“As coisas
quase nunca são o que parecem”, alerta um adágio popular da precaução platônica
contra os sentidos. E, de fato, com o que fizeram com a política após o
surgimento do capitalismo e da ciência “autônoma” na Idade Moderna, nada mais é
o que parece. Não vivemos somente num mundo ilusório, mas em um universo
preparado para nos enganar. Não há nada de natural nisso, diriam alguns. De
fato, não há nada de natural mesmo no mundo humano. Este é sempre significado
de acordo com interesses. Cada um com o seu, mas algum prevalece, é hegemônico.
E é muito mais
fácil prevalecer uma mentira do que uma verdade, como nos mostra Umberto Eco em
um fragmento de seu livro de contos Entre a mentira e a Ironia:
Sabeis que o
grande segredo de nossa arte é aquele de governar os homens, e que o único modo
é jamais dizer-lhes a verdade. Não vos comporteis segundo as regras do bom
senso; desafiai a razão e apresentai com coragem os mais inacreditáveis
absurdos. Quando sentirdes que tais grandes princípios se enfraquecem,
retirai-vos, recolhei-vos em meditação e percorrei a terra; vereis então que as
mais absurdas extravagancias tornam-se objetos de culto. [...] recordai-vos de
que a primeira mola da natureza, da política, da sociedade é a reprodução, que
a quimera dos mortais é serem imortais, conhecem o futuro, embora ignorem o
presente, serem espirituais embora eles mesmos e tudo os circunda sejam
matéria. (ECO, 2006, p.24 e 25).
Assim, mesmo
os mais sinceros desejos possivelmente não passam de pura enganação, mesmo que
bem sucedida. As intenções reais tendem a estar escondidas. Pendem a serem
ocultadas dos que a operacionalizarão. Neste caso, quem exemplifica muito bem é
François Marie Arouet, conhecido como Voltaire, dissertando sobre o senado
romano em Cartas filosóficas:
O Senado de
Roma, que mantinha o injusto e reprovável propósito de nada querer partilhar
com os plebeus, não conhecia outro segredo para afastá-los do governo, senão o
de distraí-los sempre em guerras externas. Encaravam o povo como animal feroz,
julgando preciso atiça-lo contra os vizinhos, para que não devorasse os
próprios senhores. Assim, o maior defeito do governo dos romanos tornou-os
conquistadores; porque se sentiam fracos na própria casa, vieram a ser donos do
mundo, até o momento em que suas dissensões os fizeram escravos. (VOLTAIRE,
1958, p. 36).
Bem veja, como
a sociedade foi se alienando ao se despolitizar pouco a pouco desde o império
romano. E como incomparavelmente pior estamos agora quando o erro e o engano se
tornaram paradigma e nem mesmo nos serve como serviu aos romanos
provisoriamente.
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