Vivemos em um mundo que valorizou excessivamente a ideia de indivíduo, a noção de sociedade. Uma sociedade ilimitada de fato. Não há melhor definição para um empreendimento onde os sócios não são conhecidos e nem se conhecem ou interagem (como pede uma boa política). Não há ideia melhor para coordenar as ações isoladas de seres que inexistem para os outros que a ideia da mão invisível de Adam Smith. Alguma coisa tão imperceptível como o espírito da história de Hegel a organizar as ações para o melhor proveito do sistema, digo, do empreendimento, ou seja, da sociedade, porém muito menos explicável.
Não bastasse
isso, como uma sociedade financeira e financista, tudo é orientado para o
consumo. Absolutamente tudo é consumido. Nada escapa à missão de satisfazer
desejos, numa espécie de pesadelo budista, onde como previa Sidarta Gautama, um
desejo leva a outro e o outro a um novo, numa cadeia infinita de desejos,
felicidade instantânea e uma eterna insatisfação por não alcançar nunca o
último desejo. E nós consumimos tudo: coisas, sentimentos, pessoas, ideias,
descanso, lazer, etc. Tudo dentro da lógica Aristotélica de que o único
fim-em-si é a felicidade, mas com o adendo de que esta nunca pode ser alcançada
pelo espiral de desejos.
Num mundo que
nos anula, nos reifica, nada mais natural de que não possa se falar de
humanidade. Sem humanidade, fica impossível existir o humanismo. Talvez seja
melhor num mundo como esse desistir do conhecimento, fixar-se apenas nas
informações. Esquecer a ontologia, a ética e a epistemologia e nos ligarmos na
cibernética, pois só importa a informação. O conhecimento e a reflexão não
cabem mais nesse mundo de inputs e outputs.
Sem humanismo,
sem humanidade, atormentado pela reificação e pelo niilismo, o “homem”
encontra-se perdido, totalmente sem parâmetros. Sobretudo num mundo rápido em
que a técnica toca o mundo na sua velocidade e arrasta os homens, que em nenhum
momento param e pensam: “poxa, eu sou um homo ludens. Sou eu que faço a
história e sou feito por esta. Não fatores estranhos às minhas interações”. Num
mundo estranho desse, o “homem” se sente completamente inadequado. Não há mais
base nenhuma para seus pensamentos. Nenhuma garantia. O sistema funciona
independente dele. O que ele faz no mundo? Qual a sua missão? Que importância
tem? Toda a personalidade, de persona, pessoa, é perdida.
Sobra ao ser
humano uma crise de personalidade. Ele acredita ser algo, mas a todo instante o
mundo lhe mostra que ele não é nada. Ele pensa em coisas bonitas. Tem
convicções utópicas da época do humanismo, acredita ser gente. Mas isso pouco
importa. Assim estão criadas as condições da crise perpétua. Uma crise de
personalidade que se funda ora na inadequação, quando o ser acredita ser algo
ainda, ter personalidade. Ou na anulação, quando o ser descobre que sujeito a
quase tudo ele está, mas um sujeito ele não é, pois perdeu sua subjetiva ao se
transnaturar de animal pra coisa, instrumento.
A humanidade,
com todas as evidências contrárias insiste em refletir. Que bom! Mas pensar é
justamente o bom contrassenso que a deixa em crise. Sorte que a crise é o
terreno da filosofia e esta é um dos únicos domínios que a subjetividade pode
existir ainda. Pensemos e ultrapassemos a crise existencial e talvez voltemos a
ser humanos.
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