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sexta-feira, 28 de março de 2025

A Ética, a Razão e a Felicidade

 


Aristóteles em suas Éticas (Ética a Nicômaco e Ética a Eudemo) dizia que o único fim-per-se ou fim-em-si-mesmo é a felicidade. Provavelmente, após a modernidade e o consumismo temos que reconsiderar essa questão da existência de uma finalidade final. Mas a discussão mais interessante, e que nos interessa, é a afirmação dele de que somente os que tem a vida contemplativa poderiam alcançar esse bem último por se guiarem pela racionalidade enquanto os da vida laboral ou produtiva não se guiam e estarem imunes a corrupção da vida material, os da vida política não estão. Portanto, Aristóteles coloca a sabedoria, ou melhor o amor a sabedoria, em condição privilegiada para alcançar a felicidade.

Em vários trechos do evangelho é descrito justamente o contrário: que a felicidade pertence aos ingênuos e aos ignorantes. Em Werther, Goethe descreve muito bem esse contraponto à Aristóteles e faz uma bela síntese:

No entanto, para viver uma vida sob a ética humanista ou sob a inspiração cristã, a busca da felicidade não faz parte da equação. Para os cristãos, em muitas passagens do novo testamento, da boa nova do amor depois da vinda do Messias, a vida na terra é uma vida de provações, de sofrimento para alcançar a redenção após a morte. Para os humanistas, a ética visa o bem comum, não a felicidade pessoal e, esta é, de certa forma, incompatível: é preciso sacrificar os desejos em nome de um bem maior: o bem comum.

A vida humana não passa de um sonho. Mais de uma pessoa já pensou isso. Pois essa impressão também me acompanha por toda parte. Quando vejo os estreitos limites onde se acham encerradas as faculdades ativas e investigadoras do homem, e como todo o nosso labor visa apenas a satisfazer nossas necessidades, as quais, por sua vez, não têm outro objetivo senão prolongar nossa mesquinha existência; quando verifico que o nosso espírito só pode encontrar tranquilidade, quanto a certos pontos das nossas pesquisas, por meio de uma resignação povoada de sonhos, como um presidiário que adornasse de figuras multicoloridas e luminosas perspectivas as paredes da sua célula... tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo! Mas também aí, é um mundo de pressentimentos e desejos obscuros e não de imagens nítidas e forças vivas. Tudo flutua vagamente nos meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando, prossigo na minha viagem através do mundo.

As crianças – todos os pedagogos eruditos estão de acordo a este respeito – não sabem a razão daquilo que desejam; também os adultos, da mesma forma que as crianças, caminham vacilantes e ao acaso sobre a terra, ignorando, tanto quanto elas, de onde vêm e para onde vão. Não avançam nunca segundo uma orientação segura; deixam-se governar, como as crianças, por meio de biscoitos, pedaços de bolo e vara. E, como agem por essa forma, inconscientemente, parece-me, que se acham subordinados a vida dos sentidos.

Concordo com você (porque já sei que você vai contraditar-me) que os mais felizes são precisamente aqueles que vivem, dia-a-dia, como as crianças, passeando, despindo e vestindo as suas bonecas; aqueles que rondam, respeitosos, em torno da gaveta onde a mamãe guardou os bombons, e quando conseguem agarrar, enfim as gulodices cobiçadas, devoram com sofreguidão e gritam: “Quero mais!” Eis a gente feliz! Também é ditosa a gente que, emprestando nomes pomposos às suas mesquinhas ocupações, e até às suas paixões, conseguem fazê-las passar por gigantescos empreendimento destinados à salvação e prosperidade do gênero humano. (GOETHE, 2003, p. 226 a 228).

Mas não se pode negar que ter uma vida feliz é, razoavelmente fácil: basta viver uma vida egoísta, pautada em seus próprios desejos e ter poder para que sua onipotência particular não seja punida. Algo perfeitamente possível para no mínimo de cinco a quinze por cento do mundo. Muito pouco estatisticamente, mas em números, gente demais; centenas de milhões.

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