Uma boa
discussão sobre virtudes e vícios podemos encontrar em dois discursos famosos:
o primeiro de Sidarta Gautama e o outro de Vaclav Havel. Ambos mostram
filosoficamente muito bem os problemas e soluções ocasionadas, ou melhor, as
origens e consequências dos atos humanos que se referem à virtude ou vício.
Bom, vamos ao primeiro deles, o Sermão sobre a Injúria:
E o
Bem-Aventurado observou os costumes da sociedade e notou quanta miséria decorre
da malícia e de estúpidas ofensas feitas somente para satisfazer a vontade e o
amor-próprio. Buda disse: “Se um homem insensatamente faz o mal, eu lhe pagarei
com a proteção de meu desinteressado amor; quanto mais mal vem dele, mais
bondade sairá de mim; a fragrância do bem sempre vem para mim e o ar nocivo do
mal vai para ele”.
Certo homem
insensato, sabendo que o Buda seguia o princípio do amor que recomenda revidar
o mal com o bem, começou a insultá-lo. Buda permaneceu em silêncio, lamentando
sua insensatez. Quando o homem terminou de insultá-lo, Buda chamou-o,
dizendo-lhe; “Filho, se um homem declina de aceitar uma dádiva que lhe é feita,
a quem esta pertencerá?” E ele respondeu: “Neste caso a dádiva pertencerá ao
ofertante”.
“Meu filho,
disse Buda, tu me injuriaste, mas eu declino de aceitar teus insultos, rogo-te
que os guardes tu mesmo. Não será isso uma fonte de desgosto? Como o eco
pertence ao som e a sombra à substância, assim o mal recairá sem falta sobre o
doador do mal”. O insultante não respondeu e Buda continuou: “O homem perverso
que censura o virtuoso é como aquele que olha para o alto e escarra para o céu;
o escarro não mancha o céu, mas recai e suja a sua própria pessoa”.
As palavras de
Sidarta Gautama parecem uma profilaxia, uma receita, mas não tem o mesmo poder
analítico das palavras do defensor dos direitos humanos e presidente da
República Checa, Vaclav Havel. Ele consegue demarcar as origens de muitos
vícios e tem a grande virtude de fugir ao maniqueísmo religioso ao qual
obviamente nem mesmo o relativista Buda consegue escapar. Vejamos como ele não
poupa nada, nem ninguém:
Vivemos sob um
ambiente moralmente contaminado. Caímos moralmente doentes, porque costumamos
dizer coisas diferentes daquilo que pensamos. Aprendemos a acreditar em nada, a
ignorar uns aos outros, a nos importar somente com nós mesmos. Conceitos como
amor, amizade, compaixão, humildade ou perdão perderam sua profundidade e
dimensões, e para muitos de nós representam somente peculiaridades
psicológicas, ou eram iguais às saudações que se perderam no tempo, um pouco
ridículo nesta era de computadores e espaçonaves. Somente poucos de nós fomos
capazes de levantar a voz e dizer que os poderes não podem ser todo-poderosos,
e que as fazendas especiais, que produziram alimentos ecologicamente puros e de
alta qualidade somente para eles, deveriam mandar seus produtos para as
escolas, orfanatos e hospitais, caso a nossa agricultura não fosse capaz de
suprir todo mundo.
Quando falo de
um ambiente moralmente contaminado, não estou me referindo somente às pessoas
que comem vegetais orgânicos, que não olham pela janela do avião. Estou falando
de todos nós. Todos nós nos acostumamos a este sistema totalitário como um fato
consumado, ajudando na sua perpetuação. Em outras palavras, somos todos – mais
ou menos – responsáveis pela operação desta máquina totalitária; nenhum de nós
é somente vítima: somos todos seu criador.
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