2025

Idéias magnanimamente aristotélicas

 


Hannah Arendt, e depois Jürgen Habermas, fizeram excelentes releituras de Aristóteles, sobretudo de suas ideias políticas. Souberam com maestria atualizá-lo. Mas o autor tem ideias interessantes que, creio eu, nem necessitariam de atualização se pegas em seu "espírito". O início do capítulo dois do livro quarto de A Política tem concepções interessantes que poderiam ser refletidas. Assim transcrevo literalmente o começo desse interessante capítulo:

É bom lembrar que República vem de Rés Pública, coisa pública, assim é o tipo de Constituição, no sentido de constituir mesmo e não o nosso limitativo de Lei Magna, que prima pelo público, cujo principal valor é cuidar da coisa pública. Aristocracia, por definição, é o governo dos melhores. Realeza é o governo pelo nobre. Nobre tem o sentido ainda hoje de virtuoso. Virtude é um dos grandes temas, se não o maior de Aristóteles. No entanto, ele deixa claro que prefere a República e suporta a Democracia, que é o governo de todos, sejam virtuosos ou não, preocupando-se ou não com a rés pública.

1. Distinguimos, em nosso primeiro estudo das constituições, três constituições puras: a realeza, a aristocracia, a república, e três outras que são desvios dessas: a tirania para a realeza, a oligarquia em relação à aristocracia, e a democracia quanto à república. Já falamos da aristocracia e da realeza – porque estudar a melhor forma de governo é justamente explicar a significação dessas duas palavras, pois que a existência de cada uma dessas formas só se pode basear na virtude, e em tudo que possa acompanha-la. Determinamos também as diferenças existentes entre a aristocracia e a realeza, e os caracteres distintivos pelos quais se pode reconhecer a realeza. Resta-nos tratar apenas, em primeiro lugar, do governo designado pelo termo comum de república, e depois dos outros governos, isto é, da oligarquia, da democracia e da tirania.

2. É fácil compreender qual é o pior desses governos degenerados, e qual o que lhe segue; porque o pior deve ser, forçosamente, aquele que é uma corrupção do primeiro e do mais divino. É preciso que a realeza só exista no nome, ou que se funda na incontestável superioridade daquele que reina; segue-se que a tirania que é o pior dos governos, é também aquele que mais se afasta da república. Em segundo lugar vem a oligarquia; porque a aristocracia difere bastante desta forma de governo. Afinal a democracia é o mais tolerável desses governos degenerados.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Democracia, seus desvios, seus desvarios

 


No livro quarto, capítulo IX, 8 de A Política, o estagirita Aristóteles mostra um dos maiores defeitos da democracia, que costumeiramente a transforma em uma oligarquia, a desigualdade econômica. Obviamente, Aristóteles não conheceu um problema maior que é a questão da representatividade numa democracia representativa, que transforma a democracia em patrimonialismo, em conjunto com o primeiro grave problema. Sobre o primeiro problema, o estagirita é sábio:

Portanto, a própria desigualdade econômica deteriora o que Aristóteles denomina por república, que é o regime voltado para cuidar do que é público e, portanto serve a todos. Os argumentos da Aristóteles, mostrando que o predomínio de um grupo sobre o outro rompe com o ideal de igualdade, primeiro princípio de qualquer democracia. Se todos não são iguais para agir politicamente, não podem ser considerados livres, pois quem não pode agir, obviamente não é livre.

“É evidente, pois, que a comunidade civil mais perfeita é a que existe entre os cidadãos de uma condição média, e que não pode haver Estados bem administrados fora daqueles nos quais a classe média é numerosa e mais forte que todas as outras, ou pelo menos mais forte que cada uma das delas; porque ela pode fazer pender a balança em favor do partido ao qual se une, e, por esse meio, impedir que uma ou outra obtenha superioridade sensível. Assim, é uma grande felicidade que os cidadãos só possuam uma fortuna média, suficiente para as suas necessidades. Porque, sempre que uns tenham imensas riquezas e outros nada possuam, resulta disso a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou ainda uma tirania insuportável, produto infalível dos excessos opostos. Com efeito, a tirania nasce comumente da democracia mais desenfreada, ou da oligarquia. Ao passo que entre cidadãos que vivem em uma condição média, ou muito vizinha da mediana, esse perigo é muito menos de se temer”. (Aristóteles, 2009, p. 141 e 142).

Esse é um grande problema, mas não é o pior, pois a democracia representativa, que por sua própria estrutura alija as pessoas das decisões políticas, de agir politicamente, pois são induzidas a limitarem suas manifestações à escolha de seus representantes dentro de uma lista preestabelecida de candidatos que quase nunca tem um perfil que represente as aspirações do eleitor só pra citar o menor dos problemas. Na verdade, os problemas estão longe de ser “ideológicos”, mas sim o do predomínio dos mesmos grupos eternamente no poder porque o mecanismo da representação e da institucionalização em partidos ou comitês lhes favorecem. Basta dominar um menor grupo para se tornar uma das raras alternativas possíveis e ganhar se elegendo ou não. Perpetuando-se no poder. Tendo este como seu patrimônio pessoal.

domingo, 2 de março de 2025

Retalho 4

 Diz-se que da teoria dos signos pouco se revela. Guardem isto, dizia o velho mestre. Poucos guardavam. Um dia caminhando pela praia tropeçamos numa pedra e a densidade do viver caiu sobre nós inesperada e crua. Pouco se revelaria, porém muito seria instantaneamente assimilado como signos e símbolos. Mais tarde os significaríamos. É tudo o que preciso contar...

Retalho 3

 Conta-se, aliás, no mínimo as contagens populacionais se desdobravam, que no reino desencontrado da Alsácia-Lorena vivia um grande, enorme ignorante a sucumbir de pedra em pedra o seu caminho.

Aliás muito diziam. As bocas sempre falam muito. Outros relatos praticamente excluem as pedras, senão as de encontro com o mar, porque este, na verdade (verdade delas), vivia numa praia.

Em todo caso não se excluem os peixes. Resta saber se eram de rio ou de mar segundo cada versão. Eu me arriscaria a dizer que são de lago para desacreditar todas as cretinas versões.

Aliás, que historinha imberbe! Melhor parar por aqui...

Retalho 2

 Morrera sem saber, perdido na vida, de uma bala achada qualquer. Quer dizer, de uma bala que achava seu robusto corpo. Sabia que algo o abandonava. Algo bem mais importante que a vida ou aquele grosso liquido que jorrava vermelho. Sabia ser algo que não conseguia definir. Quiçá em outra vida...

Retalho 1

 Na verdade, não era desta maneira que olhava no espelho interno de seu coração, mas naquele momento era uma moça bela e esplendorosa em seus parcos um metro e quarenta do cabelo até a cintura. Sua cabeça voava entre os enigmas da geometria descritiva dos átomos em uma possível quarta dimensão quântica onde as trocas de energia poderiam potencialmente ser visualizadas. Sentia-se um lixo por não ter compreendido isso antes...

sábado, 1 de março de 2025

A onipresença da política



A relação entre a onipresença da política e a morte da política na interpretação de Hannah Arendt é um assunto que envolve a crítica à modernidade, à totalização da esfera pública e à perda da liberdade política autêntica. Hannah Arendt alerta contra a tentação hegeliana de ver o Estado como o "fim da história". Fim no sentido teleológico de finalidade. Para ela, a política não é um sistema a ser completado, mas um espaço aberto que depende da ação contínua e da preservação de limites entre o público e o privado.

Na leitura de Arendt, a onipresença da política como previu Hegel significa sua morte porque:

1. Elimina a pluralidade: A política requer diferenças e debates, não uniformidade.

2. Transforma ação em administração: Quando tudo é político, nada é propriamente político.

3. Destrói a liberdade: A liberdade autêntica exige um espaço público delimitado, não a invasão total da vida.

Para Hegel, a política está intrinsecamente ligada ao ápice do Estado racional, o Estado Moderno, que inaugura a burocracia racional, uma máquina praticamente independente das subjetividades. É bom lembrar que viam de tiranismos e despotismos nada ilustrados. Este modelo de Estado é entendido como a culminação do Espírito Objetivo, onde a liberdade individual se reconcilia com a universalidade ética. Nesse sentido, o indivíduo é livre quando reconhece a racionalidade do Estado e age em conformidade com ele.

Arendt, por outro lado, define a política como o espaço da ação e do discurso entre seres livres e plurais. Para Arendt, a política só existe na esfera pública, onde os indivíduos agem e revelam quem são, criando um mundo comum. Portanto, a liberdade política é ação, não obediência. A liberdade é capacidade de começar algo novo e de participar ativamente na construção do mundo.

- Para Arendt, a modernidade confundiu política com administração social. Quando a política se transforma em economia política acaba se tornando uma gestão técnica. O Estado hegeliano, ao englobar tudo, reduz a política a um sistema burocrático, eliminando a espontaneidade e a pluralidade que a definem.

Arendt rejeita a teleologia hegeliana (a ideia de que a história tem um fim predeterminado).  A onipresença da política, na visão hegeliana, culminaria em um Estado, onde a ação humana é substituída por processos históricos inevitáveis. Isso representaria a morte da política, pois não haveria mais espaço para o novo, o imprevisível ou o debate entre perspectivas plurais.

Para Arendt, a política só sobrevive se distinguir da economia (o privado, o social, o íntimo). Quando a política se torna onipresente:

- Perde-se a distinção entre liberdade e necessidade: A ação é substituída pela administração.

- A pluralidade é sufocada: Sem diferenças e conflitos legítimos, não há política, apenas dominação.

- O Estado se torna uma máquina sem abertura para a novidade ou a liberdade criativa.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...