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domingo, 30 de novembro de 2025

Cortando e desvirtuando o conceito de história de Benjamin



Vou continuar a refletir sobre a minha concepção desvirtuada de Walter Benjamin. Vou pensar apenas um pequeno recorte da sua concepção de história. Os historiadores estão sempre voltados para o passado. Nós comumente construímos a história com base no passado. A construímos com base em nossa experiência. Nada mais natural porque partimos do que conhecemos.

Com isso sempre trazemos o passado para o nosso presente. Pior, o colocamos no futuro quando o usamos pra planejar. Impossibilitamos nascer o novo por estarmos sempre presos ao passado. Poxa! Mas se esquecermos o passado podemos repetir os mesmos erros de novo. Sim, mas se levarmos o passado para o futuro os erros são transportados. Não podemos esquecer o passado, mas não podemos construir o novo sem romper com o passado.

Pra fazer o novo é preciso partir do novo, de um presente ideal. É preciso romper com a linearidade. Começar uma nova história livre dos absurdos do passado. Não estou falando de uma revolução socialista ou anarquista. Estas estariam relacionadas a um passado. O negando, provavelmente. Não seria um corte epistemológico.

Para criar o novo, as escolas devem ensinar o passado como uma era repugnante já terminada e focar na criação do novo tempo desligado das mazelas do passado. Um tempo sem a lembrança da escravidão que impõe o racismo e a misoginia. Aí está o ponto que vou ser mais polêmico e vou tomar todas as porradas possíveis e justamente porque o novo não está aí. Não defendo o esquecimento. Como eu disse, 15 minutos após o estabelecimento do novo, o passado deve ser uma era desprezível já terminada. O escravismo precisa ser tirado da história da nova era para que deixe de ser referência. Mesmo que seja negativa, abominada continua sendo uma enorreferencia que pode ser retomada, fantasiada, sublimada como é hoje.

Para fazer uma nova história, é preciso fazer o novo a partir do novo, de novos pensamentos. É preciso romper com o velho. Romper, não negar. Desligar-se. Perder as referências. Reconstruir com base no que nunca foi feito ou adotado. Do passado só podemos se muito adotar ideias perdedoras por razões econômicas, políticas ou de preconceito se convenientes. Para fazer uma nova história é preciso agir diferente. Para agir diferente é preciso romper com a velha história: o tempo antigo, o tempo morto.

O que proponho é algo muito perigoso. O fascismo e o nazismo propuseram algo semelhante. Mas tem uma enorme diferença: não estou propondo uma volta a um passado mitológico poderoso. Estou propondo romper com qualquer passado, real ou mitológico. Proponho deixar de repetir erros. Cometer erros novos. Nós temos horror ao desconhecido, mas se quisermos algo novo precisamos avançar para o incógnito.

sábado, 29 de novembro de 2025

A percepção segundo minha interpretação de Walter Benjamin

     


     Walter Benjamin tinha uma ideia sobre a apreensão/representação nas obras de arte muito interessante. Desejo somente explorar um pedacinho dessa percepção. A filosofia se faz muitas vezes pelo obvio que deixou de ser observado ou não é observado. Ele percebe como a representação dos objetos em uma pintura, foto, filme, descrição narrativa tende a perder aspectos/qualidades/atribuições dos objetos.

Digamos uma foto simples escolhe um ponto de vista e mostra como se está vendo o objeto. Mais ou menos porque as fotografias não tem acuidade de um bom olho ou por serem externas sofrem influencias que desajustam. Uma pintura que pretende ser realista escolhe um ponto de vista, tem dentro de si uma representação do objeto. Uma subjetividade que acrescenta mais atributos ao objeto. Algo que deixa menos vazio, descaracterizado.

Uma descrição narrativa emerge em subjetividade mais claramente que as outras. As outras também estão banhadas, mas não tão objetivamente. A descrição está tão cheia de subjetividade que pode mostrar a essência do objeto para o autor da obra permitindo, inclusive, que o leitor capture outra essência. De toda forma, a representação é redutora. Não pode mostrar tudo. Os aspectos são escolhidos. É impossível passar a integralidade do objeto. Mas evidentemente são escolhas subjetivas. Mesmo que fosse possível mostrar a integralidade, o autor provavelmente preferiria mostrar seu ponto de vista, sua interpretação do objeto.

O autor pode mostrar a essência do objeto, a negação do objeto, pode “desobjetificar” o objeto, mas não pode escapar de fazer escolhas. Mostrar algumas coisas, esconder outras. Pode até negar escolhas, o que é uma decisão. Desse modo toda obra são cortes da realidade ou da negação da realidade ou da relação com a realidade. Nunca a realidade em si, sobretudo no que deseja ser verossímil.

           Essa é de longe a parte mais importante do que eu deveria dizer. O que eu quero dizer é que a melhor descrição da realidade é a ficção que deseja mostrar algo real ou que acontece porque os construtos imaginativos permitem uma interação mais real com as propriedades do objeto que foi certamente metaforizado para facilitar a interação. Complicou e explicar minunciosamente não é produtivo porque a explicação é sempre um corte que esconde partes do objeto. Pensem. Se em algum momento eu conseguir acrescentar sem destruir parte do anterior volto.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Conto da Ofélia

 


O que dizer de Ofélia? Estaria ela numa opera? Ofélia diz de si mesma e basta: “eu sou o que sou. Nada mais!”. Na estante da sala reluzia o clássico Cozinha de Ofélia. Comprou mesmo antes de quitar seu apartamento pra ter uma ideia de como seria sua cozinha. O livro era de culinária. Nunca o leu.

Ofélia passava o dia na rua. Vendia de tudo: perfumes, bijuterias, prata, joias e ouro. De vez em quando vendia um lote. Se virava pra conseguir um dinheirinho. De pouco em pouco tocava a vida. Não dava pra almoçar no Jockey Clube todo dia, mas podia ir umas três vezes por semana lá se quisesse. Não dava tempo. Estava sempre daqui pra lá, de lá pra cá.

As vezes não dava tempo nem de almoçar. Sorte quando marcava de almoçar com algum cliente. Algumas vezes pagava um almoço numa conversa que não ia dar em nada só pra almoçar. Mas era difícil ter esse tempo. Se deslocar de um lado pro outro era essencial. Era preciso recolher cada peça do quebra-cabeça do mês, cada moeda pra fechar as contas. E se possível juntar um pouco mais.

Fruto desse vai e vem conhece o centro como ninguém. Talvez menos só que os ambulantes. Os bairros novos melhor que quase todo mundo por vender lotes sempre que possível. Não conseguiu adentrar nos feudos das concessionárias, mas no das imobiliárias de vez em quando lhe sobrava algum. É um dinheiro que garante mais tempo, dizia.

Quando vendia algum lote, o que vendesse era um algo a mais por algum tempo. Mas lote não era algo que conseguia pra vender todo mês. Vivia mais do varejo de perfumes e joias. As vezes algumas bijuterias. O que vendia era um almoço ou café da manhã garantido. Em algumas oportunidades fazia uma venda maior no varejo. Ganhava um pouco mais que pra sobrevivência imediata. Mas era uma vida incerta: hoje tinha um pouquinho mais, amanhã só pra uma refeição.

Não tinha um plano de saúde. Não tinha uma regularidade de dinheiro pra isto. Mas já fez checkup nos mais famosos hospitais quando tinha dinheiro. Com exceção da casa, comprava tudo a vista quando tinha dinheiro. Sabia que tinha, mas daqui a pouco não voltaria a ter. Gastava o absolutamente necessário. Já tinha se acostumado com essa gangorra na sua vida. Geralmente tinha o necessário, mas algumas horas tinha muito, outras não tinha nada.

Teria sido uma excelente especuladora financeira pelo sangue-frio, quase indiferença com a situação financeira. Saberia comprar os ativos que iriam se valorizar e não se afligir com a inicial queda de preço.  Embora sua especialidade não seja comprar e sim vender. Mas essa é uma conjectura que cabe na história. Pois não, essa é Ofélia.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Luxúria



Quisera fazer uma viagem. Partir de onde desejava e chegar onde estava. Não seria uma viagem longa, mas custosa. Enfrentar o percurso talvez fosse uma vida. Ou a capa dela. Não haveria vida nenhuma. Só duro trabalho consigo mesmo. Constante reflexão sem espelhos. Ou melhor com um espelho projetando ora a imagem de si ideal, ora real.

Procurou parque de diversões. Todos fechados. Aquilo era nada divertido. Uma casa de espelhos seria talvez uma boa música, não um bom parâmetro. Precisava meditar, mas não com mantras preestabelecidos, mas construir suas próprias meditações. Criar uma consciência. Procurar uma essência, embora esta não exista, seja um ideal.

A viagem estaria floreada de paisagens belas, seda perfumada, mas sabe criaria pântanos infernais pelo caminho. Nestes sabe que aprenderia. Nos campos floridos descansaria. Então desejava desafios. Embora lhe fossem bem custosos e o desgastassem bastante. E, sobretudo, era muito desagradável. As saídas e fugas sim, eram muito reconfortantes. Sabia que não podia viver a vida no infortúnio, mas era o preço de aprender.

Não esperava recompensa pelos desafios. Sabia que eles nada lhe acrescentavam. Suas soluções sim, simbolicamente. Tinha uma enganosa sensação de vitória. Mas só era conduzido ao novo problema. Que solucionado revelava o próximo. Entremeado a isso viu flores, sentiu perfumes, sentiu a pele, o pelo, o osso. Deitou na grama em luxuria do contato com terra, agua e ar.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Passatempo



Por toda parte ouve-se a mesma ladainha

Meditabundo repetem o mantra:

Não sou eu

O inferno são os outros

Sartre riria:

O inferno são os outros?

Que outros?  Você quer ser único

Os outros não te deixam ser?

Você quer ser raridade

Mas consome moda

Ou melhor, a moda te consome

Ou os outro te lembram quem és?

Será que o inferno é ser o que és?

Não há comunidade, só sociedade

Falida, insolvente

Com os sócios se canibalizando

Morreu a política com o príncipe

Sobrevive a economia

A mesma que escravizou

Os estrangeiros

Os negros

As mulheres

As crianças

E, por fim,

A mente em geral

Presa, mente pra você:

Isso é liberdade!

16, 18 horas sem parar

Para os algoritmos

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Sobre Queila e o anarquismo

 


Asseveram que Queila atravessou sete estradas. Eu não duvidaria se o seu corpo não estivesse sempre quente. Se o terreno não fosse tão inóspito. Atravessar um deserto na beira do mar é quase impossível. Mas quem construiu sete estradas no Atacama. Alguma dessas construtoras falidas brasileiras? A Mendes Júnior não foi porque ela faliu no Iraque. A Odebrecht se inviabilizou na Operação Lavajato.

Há um histórico de empreiteiras brasileiras ganharem notória experiencia, juntar títulos que permitem fazer qualquer obra em qualquer lugar do mundo e, condições adversas inesperadas as levarem a falência. O que não acontece com empreiteiras chinesas, americanas ou italianas.

Bom... não importam as empreiteiras. Falamos de Queila, a sobrevivente. É notório que Queila andou muitas trilhas. Talvez tivesse escalado muitos morros. Romper serras não lhe seja impossível. Mas andar centenas de quilômetros entre os Andes e o Pacífico no deserto mais seco do planeta Terra? Sim, Queila faria isso. Não com tranquilidade. Porque é uma tarefa que não deixa ninguém tranquilo.

Dizem que bebeu seu colete com gelo durante o caminho. Queila disse que deixou quase tudo pro final. Isso é difícil descobrir com todo mundo variando com aquela temperatura e sol escaldante. O que se pode dizer é que não foi integralmente bebido. Será que fizeram as sete estradas só pra Queila atravessar? Pouco provável. Umas três ou quatro estradas é possível que tenha atravessado.

Queila sempre manteve sua pulsação levemente abaixo do normal. O fazia para manter a tranquilidade. Efeito disso suava com maior intensidade e quem tocasse sua pele acreditaria que ela estava febril. Ela dizia que nada disso. Era uma mulher quente. Disso eu não sei. Intrigada por desafios com certeza. Se impunha desafios. Queria sempre superar dentro do que ela acreditava ser seguro.

Era hora de voltar pra uma bacia hidrotermal e passar uma quinzena ou mês relaxando pra depois planejar com cuidado o resto do ano o desafio do ano vindouro. Enquanto isso corria seus quilômetros diários e reforçava a musculatura para estar pronta para o que desejasse. Era uma linda morena que pela atividade interditava os menos atrevidos, (homens ou mulheres) os que tinham chances, e demolia os pretensiosos ou pretensiosas. Afinal ela sempre gostou de desafios. Timidez é um belo desafio.

Já nadara no Amazonas e no Nilo. Já subira o Everest e o K2. Nunca correu uma ultramaratona porque ela sempre achou que é muito mais exibição que desafio com toda a estrutura disponível. Já foi correspondente de guerra, mas não dessas guerras midiáticas em que você está minimamente protegida no front e sim de guerras na África e guerrilhas na América Latina quando tinha. Agora pensava em passar três meses no partido anarquista sem ser expulsa, o que seria um recorde três meses maior que o recorde anterior.

Tá bom... eu até acredito em atravessar sete estradas e sete cachoeiras no deserto de Atacama. Mas alguém que ficou mais de um dia filiado a um partido anarquista legitimo, melhor acreditar em São Jorge na Lua ou uma tripulação respirando oxigênio em Marte sem mascaras. Aliás um partido anarquista é uma contradição. Legitimidade disso é outra. Bakunin e Malatesta nunca se filiariam a mesma organização. Queila não quer saber disso. Vai pensar em outro desafio. Ano que vem saberemos.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Eternidade

Subi a escada despretensiosamente. Desceu o céu sobre minha cabeça. Torci a camisa e virei o boné. Alguns dirão que fabriquei uma caixa d’água. Minha alma tremia. No minhas veias tocava um pancadão. Respirei como um quem está prestes a afogar. Mas tudo passou. Dormi ali na grama. Lua cheia, sonhando com seu hálito. Parou o tempo. Gravou-se a imagem. Fez-se eternidade.

domingo, 23 de novembro de 2025

As briófitas e o surfista

 


Dizem que nascera por ali mesmo entre Cejana e Trajano. Talvez numa praia quase deserta. Não sei se Cejana e Trajano são vilas de pescadores de Alagoas ou Sergipe. Ou se seriam os progenitores dele. Ignoro se em Alagoas, Sergipe ou Pernambuco ainda existem praias inexploradas ou quase isso.

   O importante é que fora bem recebido por aqueles franceses radicados na foz do Rio Negro. Quase nunca frequentara uma praia. Uma vez foi a Salinas. Mas achou a agua muito salgada. A areia ele achou muito agradável. Entretanto aqueles filhotes brancos de urubus sempre vomitando de medo das pessoas lhe embrulhavam o estômago.

Desde cedo aprendeu a nadar contra e a favor da correnteza. A nadar como qualquer ribeirinho. Aprendeu a conhecer todas as briófitas. Conhecer os seus usos e o perigo deles. O casal que o adotou eram botânicos. Tinham as angiospermas e as gimnospermas, mas ele gostava mesmo dos fungos e seus parentes.

Quando tinha um dinheirinho ia passear em Manaus.  Era uma espécie de faz tudo. Era pescador, fabricante de canoas, pesquisador de briófitas, guia turístico para as raras visitas na região. Costumava ir a Manaus. Mas já tinha ido umas duas vezes a Belém. Uma vez guiou uma visita de um surfista ao encontro do Amazonas com o mar. O turista o desafiou a surfar a pororoca. Ele surfou como se fosse de sua natureza. Nunca tinha surfado e nunca mais surfou. Mas o fez tão bem que passou a ser conhecido como o surfista de pororocas.

Talvez por comedimento, talvez por se interessar mesmo por briófitas, por mais que insistissem nunca mais surfou, nem ondas, nem pororocas. O que o fez se tornar uma lenda. Quem viu, viu. Quem não viu, acredita ou duvida. O que só aumenta sua lenda.

sábado, 22 de novembro de 2025

Da praia à montanha

“Armei a rede. Fiquei um tanto ressabiado de usar. Os peixes não ligaram pra isso. Nenhum me disse nada”, gritava desesperadamente Amanda. Eu nem ouvi. Estava a duas praias dali. Fiquei sabendo das más, aliás, péssimas línguas. Não confiei. Não porque eram, provavelmente, fofocas. Mas porque não acredito em notícias. Tá bom, não é que não acredito, mas que confio desconfiando.

Pulei dois córregos. Tudo bem, dois regos, e cochichei: Amanda vem cá. Me conta do seu passeio. Amanda começou: “tio, sabe aquela rede que deixa a gente quadriculado? Levei pro passeio e um cara pegou emprestado pra usar na canoa”. Me senti muito enredado pela narração/descrição.

Decidi sentar no toco e puxar a criança: vem cá, Amanda. Me conta mais! O Dasenhor prefere a descrição algébrica ou a geométrica? Menina, para de racionalismos. Me descreve geograficamente as coisas. Se não se sentir à vontade, pode descrever filologicamente. Ah, tio, para de sandices e me escuta... a praia era de uma areia que esfolia a gente e você tem que andar quase sempre de costas pro mar.

O mar rumina uma melodia bem compassada de três tons: baixa, alta e depois média. Parece um ritmo hipnótico, mas muito mais sereno que tecno. Não é batidão. É mais uma flauta em três tons. O oceano dá pra entrar de costas e é muito sereno, de ondas muito pouco frequentes e baixas. Uma água muito morna e salgada.

À meia-noite dizem que um peixe sai da água e canta uma ária muito própria em tons muito altos. Sua cauda brilhante serve de holofote para destaca-lo num “palco”. Mas isso tudo é mentira que eu criei na minha cabeça agora, disse-me Mariana. Tá bem, Amanda. Fiquei encantado com tua história, Amanda Mariana. Boa Noite! Vai dormir que amanhã tu vai me contar tudo de novo só que numa montanha.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Conto de Nanda



 

Nanda, Nandinha, digo Fernanda. Não a Montenegro, nem a Torres, nem a Lima. Não era uma Meireles também. Não era economista, nem milionária. Era tampouco uma Souza. Silva. Sim, Silva era seu sobrenome. Fez muita cena quando criança pequena. Agora tentava economizar algum. Não por nada. Tinha ficado adulta e como por maldição as contas começaram a bater em sua porta e sem cerimonia invadir sua casa. Sim. Ainda tinha uma. Não sabia por quanto tempo.

Nada de especial. Só a Serasa Experian querendo fazer parte da sua vida. Sabe quando toca um tambor e você se empolga com o ritmo... pois é... chegando a idade adulta você é obrigado a aprender a rebolar. Quando você não tem gingado você sofre. Se a escola passar com o seu enredo e você conseguir evoluir adequadamente no conjunto corre o risco de não ser convidado na próxima.

Nandinha fazia seus bolos. E dava bolo em todos os compromissos possíveis. Menos nos que podia vender seus bolos. Fazer um dinheirinho pra poder cozinhar o próximo. Cozinhar os credores pra ver se podem receber na semana que vem. Ver se os fornecedores podem colocar algo no caderninho pro mês que vem.

Desajeitadamente evoluía pela pista se desviando dos perigos. “Eu posso pagar com um bolo? Olha! Eu faço um bolo muito bom!” tentava Nanda as vezes. “O aniversário da sua filha tá chegando, né. Deixa que eu faço o bolo e os docinhos” propunha. Infelizmente, mais dava bolos que vendia. Quem recebia os bolos não era agradecido.

Chegou a pedir pra um primo espalhar uns papeis pela rua. Não literalmente jogar na rua. Distribuir pros pedestres e motoristas. Mas o destino foi a rua mesmo. Teve que interromper a operação pra não ficar com fama de porca além de caloteira. Tudo muito injusto! Se pudesse pagar, pagaria tudo antecipado pra não ficarem lhe cobrando. Se não precisasse de alguma divulgação não teria proposto propaganda.

Sua vida mesmo era dar e vender bolos. Mais dar que vender. Uns dias da semana fazia faxina numas madames lá de um condomínio. Chegava cedo e saia de tardezinha da casa da contratante. Não recebia nenhum cafezinho. As patroas acham que intervalo na limpeza é improdutivo. Saía umas quatro da tarde do cercado chique e ia comer uma quentinha no bar lá perto e limpar a goela com um gole de caninha.

Entrava se esgueirando pela vida pra não passar pelo mercado que tinha prometido pagar ontem, mas só pagaria amanhã se vendesse um bolo hoje pra completar o dinheiro. Se vendesse, beleza! Ninguém dava cano. Se dava era só por uns minutos, no máximo um dia.

Essa era sua vida agora. Que saudade de quando era gari como Marianna na sua vila natal! Ganhava uma miséria. Sua rua era fedida. Descontavam de seu salário já miserável. Mas tinha o que comer. “Que inferno ter ouvido coach coachar, coisa de sapo, que devia empreender. Ano que vem eu passo no concurso de merendeira e saio dessa!”, pensava ela. Com esperanças, assim termina nossa história, não a de Nanda.


quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Vila Nova



Investimento é uma aposta. Algumas vezes segura. Outras vezes arriscada. Um investimento contínuo tende a ser mais seguro. Ou arriscado se não tem futuro a direção do investimento. Meu time é o que tem mais títulos da terceira divisão do campeonato brasileiro. O que significa que caiu muitas vezes pra conseguir isso, pois ser campeão te garante lugar na Série B. Na verdade, o quarto lugar já te garante. No primeiro campeonato ganho só campeão e vice garantiam.

Meu time já foi quarto colocado numa época em que só subiam dois para a primeira divisão. Já esteve a uma vitória de subir. Melhorou muito a estrutura física nos últimos anos. Contratou, teoricamente, melhor nos campeonatos mais recentes. Deixou de disputar rebaixamento. Mas o aprendizado de como funciona o futebol é muito difícil para a diretoria do meu time. Parecem todos virgens num prostibulo e sem conseguir deixar de sê-lo.

Parece que o Fair Play da CBF, se implantado salve um pouco essa diretoria ao transformar a casa vermelha em boate. As prostitutas em garotas de programa razoavelmente menos afoitas. A diretoria pode lucrar com os ingressos, as bebidas e simplesmente ser uma plataforma para as garotas ganharem dinheiro. Pode contar com apoio do Estado e não de pistoleiros ou milicianos.

Não. Não vai ser nada assim. Mas vai ser menos desorganizado e um pouco mais fiscalizado. Continuará a ser o império da malandragem, mas não será esse faroeste. Essa diretoria do meu time fez sua parte, muito mais do que sua parte. Mas se o clube, um dia quiser subir e passar um tempo na Série A vai ter que descobrir dirigentes que saibam o que é o futebol. Já tem um principal rival que se não subir esse ano tende a se deteriorar e ceder lugar a outro cujo o dirigente, apesar das piores decisões desse ano, parece ser o único a entender de futebol dos clubes da capital do estado.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Liberdades

           


       Nascera sem desejar, nem ser desejado. Ou melhor, nascido desejado era. Concebido não. Não estivera nos melhores lugares, nem nos piores. Sempre esteve onde deveria estar. Esse o seu problema. Era tudo perfeito demais. Per – feito, feito completamente ou com completitude. Ele sentia, sabia que ainda tinha muita trilha no caminho. Nada estava terminado, finalizado.

Logo nos primeiros meses desesperadamente percebeu como era frágil, completamente dependente. Morria de medo de ficar incompleto, pois a maior parte de si estava em outros. Ao mesmo tempo temia que a maior parte de si era controlada pelos demais. Descobriu cedo a sociedade, esse temível conceito econômico.

Nascera numa comunidade muito fechada e colaborativa, a dos curdos na Síria. Seria sempre um estrangeiro por onde fosse. Talvez um pouco menos no Iraque. Na Turquia provavelmente seria um defunto ambulante. Era estranho como as pessoas mesmo com ideias tao diferentes pensassem com unidade (comunidade). Depois quando estudou a democracia grega percebeu similitudes: os gregos “quebravam o pau” em praça pública, mas a decisão era uma lei natural, inquestionável, a verdade.

Não avaliava aquilo. Era o que era. Provavelmente um despotismo da democracia. Um regime que permite a todos discutir e escolher, mas veda contestar o consenso. Aprendeu cedo liberdade positiva e negativa. Entre os curdos e gregos a positiva existia e era mais plena que nos outros povos, mas inexistia a negativa. Achava isso muito bom e uma porcaria ao mesmo tempo. Era muito prático e eficiente, mas era difícil evoluir a comunidade.

          Assim sem nenhuma naturalidade cresceu, viu a história mudar tudo ao redor. Achou muito confortável viver numa sociedade tradicional. Mas aspirou por muitas vezes se modernizar. Mas ao primeiro espirro mudou de ideia. Não que estivesse satisfeito, mas morreu feliz de ter feito o que fez e vivido o que viveu. 

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Neo-existencialismo



Parado na curva

Não sei se desvio

Ou paro

Ou ligo

O acostamento me envolve

Pra todo lado há horizonte

Pra todo lado é verde ou mar

Um caminhão quer me ultrapassar

Ou tirar da pista

Ninguém observa

Ninguém aproveita

Todos querem chegar

Saí do carro

Ele seguiu

Vou viver o momento

Isto é, vou viver

A pressa passa

E chega em algum lugar

Eu já estou no meu

O meu lugar é onde estou

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Caligrafia

Gravaram um A no B

Desentendi o C

Deu maior dor de cabeça

E estávamos só começando

O Alfa e o Beta

Caligrafia nenhuma daria vazão

No caderno traços disformes

Se proclamavam letras

Mas não tinham licenciatura

Ou magistrado

O juiz não entendia as letras

Ou partituras de seu próprio caderno

domingo, 16 de novembro de 2025

Fortuna



Cada esquina tem sua história

Escolhas feitas

Direções marcadas

Decisões limitadoras

Todos os outros caminhos foram perdidos

Oportunidades abandonadas

Deixadas ao leu

Ao alcance da fortuna

sábado, 15 de novembro de 2025

A razão é uma prisão?

Percorri terras longínquas

Na minha imaginação

Prendi-me a cama

Com temor

Dos cenários perdidos

Das esquinas indobráveis

Mas como que decepado

Minha cabeça se desprendeu

Nem mesmo a túnica

O turbante

Os panos incessantemente amarrados

Prenderam minha mente

A cabeça tomou asas

Livrou-se das grades

Convulsionam as ideias

Mas hei de achar a razão

Para domá-las

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Conto de Marianna

 


Ah! Marianna veio de Maria. Não Nossa Senhora. Uma Maria qualquer. Uma Maria vai com as outras. No caso outro, muito melhor que o primeiro. Não era porque fosse descabeçada que não soubesse escolher. Mariana ía às novenas todo dia às seis da tarde com sua meia-irmã na igrejinha no alto do morro. Era uma delícia subir correndo escalando aquela trilha, pedras.

Rezava sempre uma ave-maria e um pai nosso ao dormir. Ao acordar não dava tempo. Nem tinha paz pra tomar café direito. Seu x-tudo sempre ficava pelo meio. Embrulhava num papel alumínio pra depois da novena. Punha na assadeira e esquentava no fogão. Saía toda atabalhoada de casa pra varrer as ruas da vila. Era muito divertido o dia que as varredeiras passavam pela rua porque aí só precisava juntar os lixos e arremessar nos caminhões compactadores. As varredeiras não era a gente. Eram caminhões com engrenagens que passavam as fibras pelas ruas.

Depois das varredeiras que passavam uma ou duas vezes por semana rezava por uma chuva pra lavar e polir as ruas. Não fora sempre gari. Quando mais nova acompanhava o falecido pai nas minas. Era um pouco surda por causa das explosões. Assim que completou doze anos fez uma promessa pra virar gari. Sua vassourinha tá lá na sala de milagres. Aos quatorze graças a enganos e documento fraudado virou varredeira, quer dizer, gari.

Era quase uma varredeira graças a eficiência que varria as ruas. Sobretudo nos raros dias de chuva contínua. Não chegava a ser tão rápida quanto a máquina, mas varria melhor. Era a melhor varredeira humana daquela cidade. Não só da vila, mas talvez do estado.

Nunca vira uma escola. Não era novidade. Só quem viajasse pra cidade veria uma. Tinha um ônibus que vinha buscar alunos pra escola e deixar na primeira curva da rodovia. Quem estudasse de tarde podia pegar o ônibus cedo e completar o percurso a pé. Já tentaram construir uma escola na vila. Tem três esqueletos como prova da intenção. Um deles tem até duas paredes. O resto não passou da fundação.

Fundação, aliás, é o que mais tinha na vila. Fundação disso. Fundação daquilo. Uma tal de ABBC era a que mais afligia Marianna. O uso de privadas era muito recente na vila. O saneamento básico meio que chegou nas primeiras casas há menos de uma década. A Associação Beneficente dos Bons Costumes (ABBC) além de etiqueta ensinava as pessoas a usarem o vaso sanitário. Tinha um banheiro com uns dez vasos que além de serem usados pelas aulas também era usado por quem passava ali perto. A fossa sanitária não foi projetada pra tamanho volume e velocidade de despejo e vazava umas duas vezes por mês.

Viviam pedindo dinheiro para adequar as obras. O prefeito da cidade que não morava lá sempre achava um jeito de Marianna fazer uma “contribuição voluntária” de seu parco salário pra associação dirigida pela tia do ex-prefeito, pai do atual. As melhorias sempre estavam próximas de acontecer. Já fazia dois anos que só faltava um tiquinho pra obra terminar, embora nem tivesse começado.

Só restava a Marianna confiar na promessa feita a São Carlo Acutis, padroeiro da internet, mas que era um santo muito bonitinho. Um de seus santos de maior devoção. A promessa de não varrer o pé de ninguém pra ver se a obra termina. A rua deixa de feder e de tirarem um dízimo do seu misero salário. Pois é. É isso.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Racionalidade



Disseram que tinham razão

Mentiram pra si mesmos

O que tinham era a verdade

Uma verdade pessoal

Um relativismo

Útil pra quem tem razão

Não a verdade

Quem tem razão tem dúvidas

Não tem verdades próprias

Verdades são relativas e inseguras

Verossimilhanças são seguras e úteis

Sabem ser aproximações

Não dogmas

Mas quem tem razão?

Quem pondera

Não quem afirma

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Heráclito de Éfeso

Paixão é ativo

Impedimento é passivo

Contabilisticamente somar ativos ou passivos

Debitar dos ativos os passivos

Não tem lógica

Que paixão tem um impedimento peremptório?

Que impedimento não tem sua paixão?

A matemática cria artificialidades

Ao somar sementes de laranja com sementes de banana

E debitar as sementes de abacaxi ou morango

Eu e você somos dois

Mas podemos ser três ou quatro

Até tudo podemos ser

Ou nada

Tanto faz

Somos o que somos

Racionalidade nenhuma nos classifica

Somos também quem ainda não somos

Somos o que não queremos ser

Almejamos o que já somos

Não há como compreender

Certo estava Heráclito

A lógica de Parmênides não nos define

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Conjugar o verbo Helô



Helô, meu Amor

Ah se eu pudesse atravessar a fronteira

Entrelaçar nossos pensamentos

Comungar nossos corpos

Beber nossa alma desregradamente

Puir nosso espirito

Como carvão veste a lousa

Desbundar a existência

Em eterno mundo

Inabalável festa

Estaria eu no nirvana

Não naquele que não sente mais nada

Mas naquele que sente tudo

Meu tudo: Você.

Fronteira

É preciso reconhecer o que é fronteira

O que é fronteira? É tudo que interessa

Acima do muro é fronteira

Minha pele com a sua é

Tudo que arreda minha casa

Os limites do meu bairro

Minha cadeira no bar é

O gostoso é ultrapassar

Visitar com os sentidos sempre que convidado

Viver o abraço

Ter saudade do abraço

Sentir o abraço na voz

Dos queridos, amados, considerados

Beijo já é imersão

Invasão, espero que sempre consentida

Ou seja, viver é sempre estar na fronteira

Sobreviver é voltar pra casa

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Financeirismos

Contam os contos contadores

Tratando as tragédias

Como glórias

Dividas como investimentos

Mortes como tragédias

Fome como falta

Excesso como lucro

As barrigas?

Empurram pra amanhã

Os dramas de hoje

E quem se importa?

O que importa é o PIB

O que se exporta

É o balanço

Senta no balanço

E esquece o mundo

Ao ver o umbigo

domingo, 9 de novembro de 2025

Deturpando existencialismo é niilismo



Quisera ter tudo

Quisera ter nada

Desejava o mesmo

Tudo diferente do que estava

Era um sábio

Sabia que não ter nada

Não pertencer a nada

Significava não possuir

Pertencer.

Quem tem é responsável

Não desejava

Tinha o que lhe vinha

E se despedia alegremente

Do que nunca foi seu

Mas eu

Eu tenho

Tenho demais

Tenho muito medo

As coisas me têm

Enquanto não me livro delas

Existencialismo é niilismo

sábado, 8 de novembro de 2025

Libertarismo

Livre associação

Que merda de liberdade

Acabaram com os sindicatos

Liquidaram as associações

Restaram as limitadas

Ações individuais

Individualistas

Só há sujeitos

Sujeitos a tudo

Não há humanidade

Só o desumano

As pessoas se abrigam

Em clãs

Nas famílias nucleares

Em si mesmas

Ensimesmadas

Ao ver que tudo o que cerca

É farpa

Preferem não fazer mutirão

Ou tem preguiça

Pra derrubar as farpas

E fazer um mundo

Pra todos

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Conto da Lana

 


Lana plana sacana na cama. Era só uma sonequinha de uma hora. Lana engana. Já faz mais de três horas pregada naquela beliche. A escada grudada de suor naquele dia de 50º. Lana coberta com lençol, cobertor. Deve estar com febre pensei. Nada! Queria brincar de sauna.

Lana sobe no coqueiro e pega dois cocos para nós! Nada! A essa hora já devia estar delirando de tanta desidratação. Fui eu mesmo colocar uma escada no coqueiro. Não dou conta de trepar na coisa. Já derrubei logo um cacho de cocos sem me preocupar se algum cairia na cabeça do cachorro ou de algum calango.

Pronto! Lá estão uns três ou quatro cocos no chão. Laninha vem cá beber uma água de coco! Nada da Lana! Fui eu lá levar um coco com canudo de papel pra menina beber. Agorinha termina meu turno e é hora dela ir pra frente da mercearia. Pronto! Deu duas da tarde! Saio eu, entra Laninha, a fofinha.

Vem toda faceira pra conferir o dinheiro do caixa. Tem uns poucos trocados da manhã. A grana mesmo já botei no cofre. Passa Tia Luna e dá oi: Oi, Laninha! Laninha nem! Laninha dá um breve aceno. O carteiro chega em ponto. Duas e cinco. Cinco minutos atrasado. Laninha deu os parabéns pelo atraso. Nunca tinha conseguido atrasar tanto.

Foi ver se no meio das contas tinha uma carta. Viu um monte de anuncio que o carteiro recolheu no caminho. Um monte de contas. Meu Deus! Esse mês vamos ganhar o suficiente para pagá-las? Vamos ficar sem a barraca na quermesse? Tudo se ajeita com o tempo... resignava-se ela.

Clientes pipocavam pelo balcão. Ninguém queria pipoca nesse inicio da tarde. Pediam café com leite. Pão na chapa. Roscas. Suco de laranja, de limão. Tapioca. Café da manhã essa hora? Não sabiam que já estava de tarde? Será que acordaram agora ou é algum fetiche? Talvez os funcionários do contraturno da usina. Trabalhavam das quatro às duas da tarde.

Mas os funcionários do contraturno não eram tantos. Muitos aproveitavam a oportunidade pra ver a espevitada. E lá estava Lana com seus parcos um e sessenta se esgueirando entre prateleiras, clientes e cobradores. Cobradores só eram três. Cobravam uma dívida do dono anterior que escafedera de lá. Já tinham perdido a esperança de receber, mas o café da mercearia era muito bom. Um arábica plantado numa fazendo próxima colhido com o máximo cuidado. Torrado ao relento e selecionado com o cuidado de quem faz café pra si mesmo.

Laninha ficava lá só das duas às seis, talvez sete. Depois fechava a mercearia. Só contava o dinheiro e colocava os elásticos. Não conferia. Ia pra academia pra manter a elasticidade pra contornar como agua aquelas pedras no caminho. E também pra ter um bom sono. Pra ter bons sonhos tomava um café com flor de laranjeira.

Isso é tudo! É o que me disse Lana. Lana engana. Mas quem não quer ser enganado por Lana?

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Confiar desconfiando



Pensar custa dois cafés. E café anda caro pela rua. Talvez ainda seja de graça em São Jorge, beira da Chapada dos Veadeiros. Provavelmente não. Possivelmente nem o vilarejo pacato no meio do nada seja mais. Talvez o ambiente civilizado numa bucólica vila exista mais. Talvez não seja mais possível andar liricamente pelo amplo espaço vazio.

Mas não é dessa liberdade e libertarismo que falo. São Jorge talvez esteja apenas na imaginação de todos nós brigando com o dragão na lua. Linda imagem que todos gostaríamos de que fosse real. Mas a racionalidade da maioria por inúmeras impossibilidades entende que não passa de um mito, uma metáfora.

É preciso ter fé em um enumerado de coisas senão não vivemos. Pra viver numa civilização temos que aceitar um acordo metafisico que poderíamos chamar de contrato social. Há vários deles. Todos temos restrições a eles. Mas nos submetemos a uma grande parcela deles em nome da sociabilidade.

Sim, eles podem ser questionados. E todos devemos questionar eles. Questionar a tudo, mas questionar, elaborar. Não querer o império da nossa vontade, do nosso desejo. Infelizmente São Jorge não pode lutar na lua com o dragão do pecado só porque é uma imagem linda, porque desejamos. Para que as coisas mudem deve-se ter uma boa razão para que mudem. Devem ter uma razão permanente até que outro arranjo melhor apareça. Uma razão momentânea não vale também por melhor que seja, pois o que é bom hoje, amanhã pode não ser.

Devemos confiar em parâmetros como os científicos? Claro! Enquanto são plausíveis. No momento em que se tornarem mais problemáticos que resolutos a própria ciência o abandonará. A ciência tem a verdade? Não, ninguém a detém.  Como bom filósofo sempre lembro que há veracidades, verossimilhanças, nunca a verdade, a não ser a inatingível dos platônicos, cartesianos que a tem como molde, moldura, não como conteúdo ou o inverso como essência inatingível pelo concreto, pelo material.

Confiar, desconfiando deveria ser um bom lema!

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Perdendo tempo

O Estado precisa ocupar o seu território inteiro. É questão de segurança, de soberania. É questão de educação e de saúde também. Não adianta dizimar mais do que Israel dizimou a população de gaza por dia ou a Rússia e a Ucrânia se abateram se não ocupar o território. Tomar para si de volta. Não importa quantos mortos um Estado ou Para-Estado produza se não se aquinhoar do território... não será dono dele. Criminosos como grileiros já sabem disso a mais de quinhentos anos. O Brasil foi fundado assim e tem terra tomada na mão grande rolando desde lá.

Se o Estado não levar segurança para o território ocupado perderá novamente o mesmo. Se levar só segurança e o poder paralelo levar saúde, nem falo de educação que é uma estrutura mais complexa, tende a perder a população pro tráfico ou milícia. Por muito menos: se ocuparem os morros e deixarem a gatonet (internet e tv paga) nas mãos do tráfico ou da milícia perderão o apoio os moradores.

Nem quero entrar na vaca-fria se deveria emboscar como emboscou e matar a quantidade que matou. Se houve execução (tiros pelas costas). Embora seja triste ignorar, ignoremos tudo isso. Na prática se não houver um plano de contingenciamento, fez-se um limpa para uns, um desastre para outros e não se mudou nada. Ignora-se mantidas as condições, os mortos serão facilmente substituídos pelo trafico ou pela milícia. O Estado terá cada vez mais dificuldade de suprir os seus.

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Boa Noite

O carro foi

Puxado por bois

Calcando o solo

Solidificando a terra úmida

Rangendo o grande arco

A amortecer o vai e vem do solo

Feito chão, feito céu

Como uma carruagem

No fogo a distribuir baldes

Pra salvar minha plantação de boa noite

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Campeonato

Me dá o título disse o Doutor

Me dá o título disse o técnico

Disse o torcedor

Nada de título

Nada de vitória

Nada de público

Uma Associação

Clube de Regatas

Sociedade Esportiva

Naútico

Operário

Todos em comum

Só vence um

O resto frustra

Sem título

Nem titular

Só reserva

Para o próximo ano

Novo sofrimento

domingo, 2 de novembro de 2025

Churrasco

Queria um cavalo branco

Tão cinza quanto o de Napoleão

E uma vaca malhada

Com horas de supino

 

Mas eu tenho um bode

No meio da sala

Ele não muge

Não é vaca

 

Carneiros toda noite eu conto

Senhor Bode, não és um carneiro

Tampouco ovelha

És um empecilho na sala

 

Contarei isto a mim mesmo

Ou me convencerei de que o bode

Não existe

O bode é criação da minha cabeça

Ou do sitio vizinho

 

Haja abobora pra tanto bode

Prefiro dançar nu

A quinta sinfonia de Schubert

Ou pisar no lamaçal

 

Onde eu queria chegar?

Não importa! Já cheguei

E o bode atrevido está lá

Hoje tem churrasco de bode?

sábado, 1 de novembro de 2025

Dissenso

Araram a terra

Arara a terna

Ara! A perna

 

Pingou o pingo

Moeu o moinho

Eu já me vou

 

A perna arou

O pingo se foi

E eu com isso?

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...