Você já pensou
como uma simples noite de sono ou de insônia revoluciona a vida de um ser
humano? Como é tênue a linha entre o mundo fantasioso do sonho e o mundo
imaginário real? Por vezes acordamos e acreditamos viver a continuidade do
sonho ainda não colocado em stand by. Outras vezes acordamos assustados com a
diferença de realidade entre a vivida nos devaneios noturnos e nos perguntamos:
será que estou sonhando agora? Dormir e acordar são muito confusos, sobretudo
após uma excelente noite de insônia. Até porque é bastante razoável a dúvida se
neste momento estamos dormindo ou acordados. Não é nenhum disparate nos
interrogarmos sobre o que realmente é real. Sobre esse assunto, o livro No
caminho de Swan, parte da obra Em busca do tempo perdido tem uma excelente
descrição do problema:
Um homem que
dorme mantém em círculo em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos
mundos. Ao acordar consulta-os instintivamente e neles verifica em um segundo o
ponto da terra em que se acha, o tempo que decorreu até despertar; essa
ordenação, porém, pode-se confundir e romper. Se acaso pela madrugada, após uma
insônia, vem o sono surpreende-lo durante a leitura, em uma posição muito
diversa daquela que dorme habitualmente, basta seu braço erguido para deter e
fazer recuar o sol, e, no primeiro minuto em desperte, já não saberá da hora, e
ficará pensando que acabou de deitar-se. Se adormece em posição ainda mais
insólita e contrafeita, por exemplo sentado em uma poltrona depois do jantar,
dar-se-á então uma completa reviravolta nos mundos desorbitados, a cadeira
mágica o fará viajar a toda a velocidade no tempo e no espaço, e, no momento de
abrir as pálpebras, pensará que está deitado alguns meses antes, em uma terra
diferente. (PROUST, 2007, p. 22).
Não é porque o
nosso mundo seja uma ilusão, às vezes insatisfatória, outrora supimpa,
delirante, que nossa vida não seja uma realidade. A vida parece ser o único
dado palpável e provado em si. As ações como única realidade a deixar rastro no
mundo, embora não produza nada de material como o trabalho e o labor, produz as
únicas consequências perenes. Todo o material é perecível de certo modo, pois
não foge à contingência do tempo. As ações (inclusos os pensamentos) têm
realidade histórica e como tal se modificam, se transformam a cada degrau da
escada espiral histórica. O ser humano e a humanidade (termos ultrapassado pelo
indivíduo, pelo número, pela estatística, mas não pelo agonizante, mas nunca
morto humanismo) não são seres estáticos, são seres históricos e como tal
precisam mudar seu ambiente continuamente, quiçá corrigir suas falhas. Deste
modo fica evidente a função do sonho como condutor da humanidade dos ares mais
contaminados para ambientes mais herméticos, onde o veneno pode-se respirar
privadamente (ou o inverso, porque nem sempre sabemos o que queremos e se o
sabemos temos consciência deles). Sobre isso Eduardo Galeano é magistral:
A utopia está
lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho
dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de
caminhar, afirma Eduardo Galeano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário