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quarta-feira, 30 de abril de 2025

Um mundo imaginário

 


O mundo não existe. Pelo menos não objetivamente. Polêmica essa afirmação, mas facilmente explicável: o nosso mundo é um mundo de significação. As coisas não existem por-si-próprias (per-se). Todo o nosso mundo é mediado por nossa percepção, compreensão. Nietzsche afirmava que não há fatos, apenas interpretações. Se tudo no mundo é interpretado (o que é muito bom, pra não engolir a seco acriticamente), então vivemos num mundo subjetivamente construído.

Sendo assim, num mundo onde não existe uma verdade per-se, pois tudo nele é subjetivo, de modo em que nenhum de nós vive nos mesmos mundos, embora eles constantemente estejam se entrelaçando no que em matemática se chama interseção. Cada mundo é particular, pois cada um tem sua singular visão de mundo e das coisas que o cercam. Mesmo assim, conteúdos civilizatórios, contratos sociais, fazem com que muitas concepções sejam próximas ou coincidentes. Servem a este intuito, como já dizia Antônio Gramsci no início do século passado, educação, religião e a própria economia como determinadora do tipo de intelectual a ser formado.

Assim mesmo num mundo construído, esses consensos, interseções de conjuntos denominados mundos particulares, possibilitam criar uma espécie de “realidade”. Uma paranoia coletiva em cada um reafirma a imaginação do outro por estar certo de sua convicção, que vem a ser a mesma visão do outro. Assim, algo ideal se torna material. O idealismo subjetivo penetra o materialismo mais concreto e mais coletivo possível.

No entanto é preciso lembrar que essas proximidades nunca são, nem serão unânimes. Assim toda “realidade” é constantemente questionada. Dialeticamente o mundo evolui também neste ponto de vista (tese-antítese-síntese), pois a sociedade sempre tenta integrar os dissonantes, à força se preciso, e se não consegue simplesmente o elimina sua cidadania. Mas se modifica ao crescer do número de dissonantes. Assim é garantida a psicose coletiva. Assim conseguimos viver num mundo surreal, provavelmente mais belo e dramático do que seria a própria dita realidade objetiva.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Helô



O estupor da tua presença

Apaga a inexistência

Cria eternidades

Na minha consciência

 

Sei que existes

Porém só observo o inefável

É indefinível

Inclassificável

 

És simplesmente você

A atropelar classificações

Remodelar minhas convicções

Fortalecer minha fé

(na beleza)

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Linguagem, relativismo e democracia

 


A diferenciação e a separação, a fixação de certos momentos do conteúdo através da palavra não se limitam a neles designar uma determinada qualidade intelectual, mas na verdade, lhes conferem esta qualidade, em virtude da qual eles vêm a situar-se acima do mero imediatismo das qualidades ditas sensíveis. Assim, a linguagem torna-se um instrumento espiritual fundamental, graças ao qual realizamos a passagem do mundo das meras sensações para o mundo da intuição e da representação. (CASSIRER, 2001, p. 34).

Todo o mundo é mediado pela linguagem. O próprio pensamento desde Sócrates é concebido como um diálogo. Mesmo para Platão, no qual o pensamento era uma representação das formas ideais que não pertencem ao mundo físico, a mediação ainda era realizada pela linguagem. Martin Buber, milênios mais tarde conceberia o universo como dialógico.

Creio que não existe mais alguém que conceba as palavras como meros espelhos dos objetos, digo que creia que as palavras reproduzem fielmente características dos objetos, constituindo uma relação direta entre objeto e linguagem, sem o filtro da interpretação. Creio que estamos cônscios a muito tempo de que tudo é interpretado e passa por mil filtros de luz, sendo o da cultura o principal.

Assim fica muito complicado tanto sustentar o mito da objetividade que as ciências avocam para si. Bom... não só as ciências. Como também fica muito difícil delimitar o relativismo. Pois as interpretações são múltiplas e, poucos critérios consensuais existem para determinar se são válidas ou não. Estamos sempre sujeitos a impostura. Critérios são praticamente impostos em cada cultura. Sempre em prejuízo de um universalismo.

Ciências diferentes se baseiam em pressupostos distintos e podem analisar um mesmo fenômeno através de um mesmo método e chegar a conclusões diversas. Imagine então, meu anjo, essa ideia aplicada a intuição das pessoas. A intuição é o primeiro passo fora do conhecimento sensível. Não há conhecimento primário mais importante que a intuição para transcender os limites racionalidade empírica. Ninguém consegue saltar para além da física sem a intuição.

Cada ser humano, embora compartilhem de uma base cultural com muitas outras pessoas ou coincidentes em parte com um enorme número de grupos diferenciados entre si, possui uma concepção particular de mundo. Portanto uma percepção particular do mesmo. Representa o mundo, portanto, de uma forma singular. Embora possa compartilhar de uma mesma língua com milhões ou bilhões de pessoas, possui uma linguagem própria a ressinificar todo o mundo.

Assim, como fugimos da armadilha do relativismo? Que lugar comum podemos encontrar para não dispersar esses mundos? A ideia de que o mundo é permeado pela linguagem. Que a linguagem se tornou o próprio mundo já que desde Nietzsche somos tentados a acreditar que não há fatos, apenas interpretações? Isto é um Carrefour, um cruzamento e creio que nada de sobrenatural nos salva nessa matéria. Talvez a ideia de que cada um defenda seus princípios, em forma de discurso como queria Habermas e decida politicamente pela interatividade, a discussão para construir consenso seja a resolução mais próxima desse dilema. Mas isso é só minha particular opinião.

domingo, 27 de abril de 2025

Breve lamento

Volta e meia no mundo

É circular toda a mesa

Apreciar a dama rosa ao centro

Aspirar todo o aroma de café

 

As pessoas sentadas a mesa

Em nada pensam

Estão ocupadas em se ocupar

A vida dos outros muito interessa

 

Quem observa nada vê

Ouvidos opacos se concentram

Em ouvir a voz do silêncio

Maravilhar-se com a pausa

 

(Onde chegamos?)

Fatalismo

Se tu viesses como pesadelo

Apenas pra sufocar meu peito

Enfartar minha respiração

(Agradeço!)

 

Se minha pena

Seja ralar meus joelhos

Em devoção a ti

(Comemoro!)

 

Se o que me resta

É somente esperança

Perda de vida

(Me amaldiçôo)

 

Mas se existes

Concretamente

Mas inviável

(Eis traçado meu destino)

sábado, 26 de abril de 2025

Fofoca

 Flui como balsamo

A energizar cada integrante

Cresce como fenômeno

Alegrando os grupos

 

Nasce de um breve ui ou ai

Singela interjeição

A tornar-se frase inteira

Depois tese completa

 

Pessoas vazias vertem vocábulos

Se desocupam mais ainda

Não conseguindo se sentir superiores

Ridicularizam as outras

Se amesquinham

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Neutralidade: uma bobagem.

 




O mundo é organizado pela técnica, nós sabemos disso. O pragmatismo, que leva o homem a um comodismo e insegurança sem precedentes na história antes da idade moderna, criou uma pretensa “objetividade neutra”. À pretexto de tornar a sobrevivência no mundo muito mais fácil, de racionalizar, organizá-lo desde a idade antiga o homem criou a técnica. Arquimedes começou esse problema ao propor “deem-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Era o começo de uma história que terminaria na supremacia incontrolável da técnica, afinal quem é contra uma comodidade? Só quem não dispõe dela.

Assim a técnica se tornou algo indiscutível, sobre a qual nem mesmo seus valores são possíveis de serem discutidos. A técnica se autoqualificou “neutra”. Essa falsa neutralidade talvez seja o maior problema da técnica, pois pressupõe que alguma ação humana esteja fora do alcance da subjetividade, não seja influenciada por valores e não os transmita. Sobre esse assunto, um recorte do livro de Myles Horton e Paulo Freire (O caminho se faz caminhando):

“Acadêmicos, políticos, todas as pessoas que supostamente devem estar dirigindo este país dizem que precisamos ser neutros. Assim que eu comecei a examinar a palavra – neutro – e seu significado, ficou bem claro para mim que não existe essa coisa a que chamam neutralidade. É uma palavra-código para o sistema vigente. Não tem nada a ver com nada a não ser concordar com aquilo que é que sempre será – isso é que é neutralidade. Neutralidade é simplesmente seguir a multidão. Neutralidade é apenas ser o que o sistema nos pede que sejamos. Neutralidade, em outras palavras, era um ato imoral (...) Neutralidade. É por isso que a neutralidade é a melhor maneira de esconder uma escolha, veja só. Se não estamos interessados em proclamar nossas escolhas, então dizemos que somos neutros” (HORTON, 2003, p. 115 e 116).

Assim somos enganados pelo monstro que criamos e aceitamos ser devorados desde que o processo seja lento, indolor e não nos canse. Mas a promessa do ócio não parece ser cumprida nunca, já que o trabalho invade até o nosso lazer. E coisas como o Ócio criativo de Domenico de Mais, reforçam essa impressão. O ócio não era pra ser exatamente o descanso da atividade criativa, produtiva? As perversões do homem pelo trabalho devem explicar isso. Eu não. Mas pensemos. A neutralidade é exatamente isso, se tornar escravo de um sistema que hoje já independe da ação dos homens para se reproduzir indefinidamente.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Convençôes

O cara que sabia que o caminho se faz caminhando

Tinha certeza que quem não sabe pra onde ir pode dar uma bela volta ao mundo

E que velhas árvores no verão dão boas sombras.


Até porque um caminho arbitrário não caminhado

Não serviria a ninguém

Seria livre

Aceitamos a liberdade do entorno?


Desprezamos a falta de planejamento

Odiamos a atualidade

Assassinamos a cada segundo nosso presente


As arvores?

Só nos servem

São nossas servas

Senão vai ao chão

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Francisco, nosso irmão

Semear equidade ao mundo

É ferir bestas enjauladas

Plantar discórdia

Aturdir comodismos

 

Despojar-se da vaidade

É esfolar falsos méritos

Colher ofensas

Provocar esnobes

 

Valorizar nossos irmãos animais

É rebaixar o antropocentrismo

Conhecer o mundo como mundo

Não apenas nosso mundinho

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Transmundo

 


Estamos hoje transeuntes num furacão de informações, sensações, perdidos numa realidade histórica que parece estar à frente de nosso tempo. É verdade que nós guardamos um baú de objetos antigos, informações que muitas vezes perderam a utilidade, outras que nos resguardam, nos garantem alguma segurança.

Essa turbulência em que vivemos, esse mundo inundado de informações, altamente interativo, sempre o foi, mas agora se amplificou em suas inúmeras possibilidades e impossibilidades que nos deixam, por vezes, confusos ao sabor dos desencontrados movimentos que 'marolam' confusos nesse oceano de incertezas, ou de certezas demais.

Alguns estudiosos insistem em afirmar que estamos na era da desinformação, devido à imensa quantidade de informações visuais, sonoras, tácteis, sem contar as mais específicas a que somos bombardeados. Concluem eles que estamos atônitos sem saber o que fazer com tanta informação, sem saber que destino dar a elas.

Vários visionários, como o canadense Marshall MacLuhan, previram um período em que a informação seria abundante, a democracia seria muito mais interativa. Esses prognósticos vieram praticamente no momento do nascimento da internet ou dos experimentalismos que levariam a sua criação na década de 60.

Certamente ambas as correntes e contracorrentes (humanista e tecnológica) estão corretas. É certo que se ampliou abundantemente o acesso à informação. Nem falo da internet, ainda de muito restrito acesso, mas dos meios de massa que se ampliaram aceleradamente na ultima metade do século passado. Como meios de massa, estou considerando uma ampla variedade de empreendimentos comunicacionais não apenas as redes de televisão, rádio e mídia impressa, mas a internet, shows musicais e teatrais, filmes, panfletos com maior circulação, rádios comunitárias e corporativas, uma série de eventos, acredito que se possa caracterizar devido a especificidades regionais meios mais restritos como de massa.

Há tanta informação disponível que não conseguimos absorve-los e quando as absorvemos aumentamos, por vezes, uma 'cultura inútil'. É verdade que esta sempre existiu, mas nunca em tamanha quantidade ocorreu de informações passarem uma vida sem utilidade. Calma gente! Não pretendo nunca me tornar um utilitarista. Essa doutrina é muito pratica e pouco ética. Apenas digo que em nenhum outro momento da história as informações criaram tantos analfabetos. Nem falo de analfabetismo digital, mas informações, por exemplo, de como se lavam elefantes na Índia para um esquimó do Alasca que periga nunca ter visto um elefante.

Estamos, pois, num mundo globalizado onde imperam as grandes transnacionais e o mercado sobre os estados nacionais. A lógica do mercado é perversa, sobretudo num contexto neoliberal, pois ao mercado só interessa lidar com consumidores e transformar qualquer produto, informação em mercadoria rentável.

Hoje todos os serviços e produções de qualquer natureza têm a mesma característica de uma manufatura, quer dizer são produzidos por uma indústria: a indústria cultural e comercializados como qualquer produto industrial. Para isso os filósofos da Escola de Frankfurt já diziam que se pauperiza a cultura de modo a torná-la mais acessível a um maior número de consumidores. A indústria cultural utiliza técnicas falsamente neutras para pasteurizar a cultura tornando-a asséptica. Quer dizer retirar o conteúdo ou valor de uma cultura não é uma ação neutra. Assim torna os produtos universais ao retirar os empecilhos culturais que dificultariam sua absorção por um maior numero de consumidores.

Esse é um processo que não é nada novo e foi descrito há muito tempo. Mas o que é novo agora é que com o endeusamento do mercado produzido pelo neoliberalismo globalizante, as relações foram invadidas por uma lógica comercial. Essa teia globalizada aparentemente tem nas pontas os consumidores. A dimensão humana a cada dia é mais sucateada nessas novas relações, dando espaço a condutas formais acríticas.

Essa lógica já penetrou na educação ainda no século passado com as famosas educações para a produção e fordista. A educação é uma indústria cultural privilegiada, pois forma os consumidores. A educação, apesar das teorias pedagógicas inovadoras, meramente reproduz os valores da sociedade, não consegue cumprir um de seus papeis que é produzir o futuro.

É certo que vivemos num mundo em que a informação se voltou a ser mecanismo de poder. A informação era mecanismo de poder na Idade Média. Época em que os livros estavam guardados nos mosteiros e havia uma severa classificação e censura dos livros que poderiam ser lidos. Uma forte guarda dos que não poderiam ser lidos por 'mentes mais fracas, menos resistentes à tentação'. Um aspecto do poder político da Igreja Católica neste período o qual poderíamos muito melhor caracterizar dentro do Materialismo histórico como Feudalismo.

Agora retorna a ser mecanismo de poder. Só que quem a controla não é mais uma instituição, mas sim os burgueses. Portanto se faz necessário maquiar fortemente a concentração para não deslegitimar os ideais que os levaram ao poder. É necessário também para eles manter acesa uma promessa. Se para as religiões que nasceram no oriente médio o céu é a promessa necessária, para o capitalismo era necessário três promessas: liberdade de associação, igualdade de condições para lutar e fraternidade como um resquício de humanidade no frio coração do sistema. Hoje só necessita fazer uma promessa, sem condições de cumprir como as outras: consumo para todos.

Hoje consumimos praticamente tudo o que podemos. Tudo é produto, inclusive nossas relações. Olha estou falando em regra geral, e como sabemos regras gerais só tem exceções. Cada ser humano é uma especificidade em si, um particularismo profundo, mas não há dúvida de que mesmo os mais virtuosos caem em várias valas dessas. Acredito que muitos não têm consciência disso. Ninguém tem consciência plena afinal, mas muitos como eu gostariam. Voltando ao assunto há um excesso de informações disponíveis só que organizadas de modo caótico. Essas mesmas informações, embora disponíveis, estão naturalmente codificadas de modo que só quem é da área ou conhece profundamente o código pode facilmente decifrá-las. Creio que compliquei. Mas é fácil: não me peçam para ler uma planta de engenharia eu provavelmente não entenderei nada.

Então quase tudo está disponível a uns poucos. Mesmo assim desses poucos que tem o acesso pouco poderão codificar/entender/assimilar porque é impossível terem acesso a muitos códigos. São códigos que levam anos para se adquirir. Esse é outro defeito do cartesianismo na educação: ao separar as partes, cria um monte de analfabetos para as outras. Entretanto qualquer leitor, com toda autoridade, poderia argumentar que se tivéssemos uma visão global seríamos analfabetos para tudo. Por certo, se pensarmos com nosso cartesianismo, por certo. Mas tivermos uma visão holística, de holos - total, somos obrigados a ter uma ideia complexa da vida. O que ao contrário do que parece simplificaria muito nossa convivência devido à ideia antropológica das culturas e éticas profundamente respeitosas, ecológicas e holísticas com a de Baruch Espinosa.

Se nossa preocupação fosse com o sistema como um todo e não com peças isoladas dele. Tudo seria muito mais fácil e legível. Diminuiriam significativamente as especificidades, pois não estaríamos preocupados em teorizar sobre a arruela para quem se interessa por arruela e sim preocupados em falar sobre o universo para quem vive nele. Não tenho a menor pretensão de defender a unificação das culturas e o fim das diferenças destas ou o nivelamento destas por baixo via domínio cultural. Imperialismo Americano, Francês, Bielo-Russo ou Jamaicano é tudo a mesma porcaria !!! Nunca defenderia isso. O que defendo é que adotemos como ética ideal algo próximo do 'paradoxo' de Kant: Fazer o maior bem a todos, provocando o menor mal possível.

domingo, 20 de abril de 2025

Devora-me ou te decifro

Embebido em vasto mar

Sufocado pela racionalidade

Imerso na solidez do sonho

Ao desfazer-me de minhas convicções

 

Assim caminha o mundo

Por todo lado meu universo

Uivam os impulsos

Intuo a liberdade

 

Do tudo ao nada

Constrói-se a existência

Retirando os obstáculos

Em pleno nada lá está

(A vida)

sábado, 19 de abril de 2025

A ética, a política e a história pessoal

 


As histórias pessoais são em última análise a base da história universal, a história mais ampla que existe, menos previsível e mais importante porque constitui o ambiente para todas as outras. Como já dissemos, é praticamente impossível prever como se encaixa e que resultado as ações individuais, ou a interação destas, tem na história universal. Mas quanto menor o âmbito da história, mais previsível é o resultado das ações. Como se fossem experimentos: quanto mais numerosos e mais fortes os limites mais determinados são os resultados destes.

Assim, determina-se a importância da ética como a parte da consciência que está sempre ponderando para alcançar o maior bem comum ou bem público. Toda ação na história pessoal, ou na história dos indivíduos ou história individual tem uma consequência direta previsível, embora não determinada. Assim avoluma-se a importância de agir bem. Aí entra a ética tão esquecida.

É verdade que a ética hoje é muito mais pragmática que bem intencionada. Natural numa sociedade em que os fins valem muito mais que os princípios. Assim uma ética da responsabilidade se torna imprescindível para mudar a história. É óbvio também que não podemos deixar para trás nossos princípios. Boa parte deles são inegociáveis por natureza, pois inobservados fatalmente a civilidade descambaria para a barbárie. Creio, na verdade, ser inexistente esse maniqueísmo pregado entre as éticas de convicção e de responsabilidade. É possível e desejável satisfazer as duas.

Agir bem não significa somente ir para as ruas lutar por direitos ou cumprir deveres. A conduta ética se define em cada ação, em cada interação. Por isso a ética é companheira inseparável da política para Sócrates, Aristóteles, Hannah Arendt ou Jüngen Habermas. Assim, o homem político não pode deixar de agir no mundo observando e refletindo sobre seus atos. Se aperfeiçoando para agir melhor. Carregando o fardo de em sua história pessoal criar as melhores peças possíveis do grande quebra-cabeça que será a história universal.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A pequena e a grande história

 


Toda a história do mundo não é composta por grandes atos isolados. Toda a história é fruto de uma contingência histórica anterior. Nada de grandioso acontece sem que se tenha criado um ambiente para o seu aparecimento. Por isso, insisti tanto nos primeiros minutos de hoje no longo texto sobre a dialética histórica. Sobre a ideia de que a síntese histórica é um efeito particular de seus termos anteriores: tese e antítese. Pode ser explicado por estes, mas não como uma adição, mas como uma reação química sobre a qual pouco se conhece dos reagentes e muito menos do ambiente.

A grande história é composta por centenas, talvez milhares, de pequenas historias. As historias individuais interferem à sua maneira nas histórias dos grupos, as dos grupos no das sociedades. Histórias menores são costuradas de maneiras particulares nas historias maiores. Por essa razão toda ação é histórica. Toda reação também o é. Mas o papel ocupado por cada historia menor nas maiores é sempre imprevisível, dado a enorme quantidade de variáveis que tornam imprecisa as análises.

Dessa limitação surge a ideia idealista do espírito da história em Hegel, prontamente refutada por Karl Marx que cai num mesmo fatalismo de Hegel por esse excesso de crença na na racionalidade instrumental. A mesma crença no progresso de Hegel, metamorfoseada num novo esclarecimento  levantamento da massa proletariada criada pelas condições históricas da iminente crise do capitalismo. A crença no progresso de Hegel chegava no fim da história. A de Marx, no fim do capitalismo: o Comunismo.

Mas, pouco importam essas considerações. O importante mesmo é a validade ética de devemos agir pelo bem do todo porque embora desconheçamos os efeitos históricos a médio prazo, sabemos que fizemos a nossa parte e do que depender de nossa pequena história, influenciamos a grande história dentro da nossa capacidade, para obter os melhores resultados possíveis de acordo com as circunstâncias existentes. Assim, a política é o ato público, é interação, sabes que somente a ação pode modificar a história.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Uma crise inevitável?

 


Vivemos em um mundo que valorizou excessivamente a ideia de indivíduo, a noção de sociedade. Uma sociedade ilimitada de fato. Não há melhor definição para um empreendimento onde os sócios não são conhecidos e nem se conhecem ou interagem (como pede uma boa política). Não há ideia melhor para coordenar as ações isoladas de seres que inexistem para os outros que a ideia da mão invisível de Adam Smith. Alguma coisa tão imperceptível como o espírito da história de Hegel a organizar as ações para o melhor proveito do sistema, digo, do empreendimento, ou seja, da sociedade, porém muito menos explicável.

Não bastasse isso, como uma sociedade financeira e financista, tudo é orientado para o consumo. Absolutamente tudo é consumido. Nada escapa à missão de satisfazer desejos, numa espécie de pesadelo budista, onde como previa Sidarta Gautama, um desejo leva a outro e o outro a um novo, numa cadeia infinita de desejos, felicidade instantânea e uma eterna insatisfação por não alcançar nunca o último desejo. E nós consumimos tudo: coisas, sentimentos, pessoas, ideias, descanso, lazer, etc. Tudo dentro da lógica Aristotélica de que o único fim-em-si é a felicidade, mas com o adendo de que esta nunca pode ser alcançada pelo espiral de desejos.

Num mundo que nos anula, nos reifica, nada mais natural de que não possa se falar de humanidade. Sem humanidade, fica impossível existir o humanismo. Talvez seja melhor num mundo como esse desistir do conhecimento, fixar-se apenas nas informações. Esquecer a ontologia, a ética e a epistemologia e nos ligarmos na cibernética, pois só importa a informação. O conhecimento e a reflexão não cabem mais nesse mundo de inputs e outputs.

Sem humanismo, sem humanidade, atormentado pela reificação e pelo niilismo, o “homem” encontra-se perdido, totalmente sem parâmetros. Sobretudo num mundo rápido em que a técnica toca o mundo na sua velocidade e arrasta os homens, que em nenhum momento param e pensam: “poxa, eu sou um homo ludens. Sou eu que faço a história e sou feito por esta. Não fatores estranhos às minhas interações”. Num mundo estranho desse, o “homem” se sente completamente inadequado. Não há mais base nenhuma para seus pensamentos. Nenhuma garantia. O sistema funciona independente dele. O que ele faz no mundo? Qual a sua missão? Que importância tem? Toda a personalidade, de persona, pessoa, é perdida.

Sobra ao ser humano uma crise de personalidade. Ele acredita ser algo, mas a todo instante o mundo lhe mostra que ele não é nada. Ele pensa em coisas bonitas. Tem convicções utópicas da época do humanismo, acredita ser gente. Mas isso pouco importa. Assim estão criadas as condições da crise perpétua. Uma crise de personalidade que se funda ora na inadequação, quando o ser acredita ser algo ainda, ter personalidade. Ou na anulação, quando o ser descobre que sujeito a quase tudo ele está, mas um sujeito ele não é, pois perdeu sua subjetiva ao se transnaturar de animal pra coisa, instrumento.

A humanidade, com todas as evidências contrárias insiste em refletir. Que bom! Mas pensar é justamente o bom contrassenso que a deixa em crise. Sorte que a crise é o terreno da filosofia e esta é um dos únicos domínios que a subjetividade pode existir ainda. Pensemos e ultrapassemos a crise existencial e talvez voltemos a ser humanos.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

A morte do "outro"

 


Nós não nos constituímos sem o outro. Não há como o homem se tornar humano sem o juízo do outro. Nós somos maus críticos de nós mesmos. Não conseguimos nos ver com a mesma clareza com que espelhos, mesmo disformes nos veem. Assim a cada passo, mesmo que o outro seja outro eu, o eu-mesmo, a consciência, estamos necessitados do julgamento, do amparo da opinião do outro. Assim o filósofo Umberto Eco, no livro Os cinco escritos morais, dentro do capítulo Quando o outro entra em cena, nos diz que:

Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca, o faz em momentos excepcionais, mas pelo resto da vida está lá a mendigar aprovação, amor, respeito, elogios a seus semelhantes. E mesmo àqueles a quem humilha ele pede o reconhecimento do medo e da submissão. Na falta desse reconhecimento, o recém-nascido abandonado na floresta não se humaniza (ou, como Tarzan, busca o outro a qualquer custo no rosto de uma macaca), e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos tivessem decidido não nos olhar jamais ou comportar-se como se não existíssemos.

Como então houve ou há culturas que aprovam o massacre, o canibalismo, a humilhação do corpo de outrem? Simplesmente porque essas culturas restringem o conceito de “outros” à comunidade tribal (ou à etnia) e consideram os “bárbaros” como seres desumanos. (ECO, 1998, p. 95 e 96)

Assim vemos a importância do outro para nós e também como transformamos tanto o outro em bárbaro comumente, no dia-a-dia, desumanizando-o. Transformando um parâmetro em algo nulo, inexistente. É o que fazemos a cada um que ignoramos. Decompomos o ator mais importante em nossa formação em pó, cinzas. Assim o ser coletivo, formado por suas relações se torna individualista, pseudo-autônomo ao tentar anular os outros em nome de sua singularidade, de que seja notada suas particularidades. O homem político que age em busca do acordo para o bem do grupo desaparece depois de se alimentar dos outros, que não pretende retribuir. Assim caminhamos nós a humanidade, ou melhor, a desumanidade

domingo, 13 de abril de 2025

Helô



Pé ante pé vou caminhando

Sofrendo as pedras do caminho

Respirando acúleos

 

O perfume de Rosa

Me soa inodoro

A insipidez foge meu espírito

 

Gosto acidamente da pétala

Raspar tua perfeita cútis

Com a aridez do meu desejo

 

És trilha?

Pleno jardim?

Luminoso mistério?

És vida.

 

Arte existencialista

A beleza da eterna mudança

Sonhar o imprevisível

Desfrutar do inesperado

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Falta

 

A falta é um dos sentimentos mais complicados para o ser humano. É muito difícil lidar com o que é ausente. Como lidar com o que inexiste, ou o que importa é justamente sua inexistência momentânea. Imagine algo/alguém, um momento, um fato que você deseja mais que tudo mesmo que instantaneamente. E no momento seguinte, como passe de mágica aquilo some. Já não está lá. E nada do que você possa fazer pode retomar aquele momento de contemplação, simbiose, aprendizado, prazer, descoberta, etc.

Certamente a situação é muito complicada. Com certeza causa uma tristeza/decepção sem paralelo, pois é uma perda tão súbita que nenhuma racionalização/reação é imediatamente possível. Causa uma depressão, que embora seja aguda, pois a racionalidade sempre volta a operar, é profunda e desesperadora como qualquer queda abrupta das funções do cérebro ou da autoestima/desejo de sobrevivência.

Algumas circunstâncias emocionais da vida nos levam a isso. Pequena é a possibilidade de controlar. Mesmo não sendo impossível controlá-las, quase sempre não realizamos nenhum esforço no sentido de controlar essas situações. Geralmente estamos presos à sensação do momento que nos marcou tanto. Como se o universo estivesse preso e concentrado num determinado momento.

Por incrível que pareças, embora extremamente preciosos, estes magnânimos momentos não são necessariamente raros e podem até repetir-se com determinada frequência. Acontece com o crente fervoroso no culto ou missa. Do mesmo modo com o fanático torcedor em partidas de seu time. São momentos tão especiais que o seu término por contraposição são extremamente sentidos.

Os momentos mágicos de convivência com seres maravilhosos estabelecem a mesma dinâmica. Sentimo-nos vivendo um instante excepcional em sua presença, mas o baque após nos despedirmos desse momento mágico é trágico. É como se o mundo inteiro desaparecesse por instantes até que a situação pudesse ser compreendida e sublimada pela consciência. Afinal apesar de maravilhosos e singulares, não são únicos e não constituem toda a vida.

Bom... na falta de uma maior sensibilidade ou poética deixo meu texto assim. Fica assim, não tão bom, por falta de talento. Mas espero ter escrito legivelmente e provocado reflexões. Quem sabe um bom comentário. Quem sabe algo que traga mais luz à questão.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

O amor na ética de Bento de Espinosa

 


Baruch Spinoza ou Bento de Espinosa, funda sua ética no ser humano e na sua ideia do Criador como ser imanente, “Deus, isto é, Natureza”, ou seja, desdiferenciando a divindade que tudo vê, tudo sabe, da natureza, do universo, de tudo o que existe. Obviamente, despersonalizando o Criador, por um princípio simples: se não havia nada senão Ele, tudo o que foi criado, objetiva-se a partir dele próprio. Por consequência, aos homens é dado o poder criador, pois eles são particularidades da única substância existente: o Criador.

Embora a história recaia num fatalismo, pois o Criador está em todos os tempos e espaços e, assim, já conhece o futuro. E se este já é conhecido, está fatalmente determinado. O homem, substância finita (para Descartes) ou atributo (para Spinoza), não conhece o futuro, para ele não está determinado, por essa razão se torna se torna irremediavelmente artífice de seu futuro ainda desconhecido. Com essa ideia, Spinoza geometrizando ideias de Descartes, retira a ideia de que os homens estariam reféns de um Deus externo para a confecção de seu futuro. Ideia predominante na Idade Média.

No entanto, um aspecto que se destaca nos livros de Spinoza é a sua concepção de um amor político para costurar a ética de fato. Também se destaca a crítica aos que tentam negar a natureza humana em prol de uma concepção humana fictícia na qual o amor é tratado com desdém, quando não com desprezo:

A maioria dos filósofos concebe os afetos que em nós travam combate como vícios em que os homens caem por sua culpa; por isso habituaram-se a rir deles, lamentá-los, maltratá-los e (quando querem parecer mais santos do que todos) detestá-los. Acreditam, assim, fazer coisas divinas e elevarem-se ao cume da sabedoria, prodigalizando toda espécie de louvores a uma natureza humana que não existe em parte nenhuma e ferindo com seus discursos aquela que realmente existe. Concebem os homens não tais como são, mas como gostariam que fossem. Eis por que, quase todos, em vez de uma ética, escreveram sátiras, e não tiveram sobre política ideias que pudessem ser postas em uso, concebendo-a como quimera ou utopia. [...] Por esse motivo, acredita-se que, de todas as ciências que têm um uso, é na política que a teoria passa por mais discrepar da prática, não havendo homens que se estimem menos idôneos para dirigir a República do que os teóricos, isto é, os filósofos. (SPINOZA, In Tratado Político).

A própria definição de amor de Spinoza, mostra o quão politico é o papel do amor, se pensarmos a política como a arte de criar relações, de relacionar as pessoas como concebera Aristóteles e, depois de Spinoza, Hannah Arendt e Jüngen Habermas. Assim explicita, Baruch Spinoza:

Amor é fruição de uma coisa e união com ela [...]. Do amor [diversamente da admiração e de outras paixões] é próprio jamais nos esforçarmos para dele nos livrarmos, por impossível. E é necessário que não nos livremos dele. Impossível, porque isso não depende de nós, e sim do que vemos de bom e útil no objeto e, se não quiséssemos amá-lo agora, seria preciso que primeiro não o conhecêssemos, mas isso não está em nossa liberdade ou não depende de nós: se nada conhecêssemos, nada seríamos. Necessário, porque a fraqueza de nossa natureza impediria que existíssemos se não fruirmos de algo que nos fortaleça e a que nos unamos. (SPINOZA, in Breve Tratado).

Que ainda adverte que “toda nossa felicidade ou infelicidade nisto reside: na qualidade do objeto ao qual nos unimos por amor” Baruch Spinoza (in Tratado da emenda do intelecto).

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ansiedade e Angústia

 


A ansiedade ou a angústia são sensações que muito nos incomodam. Nós sabemos o tanto que nos impacienta, irrita. Mas a ansiedade ou angustia é sem dúvida um motivatriz imperioso tanto para construir e acelerar a constituição de institutos, sejam estados nacionais, sejam personalidades quanto para destruir esses mesmos imperativos categóricos pessoais, legais ou estruturais.

O ser angustiado é o que mais se determina em produzir. Isto quando não é preso pelo contra-movimento arquitetado pelo mesmo sentir. O ser angustiado não pondera faz. E quando erra conserta muito mais rapidamente que os outros, pois por ela se move.

Vivemos numa sociedade de medos paralisantes e cada vez menos angustias. O que é um dado ruim, pois tendem a lentidão as histórias pessoais dos incautos covardizados pela indústria do medo que impera e nossa sociedade. Hoje, mais profundamente que no Feudalismo, o sujeito pode até morrer de inanição, mas resiste em sair para a rua, para o espaço público.

É necessário que tenhamos angústias, tesão em fazer as coisas. É vital que vivamos a cada momento com o maior prazer possível e angustiados por um novo dia. Só quando vivermos assim é que será possível reformar todo o entendimento das sociedades e viável um novo entendimento estrutural. Não é possível conseguir viver num mundo melhor se não tivermos uma extrema, constante e insuportável angústia por justiça. Uma sede de democracia plena e uma fome de liberdade. É preciso viver organicamente a sua própria história, avaliá-la por uma filosofia da história a critério próprio. Igualmente necessário viver intensamente a história de seu grupo, avaliando-a segundo critério coerentes. E finalmente, abreviando, é vital viver a história da humanidade, com um espírito crítico e autocrítico exacerbado.

domingo, 6 de abril de 2025

A paixão (3 de 3)

 Quisera tocar-te para saber

Se a seda é tão lisa quanto tua derme

Quisera cheirar-te para auferir

Se o odor das rosas tem teu cheiro

 

Quisera apreciar se tua densidade

É tão densa quanto o algodão

Quisera sondar-te para confirmar

Que nem a mais bela escultura tem tua forma

 

Queria, pois ao desfazer-me dessas minhas certezas

Restar-me-iam somente as ilusões

Pois se há seda em tua pele

Rosas em teu cheiro

Algodão em sua textura

E beleza em tua forma

Nada disso a descreve

A paixão (2 de 3)

 Eu que passo assombrado pela vida

Paro observo, vivo, depois descanso

Ao ver-te contemplo mil milênios

Todas as maravilhas anunciadas

 

E posto que parado

Analiso tamanhas qualidades

Penso serem incompatíveis

Ou impossibilidades evidentes

 

Penso em seguir

Mas já não sou o mesmo

Por isso prossigo

Parado a te observar

A paixão (1 de 3)

 Ó tênue sol de minha vida

Que longinquamente reluzente brilhaste

Aqueceste-me uma primavera

Prometendo-me eterno verão

 

E eu que me apossei de tuas promessas

Eu que me apressei em minhas aflições

Eu que me encontrei em minha desesperança

Ao perder-me em tua calorosa recepção

 

Quisera eu o sol de Ícaro

Para romanticamente estatelar-me no chão

Mas o teu sol não derrete as penas

Apenas queima, dilacera minhas veias

 

Quisera eu a insensibilidade de Afrodite

Para da tua forjar a minha esperança

Mas é Diana Guerreira

E a indiferença é o que sobra

sábado, 5 de abril de 2025

Os intelectuais segundo J.P. Sartre

 


Jean Paul Sartre no livrinho Em defesa dos intelectuais sugere a definição mais democrática que conheço de intelectual. Uma acepção que possibilita que todos, independente de classe social, sexo ou idade sejam potencialmente intelectuais. Também mostra muito mais claramente duas ideias marxistas presentes tanto em Gramsci como na Escola de Frankfurt: o domínio do capital através da educação, da técnica e da ideologia e a própria ideia de Karl Marx sobre a ideologia como uma falsa noção que engana as pessoas.

Sartre mostra que os intelectuais nascem dos técnicos, funcionários de mediação entre o capital e os trabalhadores, formados nas universidades com o dinheiro do capital para servi-lo. Estes nem são capitalistas, nem são proletários, nascem das camadas médias e internalizam sua inadequação de não pertencer a nenhuma classe, nem serem capitalistas, nem trabalhadores típicos. Ao internalizarem a contradição de serem trabalhadores explorados como os típicos (os quais deveriam defender por similitude), mas defendem os capitalistas e o pequeno poder que receberam para intermediar a relação. Ao perceberem o conflito dentro de si, utilizam sua formação burguesa para defenderem os explorados como eles. Tornam-se intelectuais. Como exemplo dessa mudança Jean-Paul Sartre diz que:

“Caso se queira um exemplo dessa concepção comum do intelectual, direi que não chamamos de “intelectuais” os cientistas que trabalham na fissão do átomo para aperfeiçoar os engenhos da guerra atômica: são cientistas, eis tudo. Mas, se esses mesmos cientistas, assustados, reunirem-se e assinarem um manifesto para advertir a opinião pública contra o uso da bomba atômica, transformam-se em intelectuais” (Jean-Paul Sartre, 1994, p.15).

Estes enquanto técnicos usam o pouco humanismo de sua educação eminentemente técnica para justificar suas atitudes e se autojustificar com um universalismo teórico, que não resiste a qualquer análise histórica convincente. Assim “quaisquer que sejam os fins da classe dominante, o ato do técnico é, de início, prático, o que ele tem por meta o útil. Não o que é útil a esse ou aquele grupo social, mas o que é útil sem especificação nem limites” (Jean-Paul Sartre, 1994, p.26). Apesar de saber que a criação de qualquer técnica ou produto imediatamente o colocará dentro das restrições da sociedade de consumo. Pois estes serão vendidos e, de acordo com o preço, somente os privilegiados que derem conta de pagar os usarão. Assim dissolve-se toda a universalidade. O intelectual absorve mais essa e tantas outras contradições também.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Entre o desejo e a ética

 


Nós vivemos num mundo de desejos. Digo o nosso mundo humano, porque aos outros animais não é oportuna a concepção de aspirações ou volições. Os animais executam exatamente o que querem e pagam um preço caro, barato ou nenhum por isso. Pouco lhes importa. Não há todo um quadro de valores a sustentar suas convicções, não há previdência. No máximo há providência quando a necessidade encontra a oportunidade. Algo também muito comum e conhecido pelos humanos.

Nós humanos naturalmente desejamos tudo que nos faz bem, que nos afeta sensivelmente (pela visão, tato, olfato, paladar ou audição) ou sentimentalmente (pelo afeto, desprezo, simpatia, heterofilia). Vale lembrar que simpatia, por definição é o gosto ou aproximação por valores iguais ou exaltação deles (sym+pathos). Heterofilia é o gosto pelo diferente. Não creio que há mal intrínseco em desejar. Talvez algum extrínseco, afinal somos seres civilizados e por isso podado de muitos de nossos mais majestosos instintos.

Mas nossos instintos não combinam com nossa civilidade e isso é complicadíssimo. Não combinam nem mesmo com a ética: não posso fazer tudo o que eu quero sem desrespeitar o outro. Nem mesmo se em meu código de responsabilidade e de interação não estaria cometendo um erro. As éticas pessoais (éticas sempre se referem ao coletivo, mas são escolhas pessoais dentre o aceitável e o aprendido) quase nunca são as mesmas. Seria uma novidade se dois sujeitos compartilhassem exatamente de uma mesma visão de mundo.

Nossa condição humana nos leva a um corredor sem fim de desejos mesmo sem a indústria cultural nos inculcar ainda os desejos até então inexistentes e até então desnecessários. Até nos fazer desejar o próprio desejo do desejo. Acabei dando uma volta, mas escrevi esse último parágrafo mesmo só pra lembrar como nós humanos estamos enredados nos “nossos” próprios desejos. Meu foco não são os desejos criados. São os desejos reais e apenas aceitarei os ilusórios criados pelo autoengano, pois quando enganamos a nós mesmos, nada pode ser mais real.

Não pretendo considerar que o desejo é uma coisa boa ou ruim em si. Sem o desejo muita coisa não teria sido inventada ou manufaturada, criada, concebida. Mesmo o desejo do impossível levou o homem a novas épocas, conduziu a novas tecnologias, a novos pensamentos. Toda grande mudança pessoal ou coletiva nasce de uma utopia. Mesmo os desejos mais complicados, difíceis tiveram que ser sublimados e por vezes sua expressão criou expressões de arte magníficas, belas e supremas.

O conflito entre desejo e possibilidade, muitas vezes leva a compreensões éticas e estéticas formidáveis. Se eu colo os lábios no texto (não os meus) é porque não teria melhor compreensão se colasse os ouvidos, os olhos, talvez o magnífico dorso. Não seria possível imaginar melhor leitura do desejo. A vida é uma dura batalha. Felizmente é ética.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Única certeza

 Passo ante passo

Avanço pela existência

Sem crer nem descrer

Na realidade

 

Essência concreta

Ou obtusa

De retidão duvidosa

 

De como contornar a vida

Viver o essencial

Dos sonhos perdidos

 

Espalhar pelo jardim

Os saborosos devaneios

A rescender suas utopias

Concretizando todas as dúvidas

 

Que preencherão solidamente

A única certeza:

Não existo, mas permanece algo

terça-feira, 1 de abril de 2025

O imperativo técnico

 


Quando impera o individualismo e a técnica transforma o tempo criado em dinheiro só há pressa, pouca disposição de sentar e conversar. Isso atinge diretamente as ideias de Arendt e de Habermas. Hannah, como dissemos, vê a política como interação. Habermas, provavelmente a partir das constatações de Arendt, tocada pelo ocaso, crepúsculo, desaparecimento da política encontra a solução para o domínio da técnica na comunicação, interação tão pedida por Hannah Arendt.

Arendt vê na perda de importância da política e sua mudança de razão, não mais o bem público construído pela interação (direta ou indiretamente) de todos os cidadãos, passando a servir de pretexto para motivos individuais, o que leva ao totalitarismo como última consequência. Temos como exemplo os desmandos de muitos de nossos governantes visando vantagens individuais ou para seus grupos.

Fruto do declínio da política, ninguém mais se interessa por participar dos governos ou das decisões que influenciam a vida das pessoas. Nós sempre estamos interessados por nossas inquietações particulares. Habermas chegou a pensar em pôr no centro das decisões o diálogo com a teoria da ação comunicativa, mas as pessoas preferem delegar às outras especializadas em determinados assuntos à autoridade de decidir para decidir por elas. É só mais um aspecto do comodismo e da cultura da técnica. Assim, à grosso modo, "quem tem que fazer é quem sabe".  Isso acontece até com nossa política, na qual os cidadãos foram substituídos por políticos profissionais, técnicos da politica, portanto.

Assuntos incentivados por nós, mas levantados por eles, como, por exemplo: - eu acho que minha casa deveria ser azul. Eu ficaria muito feliz, confortável se fosse azul, mas vem um arquiteto e diz que tem que ser verde por mil razões técnicas. Eu descontente acato a decisão dele porque ele é um perito no assunto. Afinal quem sou eu? Um pobre coitado com senso estético pra discutir com um urbanista?

Do mesmo modo na política. São os técnicos que decidem. Não a comunidade. Mesmo nos orçamentos participativos (uma grande evolução) dá dó ver como os técnicos ignoram a população e como manipulam as falas. Até porque:

 

O meio da cultura do amoralismo é o treinamento de técnicos que supõem que os fins são dados (ou que não importam), de modo que suas preocupações são simplesmente com os meios, com as táticas, com as técnicas. Se às crianças não é dada a oportunidade de pesar e discutir tanto os fins quanto os meios e suas inter-relações , elas provavelmente tornar-se-ão céticas a respeito de tudo, exceto seu próprio bem-estar. (LIPMAN, 1990. p. 31)

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...