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sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Conto da Camila

 


Mila, digo, Camila, ficava sempre confusa quando sua mãe a convocava. Quando ouvia: Vem cá, Mila! Ela ficava em dúvida se era: Vem cá, Mila! Ela ficava em dúvida se era Vem cá, Mila! Ou Vem, Camila! Quando sua mãe a chamava de Camila a coisa tava feia! Se era Mila tava tranquilo!

A moçoila estava sempre a rua. Quer dizer, nem bem a rua. Ficava no alpendre ou no corredor ao lado da cozinha que saia para o lado do alpendre e para fora de casa. Ela sempre ficava intrigada com esse tênue limite entre a rua e o domicilio. Onde era o limite? Porque precisava ter esse limite? Não era possível uma faixa onde fosse rua e casa ao mesmo tempo?

Gostava muito de pular uma amarelinha. O riscado era ora no alpendre, ora no corredor ao lado da casa, ora um pouco na rua. As cadeiras ficavam fora de casa. De lá sua mãe observava a rua á tardezinha, cumprimentava as vizinhas. Camila ficava essa hora em casa fazendo a lição de álgebra ou geometria. As flexões dos verbos irregulares tinha decorado ao jogar amarelinha. A geografia jogando damas.

Ali naquela rua ninguém mais conseguira jogar queimada desde que pavimentaram a rua. Era carro toda hora. No começo tinham paciência. Agora até buzinam, mas só depois de passar por cima. Aquele bairro já foi mais agradável. Ninguém mais anda na rua. Quem anda desvia de motos, bicicletas, carros... Quem se aventura pode passar no posto de saúde pra fazer algum curativo.

Uma vez quisera plantar uma arvore no meio da rua pra dar sombra pra quem andasse, mas a prefeitura achou melhor botar um asfalto pra população poder fritar ovo. O riacho que em outubro lavava as casas foi canalizado e agora transborda “proutros” lados. De vez em quando surge um buraco aqui, outro ali e Camila planta uma Maria-sem-vergonha pra embelezar a rua. Mas logo vem a prefeitura e enche de brita e betume o buraco.

Nem dá tempo. Camila sai brevemente a rua e já tem que voltar pra casa. A escola é na esquina, quatro casas a frente. Todo dia cedo sai buscando beleza pra embelezar seu caminho. Chegando em casa, almoça, faz as tarefas de escola e sobra pouco tempo pra brincar antes das aulas de matemática do seu pai, analista de sistemas. Corre Camila no breve tempo pra achar seus gizes coloridos pra traçar o chão. Desenhar o céu e o inferno. Dividir o caminho numa progressão aritmética negativa: 5-4-3-2-1. As vezes por teimosia: 5-3-4-2-1. Camila já puxou minha orelha: -não estudei ainda progressão nem aritmética, nem geométrica.

Desculpa, Camila! Queria enfeitar a história... Camila não gosta. Só gosta de enfeitar a rua. Ah! Tá bom! Camila foi dormir. Um novo dia começa amanhã. Por hoje tá bom... amanhã a história é outra.

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