O mundo é organizado pela técnica, nós sabemos disso. O pragmatismo, que leva o homem a um comodismo e insegurança sem precedentes na história antes da idade moderna, criou uma pretensa “objetividade neutra”. À pretexto de tornar a sobrevivência no mundo muito mais fácil, de racionalizar, organizá-lo desde a idade antiga o homem criou a técnica. Arquimedes começou esse problema ao propor “deem-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Era o começo de uma história que terminaria na supremacia incontrolável da técnica, afinal quem é contra uma comodidade? Só quem não dispõe dela.
Assim a
técnica se tornou algo indiscutível, sobre a qual nem mesmo seus valores são
possíveis de serem discutidos. A técnica se autoqualificou “neutra”. Essa falsa
neutralidade talvez seja o maior problema da técnica, pois pressupõe que alguma
ação humana esteja fora do alcance da subjetividade, não seja influenciada por
valores e não os transmita. Sobre esse assunto, um recorte do livro de Myles
Horton e Paulo Freire (O caminho se faz caminhando):
“Acadêmicos,
políticos, todas as pessoas que supostamente devem estar dirigindo este país
dizem que precisamos ser neutros. Assim que eu comecei a examinar a palavra –
neutro – e seu significado, ficou bem claro para mim que não existe essa coisa
a que chamam neutralidade. É uma palavra-código para o sistema vigente. Não tem
nada a ver com nada a não ser concordar com aquilo que é que sempre será – isso
é que é neutralidade. Neutralidade é simplesmente seguir a multidão.
Neutralidade é apenas ser o que o sistema nos pede que sejamos. Neutralidade,
em outras palavras, era um ato imoral (...) Neutralidade. É por isso que a
neutralidade é a melhor maneira de esconder uma escolha, veja só. Se não
estamos interessados em proclamar nossas escolhas, então dizemos que somos
neutros” (HORTON, 2003, p. 115 e 116).
Assim somos
enganados pelo monstro que criamos e aceitamos ser devorados desde que o
processo seja lento, indolor e não nos canse. Mas a promessa do ócio não parece
ser cumprida nunca, já que o trabalho invade até o nosso lazer. E coisas como o
Ócio criativo de Domenico de Mais, reforçam essa impressão. O ócio não era pra
ser exatamente o descanso da atividade criativa, produtiva? As perversões do
homem pelo trabalho devem explicar isso. Eu não. Mas pensemos. A neutralidade é
exatamente isso, se tornar escravo de um sistema que hoje já independe da ação
dos homens para se reproduzir indefinidamente.
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