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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Constituição não é menu: contra as PECs



Nesse domingo (21/09/2025) borbulhou pelo Brasil todo protestos contra uma PEC (proposta de emenda constitucional) que se propõe a retirar as mudanças feitas na Constituição de 1988 por outra PEC de 2001, mas não apenas. Amplia as garantias de impunidade no texto. No caso de 2001 as modificações melhoraram a constituição, mas a maioria das PECs por questões oportunísticas ou ocasionais a pioraram.

Eu, Giordano, do alto da minha absoluta ignorância prefiro que constituições não prevejam ou oportunizem emendas constitucionais, apenas infraconstitucionais. Que as constituições só possam ser modificadas por novas constituições. Explico o porquê: Assembleias constituintes são eleitas especificamente e exclusivamente para este motivo. Os legisladores federais em geral são majoritariamente eleitos para serem despachantes: trazerem verbas e obras para suas cidades ou regiões.

Algumas PECs como essa de 2001 foram importantes, mas é preferível perdê-las que possibilitar essa constante reescrita convulsiva da Lei Magna. Como se cientistas pudessem continuamente reescrever as leis da física ou os biólogos o da biologia. Suas descobertas geralmente só mudam a periferia. Raras vezes mudaram o cerne em toda a história. A Constituição não pode ser mudada de acordo com os desejos do estomago como menu de pitdog.

O pessoal que mudou cláusulas pétreas das leis trabalhistas, financeiras e penais é o mesmo que reclama de instabilidade, da falta de regras fixas.  Os lobbys financeiros e empresariais dificultam o investimento no Brasil segundo eles mesmo pois a instabilidade é o principal problema diagnosticado por eles mesmos. Assim até eles deveriam ser frontalmente contra a possibilidade de PECs.

Restringir as mudanças constitucionais a Assembleias Constituintes possibilita a discussão cuidadosa das mudanças sem o fator dor-de-barriga ou oportunista. Os deputados estaduais e federais e os senadores teriam uma gama de dispositivos infraconstitucionais para discutir e modificar ao sabor do tempo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Conto de Eleanor

 


Leninha, ou Eleanor como chamava seu pai, era uma moça muito linda, uma boneca. Boneca era como era chamada por sua avó. A vó achava que as bonecas de pano com cabeça de plástico eram as coisas mais lindas que existiam. Eu, intruso narrador, nem de longe acho. Leninha não sabia. Nunca tivera uma boneca de pano. Não conhecia a imagem pois toda imagem lhe mostrada a vó dizia que não era essa da qual se referia.

O nome da menina era homenagem a Anna Eleanor Roosevelt, uma ex-primeira-dama dos Estados Unidos. Mulher de Franklin Delano Roosevelt e que coordenou a criação da Declaração dos Direitos Humanos na ONU. Leninha pouco se importava. Preferia que tivessem a nominado Anna, primeiro nome da homenageada. Achava Eleanor muito fru-fru, muito pomposo. Ana era mais simples.

Por sorte ganhou o apelido de Leninha nas queimadas na rua. Em casa não conseguia escapar da futilidade da pequena ética. Era chamada sempre pra tomar chá com bolo ou biscoito e experimentar toda aquela cena, aquele traquejo sem futuro. Aquela perda de tempo.

Sua única saída era a rua pra brincar de queimada ou de taco. Ou quando podia ir pra praça com o avô pra ver ele jogar dama. A rua não tinha frescura. As pessoas não eram obrigadas a hipocrisia. Não que fossem sempre sinceras, mas não eram sempre falsas. Não pediam desculpas a faca por terem se cortado.

Leninha era celestial, um anjo torto. Era perfeita por nunca procurar ser perfeita. Mais errava que acertava, porém sem nenhuma intencionalidade. Seus erros eram os mais sinceros. Sua sinceridade era cândida e não agressiva. Amava de todo o coração quase todos e isto era muito evidente. Não precisava esconder nada.

Não ambicionava nada mais que usufruir o presente. Não guardava doces. Comia e distribuía os seus logo. Não pensava no amanhã. O dia seguinte é um novo dia. Alguém vai garantir. Se ninguém resolver, eu arrumo. Ansiedade era um negocio que passava longe de Leninha. Não tinha nenhuma saudade de amanhã.

Vivia sua vida sem pressa e sem previsão. Sem pressão. Se tivesse queimada jogava. Se não tivesse jogava bete sem nenhum problema. Se não tivesse nenhum dos dois, brincava do que tinha. Até de pega-pega ou pique-esconde que não gostava muito. Na escola estava aprendendo um tal de handebol. Um jogo esquisito com dois times, mas que não podia queimar o adversário, nem o goleiro, pois o objetivo era desviar a bola do goleiro pra fazer gol. Ainda tinha que ficar dando passes ou quicando a bola no chão.

Era sempre escolhida por arremessar muito forte e bem, mas não gostava daquele jogo. Era estranho pra quem brincava tanto de queimada. Arremessar desviando dos outros. Ficar andando pra lá e pra cá. Agarrar e ser agarrado pra fazer falta e impedir deslocamentos. Preferia trocar figurinhas no recreio.

Saia cedo pra escola. Corria em casa pra fazer as tarefas. Pra isso comia depressa e pouco comia. Fazia de tudo pra terminar o mais cedo possível, dormir uma soneca com seu cãozinho Bilú, e sair pra rua lá pelas quatro pra brincar. Essa era mais ou menos a rotina antes do chá das seis de mentirinha, mas enfadonho, chato, bisonho. Depois era logo dormir pra chegar o outro dia.

domingo, 14 de setembro de 2025

Remada

Acertar mil vezes o mesmo alvo

Não garante alcançar a mosca

Que a visão seja turva ou fosca

Por mais que transpareça o objetivo

Não esclarece o motivo

Não muda a história

Não muda o resultado

Nos mantem no mesmo lugar

Com vãs esperanças

Só resta o sofrimento

Mais uma década no mesmo lugar

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Conto de Dauti

 


No meio da cidade vivia Dauti. Caminhando entre prédios à procura de arvores para pousar sua cadeirinha que sempre trazia à tiracolo. Morava mesmo bem longe dali, mas todo dia cedo o metrô a trazia. Meros vinte minutos. Dificilmente leria ou ouviria um capitulo de um livro no caminho. Mas sempre insistia na rotina. Trazia sempre um livro consigo.

No caminho não via, nem ouvia nada além do seu ultrafoco temporário. Era como se tudo mais se tornasse opaco até chegar ao centro. No seu local de trabalho ou lazer era todo ouvidos, todos sentidos. Apreciava detalhadamente todas as singularidades. Nada escapava da atenção de Dauti.

Sabia de tudo. E, provavelmente de quase todos. Não era bem um investigador ou um espião. Parecia mais um especulador. Não um econômico ou político, mas um social. Para quase todos era um fofoqueiro. Falava muito. Espalhava especulações. Mas na verdade não dividia nada do que sabia. Todas as jogadas mais importantes estavam guardadas.

Era um enxadrista 4D. Fazia suas jogadas simples parecerem imensamente complexas. As jogadas mais elaboradas aguardavam uma a uma seu momento. Só uma ou duas de centenas já estavam à luz do sol. Não acreditava em predição, por isto remodelava suas ações ao sabor do clima.

Era o momento de uma casquinha de sorvete. Mas não podia sair de sua banca agora. Não até dar dicas do perigo próximo. Calmaria não é bom. Logo viriam os agentes. Era hora do rapa ou da cobrança de licenças ou subornos, taxas de segurança. Um piscão ou uma dica insidiosa bastava para avisar aos outros ambulantes do perigo. Assobiar uma opera bastaria?

Fizera sua parte. Faltava a deles. Era preciso recolher todos as balburdias. Medir todas as ações. Pesar todas as exceções. Começava o divertimento. Não terminaria tão cedo. Estava lá energizado pelo astro-rei captando traços da realidade daquelas quadras. Sabia distinguir cada piado. Conhecia o cantar do azulão, do sabiá, de pintassilgo, da andorinha. Ouvia até cantar de beija-flor.

Conhecia o andar de cada tipo de formiga. Pressentia esperanças ou bichos da folha. Era um observador sossegado que dominava todo o ambiente captando tudo. Até queda de pingo d’água notava.  Do nascer ao por da luz estava ali. Á noite confeccionava suas anotações. Dos bloquinhos o entendimento dos dias posteriores. Dos vindos novas observações.

Das observações, sua vida. Da vida, uma rotina. De rotineiro nada. Semente virou muda. A muda muda tudo. Virou gramínea, arbusto, trepadeira ou árvore. Cada dia era um novo. Igualmente dia, mas com enredo muito diferente. Nova rotina, velhos medos, novas esperanças, novíssimas decepções. Novidades, novidades, novidades sobre as mesmas coisas que já não são mais as mesmas.

Aquelas ruas não param de fluir, vicejam de tiririca, há vida por todo lado. Preenche todo espaço vazio. Dauti precisava organizar minimamente aquela confusão. O fazia todo dia pra entender aquele mercado. Não gastava conselhos à-toa. Aglutinava conhecimentos para si. Assim Dauti era o príncipe da Moca.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Conto da Camila

 


Mila, digo, Camila, ficava sempre confusa quando sua mãe a convocava. Quando ouvia: Vem cá, Mila! Ela ficava em dúvida se era: Vem cá, Mila! Ela ficava em dúvida se era Vem cá, Mila! Ou Vem, Camila! Quando sua mãe a chamava de Camila a coisa tava feia! Se era Mila tava tranquilo!

A moçoila estava sempre a rua. Quer dizer, nem bem a rua. Ficava no alpendre ou no corredor ao lado da cozinha que saia para o lado do alpendre e para fora de casa. Ela sempre ficava intrigada com esse tênue limite entre a rua e o domicilio. Onde era o limite? Porque precisava ter esse limite? Não era possível uma faixa onde fosse rua e casa ao mesmo tempo?

Gostava muito de pular uma amarelinha. O riscado era ora no alpendre, ora no corredor ao lado da casa, ora um pouco na rua. As cadeiras ficavam fora de casa. De lá sua mãe observava a rua á tardezinha, cumprimentava as vizinhas. Camila ficava essa hora em casa fazendo a lição de álgebra ou geometria. As flexões dos verbos irregulares tinha decorado ao jogar amarelinha. A geografia jogando damas.

Ali naquela rua ninguém mais conseguira jogar queimada desde que pavimentaram a rua. Era carro toda hora. No começo tinham paciência. Agora até buzinam, mas só depois de passar por cima. Aquele bairro já foi mais agradável. Ninguém mais anda na rua. Quem anda desvia de motos, bicicletas, carros... Quem se aventura pode passar no posto de saúde pra fazer algum curativo.

Uma vez quisera plantar uma arvore no meio da rua pra dar sombra pra quem andasse, mas a prefeitura achou melhor botar um asfalto pra população poder fritar ovo. O riacho que em outubro lavava as casas foi canalizado e agora transborda “proutros” lados. De vez em quando surge um buraco aqui, outro ali e Camila planta uma Maria-sem-vergonha pra embelezar a rua. Mas logo vem a prefeitura e enche de brita e betume o buraco.

Nem dá tempo. Camila sai brevemente a rua e já tem que voltar pra casa. A escola é na esquina, quatro casas a frente. Todo dia cedo sai buscando beleza pra embelezar seu caminho. Chegando em casa, almoça, faz as tarefas de escola e sobra pouco tempo pra brincar antes das aulas de matemática do seu pai, analista de sistemas. Corre Camila no breve tempo pra achar seus gizes coloridos pra traçar o chão. Desenhar o céu e o inferno. Dividir o caminho numa progressão aritmética negativa: 5-4-3-2-1. As vezes por teimosia: 5-3-4-2-1. Camila já puxou minha orelha: -não estudei ainda progressão nem aritmética, nem geométrica.

Desculpa, Camila! Queria enfeitar a história... Camila não gosta. Só gosta de enfeitar a rua. Ah! Tá bom! Camila foi dormir. Um novo dia começa amanhã. Por hoje tá bom... amanhã a história é outra.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Irregularidade narrativa e os distopismos dogmáticos

Cedeu o lugar

Perdeu a cadeira

Furou a fila

E foi direto pro palco

Almoçou na coxia

Aguardou o camarim

Aguardente à mão

Pulou dois quadrados da amarelinha

Relinchou como um galo

Como uma zebra cacarejaria

Tomou duas doses

E foi ao chão

(Que sono justo!)

Nem a lanterninha incomodava

Era um belo filme!

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Golpe

Tropecei em três pedras

Elas me constituíram

Não reneguei a constituição

Não me tornei golpista

Agreguei as pedras

As guardei

Moldei-me ao desafio

Tornei-me rio ao delinear as pedras

Contornei a dureza

Fiz das pedras meu escudo

Vesti os minerais

O que é moldável muda

Acomoda, agrega

Não joga pedras

As toma para si

Resiste aos golpes

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...