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sábado, 22 de março de 2025

O que uma noite de sono faz

 


Você já pensou como uma simples noite de sono ou de insônia revoluciona a vida de um ser humano? Como é tênue a linha entre o mundo fantasioso do sonho e o mundo imaginário real? Por vezes acordamos e acreditamos viver a continuidade do sonho ainda não colocado em stand by. Outras vezes acordamos assustados com a diferença de realidade entre a vivida nos devaneios noturnos e nos perguntamos: será que estou sonhando agora? Dormir e acordar são muito confusos, sobretudo após uma excelente noite de insônia. Até porque é bastante razoável a dúvida se neste momento estamos dormindo ou acordados. Não é nenhum disparate nos interrogarmos sobre o que realmente é real. Sobre esse assunto, o livro No caminho de Swan, parte da obra Em busca do tempo perdido tem uma excelente descrição do problema:

Um homem que dorme mantém em círculo em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Ao acordar consulta-os instintivamente e neles verifica em um segundo o ponto da terra em que se acha, o tempo que decorreu até despertar; essa ordenação, porém, pode-se confundir e romper. Se acaso pela madrugada, após uma insônia, vem o sono surpreende-lo durante a leitura, em uma posição muito diversa daquela que dorme habitualmente, basta seu braço erguido para deter e fazer recuar o sol, e, no primeiro minuto em desperte, já não saberá da hora, e ficará pensando que acabou de deitar-se. Se adormece em posição ainda mais insólita e contrafeita, por exemplo sentado em uma poltrona depois do jantar, dar-se-á então uma completa reviravolta nos mundos desorbitados, a cadeira mágica o fará viajar a toda a velocidade no tempo e no espaço, e, no momento de abrir as pálpebras, pensará que está deitado alguns meses antes, em uma terra diferente. (PROUST, 2007, p. 22).

Não é porque o nosso mundo seja uma ilusão, às vezes insatisfatória, outrora supimpa, delirante, que nossa vida não seja uma realidade. A vida parece ser o único dado palpável e provado em si. As ações como única realidade a deixar rastro no mundo, embora não produza nada de material como o trabalho e o labor, produz as únicas consequências perenes. Todo o material é perecível de certo modo, pois não foge à contingência do tempo. As ações (inclusos os pensamentos) têm realidade histórica e como tal se modificam, se transformam a cada degrau da escada espiral histórica. O ser humano e a humanidade (termos ultrapassado pelo indivíduo, pelo número, pela estatística, mas não pelo agonizante, mas nunca morto humanismo) não são seres estáticos, são seres históricos e como tal precisam mudar seu ambiente continuamente, quiçá corrigir suas falhas. Deste modo fica evidente a função do sonho como condutor da humanidade dos ares mais contaminados para ambientes mais herméticos, onde o veneno pode-se respirar privadamente (ou o inverso, porque nem sempre sabemos o que queremos e se o sabemos temos consciência deles). Sobre isso Eduardo Galeano é magistral:

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar, afirma Eduardo Galeano.

 

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