Nós vivemos
num mundo de desejos. Digo o nosso mundo humano, porque aos outros animais não
é oportuna a concepção de aspirações ou volições. Os animais executam
exatamente o que querem e pagam um preço caro, barato ou nenhum por isso. Pouco
lhes importa. Não há todo um quadro de valores a sustentar suas convicções, não
há previdência. No máximo há providência quando a necessidade encontra a
oportunidade. Algo também muito comum e conhecido pelos humanos.
Nós humanos
naturalmente desejamos tudo que nos faz bem, que nos afeta sensivelmente (pela
visão, tato, olfato, paladar ou audição) ou sentimentalmente (pelo afeto,
desprezo, simpatia, heterofilia). Vale lembrar que simpatia, por definição é o
gosto ou aproximação por valores iguais ou exaltação deles (sym+pathos).
Heterofilia é o gosto pelo diferente. Não creio que há mal intrínseco em
desejar. Talvez algum extrínseco, afinal somos seres civilizados e por isso
podado de muitos de nossos mais majestosos instintos.
Mas nossos
instintos não combinam com nossa civilidade e isso é complicadíssimo. Não
combinam nem mesmo com a ética: não posso fazer tudo o que eu quero sem
desrespeitar o outro. Nem mesmo se em meu código de responsabilidade e de
interação não estaria cometendo um erro. As éticas pessoais (éticas sempre se
referem ao coletivo, mas são escolhas pessoais dentre o aceitável e o
aprendido) quase nunca são as mesmas. Seria uma novidade se dois sujeitos
compartilhassem exatamente de uma mesma visão de mundo.
Nossa condição
humana nos leva a um corredor sem fim de desejos mesmo sem a indústria cultural
nos inculcar ainda os desejos até então inexistentes e até então
desnecessários. Até nos fazer desejar o próprio desejo do desejo. Acabei dando
uma volta, mas escrevi esse último parágrafo mesmo só pra lembrar como nós
humanos estamos enredados nos “nossos” próprios desejos. Meu foco não são os
desejos criados. São os desejos reais e apenas aceitarei os ilusórios criados
pelo autoengano, pois quando enganamos a nós mesmos, nada pode ser mais real.
Não pretendo
considerar que o desejo é uma coisa boa ou ruim em si. Sem o desejo muita coisa
não teria sido inventada ou manufaturada, criada, concebida. Mesmo o desejo do
impossível levou o homem a novas épocas, conduziu a novas tecnologias, a novos
pensamentos. Toda grande mudança pessoal ou coletiva nasce de uma utopia. Mesmo
os desejos mais complicados, difíceis tiveram que ser sublimados e por vezes
sua expressão criou expressões de arte magníficas, belas e supremas.
O conflito
entre desejo e possibilidade, muitas vezes leva a compreensões éticas e
estéticas formidáveis. Se eu colo os lábios no texto (não os meus) é porque não
teria melhor compreensão se colasse os ouvidos, os olhos, talvez o magnífico
dorso. Não seria possível imaginar melhor leitura do desejo. A vida é uma dura
batalha. Felizmente é ética.
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