Acompanham

sábado, 31 de maio de 2025

Passionalidade esportiva

Premiar minha derrota

É assim que vejo o troféu

Vencer não me acrescenta nada

Tão pouco tira

Minha paz

Perpetua

Essa ficção kantiana

Que ecoa em meus ouvidos

Dilacerando o paciente olhar

Para o imaginário horizonte

Um fim do mundo sem cor

Colore minha imaginação

Ofusca meus desejos

Tranquilo sigo

No costumeiro desespero

A maré

Não bole minha paz

Mas me afoga em afagos

Sinto uma onda vindo

(Cheirei ou fumei o Vila Nova?)

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Integrado

Em meio ao nada cá estou

Envolto em uma multidão de afeições

Contraditórias, porém construtivas

Um sistema inteiro de contradições

Um prisma completo

Em seus incontáveis ângulos

Tão complexos quanto

Cabem a uma individualidade

Imersa a moda de ser diferente

Pra não se diferenciar do resto

Ser aceito por todos

Como um mesmo

Dentro da regra de ser individuo

Particularmente um sujeito

Sujeito a todas as regras

Que o garantem como mais um

Aceito, integrado no mesmo sistema

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Reflexões e inquietudes

            


           Possivelmente eu devo começar uma investigação de um tema interessante ou de algo em torno dele. Não conheço autores que tenham pensado especificamente sobre o foco que ando avistando. Mas possivelmente existam milhares ou pelo menos centenas.

Kant produziu um panfleto que distribuía na porta da igreja da convicção dele, a luterana: Resposta à pergunta: Que é o esclarecimento. Nesse texto, Kant defende a autonomia intelectual através do uso da razão autônoma. Sua crença na racionalidade o levou a escrever obras como Paz Perpetua, que nos soa hoje mais como uma utopia fictícia do que uma obra filosófica racional. Poderíamos usar inclusive a principal critica a sua visão de mundo para justificar: a vontade se sobrepôs à razão e a usou para justificar os seus desejos.

O ocaso da razão como motor do mundo, o ideal iluminista, começou com as descobertas freudianos que debilitaram o ego. As mostras da impotência da razão sobretudo demonstradas por Nietzsche. Também a demonstração de como o trabalho e o meio do trabalho formam o ser humano feita por Marx. Mas não vou me alongar nisso porque embora demonstrem a insuficiência da razão não mostram a situação atual, muito mais caótica.

Estamos numa era em que a velocidade aniquilou a reflexão. O excesso de informações inviabilizou a razão. É tudo tão caótico não é possível deliberar sozinho, conjuntamente com a consciência ou em grupo adequadamente. Nem mesmo no ocaso da razão, se mover com vistas a um desejo coletivo. Possivelmente nem deliberar para atingir desejos próprios mais elaborados. Desse modo, os indivíduos, que no coletivo formam a sociedade, vivem pra suprir seus desejos mais urgentes quase como se fossem necessidade. Assim destruindo todos os escombros restantes da racionalidade.

Vou me afundar nesse tema. Espero com o tempo compreender a sociedade do consumo instantâneo que magicamente dissolve a si mesma. Não sei mais nada! Desculpem! Por ignorância termino o texto aqui...

quarta-feira, 28 de maio de 2025

A oralidade, a escrita, a máquina de escrever e o computador

              


          Um técnico brasileiro com cidadania na capital mais nova do Brasil. Talvez o maior técnico brasileiro desencavou uma grande verdade: todos os técnicos campeões do mundo pela seleção brasileira eram brasileiros. Notável verdade! Todas as grandes obras do século XX e talvez do XIX foram escritas em máquina de escrever. Outra verdade! Talvez na década passada (e, portanto, muito recentemente) ainda existissem autores que escrevessem em maquinas de escrever. Hoje devem ser incrivelmente raros dada a facilidade que os processadores de texto possibilitam para escrever, reescrever, mexer no texto.

Não há menor dúvida de que a maquina de escrever produz textos melhores que o computador por seu ritmo mais lento e as constantes possibilidades de reflexão. Como não há plena certeza de que a escrita é ainda muito melhor. Produz textos muito mais elaborados pela possibilidade de escolher palavra a palavra dentro da própria escrita, sobretudo para alguns como eu que precisam desenhar as palavras devido a sua péssima ortografia. Os gregos até a sua decadência não aceitavam sequer escrever suas obras. Certamente o Theodor Adorno certamente seria fã disso porque cada exemplar seria de certo modo original por causa do telefone-sem-fio ou fofoca, ou seja, a cada narração de uma obra haveria peculiaridades.

Até a invenção da impressão, as obras eram escritas e copiadas a mão. O que até garantia certa originalidade a cada obra ou conjunto de obras. Depois de Gutemberg imprimir a bíblia, imagino que muita gente protestou contra aquela pasteurização toda das obras. Os autores até gostaram porque as obras passaram a ser mais fidedignas ao que escreveram. Os leitores perderam a originalidade de seus artefatos comprados. A história anda e ninguém escapa das ações dela. Sim, é possível que muitas obras daqui em diante continuem a ser concebidas em escrita manual. Mas é extremamente improvável que o sejam através de maquinas escrever, visto que essas já são uma mediação muito artificial. Nesse nível de artificialidade os computadores são incrivelmente melhores. Na escrita não. Porque a escrita é um exercício e um desenhar ao mesmo tempo.

Ou seja, um fato do passado não é verdade indefinidamente. Até hoje nenhum técnico estrangeiro foi campeão da copa do mundo de futebol. Não quer dizer que não o possam ser. Nem que futuramente haja mais técnicos estrangeiros campeões do mundo que nacionais. Que o Brasil seja o país pioneiro nisto, como já foi em muitas outras coisas. Aliás, acho temerário qualquer ser humano ser profeta. Temos demasiados exemplos de grandes pensadores que foram justamente contestados e até descredibilizados por em algum momento quererem descrever um futuro. O passado só serve para evitar a repetição de erros futuros. Os acertos? Esses precisam sempre ser construídos. As ações, no sentido arendtidiano, é sempre um nascimento. É sempre algo novo.

Presente

Fui e me perdi

Achei a vida

Em meio aos seus remendos

Compreendi a inteireza

De cada universo

Descrito

Escrito

Elaborado

 

Em meio as incompletudes

Me achei

No meio perdido

Preenchido

Pela experiencia

De viver completamente

Imerso

Largado

Interagindo

Com o sempre novo

 

Isso é viver

Sem temores

Nem expectativas

Sem passado

Nem futuro

Só presente

(presente em minha vida, vivo)

terça-feira, 27 de maio de 2025

O desejo


 

Os séculos XVIII e XIX (1701 a 1900) foram majoritariamente a reação do Ego ao Superego. Ou seja, a reação a eras de uma autoridade externa interiorizada com a afirmação de uma razão individual, o tal do Iluminismo. Uma reação da Idade Moderna à idade Medieval de poder teocrático dos déspotas. A troca da autoridade teológica gradualmente pela cientifica. Na segunda metade do século XIX começa o ressurgimento do Id. Percebe-se que a razão não governava nem os mais fervorosos racionalistas.

No final do século XIX fica mais evidente ainda quando Sigmund Freud lança a interpretação dos sonhos. Passa a ficar óbvio que a razão é muito frágil perto da força dos instintos. Todo mundo tem Id, Ego e Superego. Ninguém deixou de ter alguma dessas instituições em nenhum momento da humanidade. Mas é uma ilustração tosca do pensamento das épocas.

A música todo mundo vai sofrer composta por Diego Silveira, Junior Gomes, Lari Ferreira e Renno Poeta e cantada por Marilia Mendonça trabalha com a ideia do desejo muito próxima a concepção de Arthur Schopenhauer (e mesmo de Buda) para o qual o desejo traz sofrimento inevitavelmente. Quem eu quero, não me quer/ Quem me quer, não vou querer/ Ninguém vai sofrer sozinho/ Todo mundo vai sofrer.  Para Schopenhauer a solução é o afastamento, a fuga. Para Sidarta Gautama a saída é a iluminação: sabendo o que os desejos provocam controlá-los, sublimá-los.

Nietzsche acreditava na afirmação do desejo, especificamente do desejo de poder. Contrariando Schopenhauer não diria evita o doce, mas sim chafurda no doce, submeta ao pote de doce aos seus desejos. Ou seja, Nietzsche submete a razão aos desejos porque o desejo de poder pode fabricar uma nova razão. Kierkegaard nem submete a razão, ele acredita num salto de fé para superar o obstáculo da razão.

Acabou

Acabou sem terminar

O tempo finda

Tudo está sempre a reiniciar

 

O cruel reinicio

Constante, constantemente

A nos matar

 

Matar nosso tempo

Tempo é vida

Ela devia ser vivida

 

Nós não vivemos

Só nos preocupamos com a providencia

Esquecemos do hoje

Dispensamos a vida

 

Por sorte tudo morre

A morte por fim

Pode salvar nossa vida

segunda-feira, 26 de maio de 2025

O perigoso ato de escrever

     


    Nada mais perigoso hoje em dia que pretender se fazer entender. Os comunicadores infelizmente não sabem disso. Acreditam numa teoria tola baseada na racionalidade. Jornalistas acreditam que é possível repassar informações ou opiniões sem que estas sejam submersas no ambiente próprio ou de todos que intervieram no texto, seja como sujeitos, seja como objetos. Publicitários acreditam que podem influenciar os leitores a terem os comportamentos esperados. Mas esquecem o que Nietzsche disse aos positivistas: "Contra o positivismo que permanece parado junto ao fenômeno afirmando: ‘Só há fatos’, eu diria: não, justamente fatos não existem, apenas interpretações. Não estamos em condições de fixar nenhum fato ‘em si’: talvez seja mesmo um disparate querer algo assim. Vós direis então: ‘Tudo é subjetivo.’ Mas isto também já é interpretação: o ‘sujeito’ não é nada dado, mas acrescentado através da imaginação, inserido aí por detrás. – Ainda é necessário afinal colocar o intérprete por detrás da interpretação? Um tal ato já é poetização, hipótese. Uma vez que a palavra ‘conhecimento’ possui antes de mais nada um sentido, o mundo é passível de ser conhecido: mas ele pode receber outras significações. Ele não possui nenhum sentido por detrás de si mesmo, mas inumeráveis sentidos".

    Nietzsche está certo? Não sei. Sua própria filosofia o impediria de dizer isso. Na verdade, me impediria de ter a certeza de estar sendo fiel ao que ele disse. Também não é o meu interesse discutir se Nietzsche estava certo ou não. Se minha leitura é a correta ou não. Pouco importa. Minha convicção, que não posso garantir que é verdadeira é de que a obra é a leitura feita pelo leitor. Não o que escreveu o escritor ou a mancha gráfica no livro. Já alerto: bastante discutível como tudo que encontraremos aqui. E que bom que é discutível! Pois é justamente o que pretendemos fazer aqui discutir, dar impulso a discussões.

    Ainda não cheguei ao que desejo propor com o texto. Bom... mas já é um bom pressuposto. Vamos ao problema concreto que lhes proponho com um exemplo inicial: Imaginem que um grande entendido em algum filosofo ou literato escreva um texto onde tente simplificar pra tornar compreensível qualquer teoria e o faça com maestria, enfatizo com grande sucesso. Consegue, tipo, explicar o primeiro capítulo de fenomenologia do espírito de Hegel em poucas páginas, talvez até mais páginas que tem o supracitado capítulo. Há teses volumosas sobre esse primeiro capítulo ou mesmo sobre o primeiro ou segundo paragrafo do mesmo.

    Imaginem, não é preciso muito esforço, pois todos fazemos isso, que alguém leia o texto explicativo do tal gênio que conseguiu explicar magicamente o texto de Hegel e preencha todos os espaços vazios ressignificá-lo na mente ou torná-lo plenamente compreensível. O texto não será mais do autor ou do livro, mas do leitor que baseado em suas experiências e compreensões imprimiu novos significados ao texto. O leitor pode ter entendido plenamente a síntese feita pelo nosso genial escriba. Pode não ter deturpado nada das teses propostas pelo escritor ou pelo texto, mas as tirou de um ambiente e o colocou no meio dele no qual flutuam suas experiências e convicções. 

    Por isto que eu digo será de imensa coragem, quiçá temeridade escrever aqui. Escrever é colocar a cara à tapa não pelo que escreve. Todos nós estamos dispostos a assumir nossas convicções. Mas pelo que os outros entenderão de nossos textos. Numa época em que a hermenêutica é tão maltratada pela falta de leitura. Em que leitores de interpretes julgam ter certeza sobre obras. A certeza que sequer seus autores tiveram. Uma época em que simplificadores canhestros ou funestos deturpam teorias que por vezes desmentem a própria leitura ou pensamento do autor ou sua escola ou época. Uma época em que as florestas não são preenchidas sequer por unicórnios, que apesar de fantasiosos viveriam bem em solo, mas por cachalotes ou orcas simplesmente porque estas existem.

    Repito, nesta época de péssimos leitores. brindo a coragem ou destemor de quem redige. Talvez seja necessário pensarmos que a educação do futuro se funde na exigência moral e fundamental da leitura. Prioritariamente dos autores e depois dos bons interpretes. Não estou me referindo a filosofia, mas a literatura como o todo. Pois não há base maior para o pensamento que toda a literatura. Só a leitura de boas obras pode nos conduzir a uma boa de todo o resto. Ler criticamente o mundo talvez seja a única tarefa que nos sobra. Para ser mais claro, não ser conduzido, seduzido pela facilidade das leituras alheias. É preciso lutar para ter a nossa, mesmo que possa se considerar impossível. O sujeito, mesmo que tenha se tornado para muitos de nós um conceito morto, deve ser o nosso horizonte: a autonomia.

domingo, 25 de maio de 2025

Irmão do milho

Antes de fenecer

O verde campo floriu

Rameou sua vida pelo solo

Frutificou seus esporos

Esporou o ambiente

Explorou a existência

Existiu como ser e ente

Espalhou-se antes de ser enrolado

Contaminou de vida nossa alma

Propôs cama macia

Mas enrolado feneceu

Ressecou

Tornou-se complemento

De sal e agua

sábado, 24 de maio de 2025

Judas

O canário cantou

Tocou a música pedida

Revelou o segredo

 

O que era sagrado

Se tornou público

A magia

Tornou-se rito

 

O que era contrato

Virou notícia

O que era raro

Tornou-se comezinho

 

Por 30 moedas de prata

Ou não

O que era relação

Prostituiu-se

(nasce um judas)

Budas

Pé ante pé observo o mundo

Este acelerado e ignorante

Fatos todos engolidos

Em plena indigestão

 

Assisto o replay

Das análises do ano passado

Repudio as notícias

Espero virar história

 

Vejo as manchetes

Click baits

Imbecilidade pura

O mercador que grita mais alto na feira

 

Esse barulho todo fere meus olhos

No meu ouvido bate o silencio da razão

Constrangido e bêbado

Fujo desnorteado tropeçando em meu próprio passo

 

Passo

Fujo dessa

Me escondo em mim

Quem sabe no nada

Querendo ser Buda

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Solidez Humana

 Ao longo do rio

Fluem vivencias

Seguem o curso

Individualizam-se as margens

Transmigram os viventes

 

Ao longo do rio

Correntezas

Correntes de fé

Mergulham os batizados

 

Sorvem-se bebidas

Águas que passarinhos

Bebem ou não bebem

Drink batizado?

 

E gente que molha roupas

Esfrega, pui

Canta

Retornam ao lar imensas trouxas

 

Do mar ao mar

De serra em serra

Flui determinada

A desinência humana

 

Somos água?

Seremos água?

Da água viemos e a água retornaremos?

 

 

 

Pequena carta sobre a cautela e o medo

 


Seria a precaução tão somente um medo? Seria a previsão um princípio do planejamento? Seria o medo saudável? E planejar? Com essas perguntas todas em minha cabeça começo este texto. Confuso, inquieto como sempre. O futuro, uma incógnita para a maioria de nós, parece-nos amedrontador por não o conhecermos, nem podermos controlá-lo. Poderíamos fazer um paralelo com o que diz Adorno e Horkheimer em dialética do Esclarecimento, no qual diz que o homem precisa explicar/dominar tudo por causa do seu horror ao desconhecido.

Assim planejamos o futuro e esquecemos o presente. Acovardamo-nos, ao não tentar nada inovador, não nos arriscamos com medo do fracasso. Repetimos a mesma velha fórmula, bastante cômoda, para alcançar o mesmo mínimo e garantido sucesso (sucesso?) de sempre. Continuamos a fazer mais do mesmo, acreditando ter realizado algo novo de novo. A mesma balela de sempre a nos conduzir ao autoengano.

O planejamento, com certeza é muito importante, sem dúvida, mas somente quando temos uma visão crítica suficiente para não cair na tentação de ser guiado pela previdência. Não há nenhum mérito em realizar o fácil óbvio. Planejar com ousadia o novo. Este sim é a tarefa do planejamento: inovar. É preciso se libertar do medo de quebrar a cara e encarar o mundo de peito aberto. Como seria belo isto! Mas o medo parece nos emparedar nas redes da cautela e do temor. Bom... pensemos sobre essa curta reflexão...

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Universal

Tinha um mundo todo a minha volta

Mas só via meu universo

Meu lindo umbigo

Alguns chamam de miopia

Minha falta de visão

Eu chamo de egocentrismo

Nasci pra ser antropocêntrico

Mas as comodidades

As dificuldades

O liberal idealismo

Me formou individuo

Quase um sujeito

Um universo-em-si

O universo se basta

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Incoerências

 


Hoje pensei em expor-lhe uma das contradições que acho mais interessante nas ciências sociais que norteiam nossas ciências humanas e boa parte da filosofia atualmente. O problema torna-se maior no momento em que os problemas afetam a compreensão da história. Todas as ciências hoje, mesmo as naturais e principalmente as humanas, são consideradas históricas, ou seja, ligadas a seu tempo e as contingencias do momento.

Tu bem sabes que Emile Durkheim, um funcionalista, um dos mais eminentes deles, pois fundou a sociologia cientifica moderna, acreditava que a sociedade era um sistema em equilíbrio. Também não ignoras que Hegel acreditava que a história apesar da dialética, do conflito de movimentos opostos, tinha um caráter progressista e positivo, tinha um espírito, um rumo certo. E que o próprio Karl Marx era fatalista quanto a historia. Claro... Inspirou-se em Hegel (leu ao contrário a dialética, mas se inspirou). Acreditava que o fim natural do capitalismo como regime que se autodestrói seria o comunismo.

As visões dominantes da história se consideram esta mesma fruto da ação humana, nada mais natural, também tem uma visão determinística ou fatalista em sua base. Espinosa em sua religiosidade mundana também impunha um certo fatalismo, mas desta vez solidamente construído, pois está imerso ao próprio mundo. O que aprendemos, estudamos ou cremos sobre a história é exatamente o contrário: a história é feita pelos homens desde a Grécia Antiga, onde havia a intervenção dos deuses, mas a história era humana ainda. Vale destacar que nós humanistas, que acreditamos no livre arbítrio, no trabalho como construção do mundo, embasamos nossas teorias em paradigmas que são conservadores (o funcionalismo) ou fatalistas (dialética positiva de Hegel ou negativa de Marx).

Portanto se o materialismo histórico ainda fundamenta as principais teorias históricas, sociológicas, antropológico-culturais e por mais que o marxismo original tenha crescido ou se modificado com Antônio Gramsci ou com os Frankfurtianos, ainda sobra certo fatalismo de Marx. Como sobra certo conservadorismo de Durkheim em quem melhor juntou as teorias sociológicas modernas e as disciplinou coerentemente: Max Weber.

Quer dizer, sem dúvida somos todos induzidos a acreditar coerentemente na única tese aprazível ou possível que é a de que nós fazemos a história a cada momento de nossa vida, mas toda a base das teorias que fundamentam nossa ciência crê num destino... Curioso isso. Não?

terça-feira, 20 de maio de 2025

Oração

Altíssimo vos clamo

Abaixa aqui

Vedes como somos formigas

Sonhando em ser cigarras

Vivemos o futuro

Não nos perdemos no presente

Tudo tem nos dado

De nada usufruímos

Vivemos a ansiedade

O que será do amanhã?

Estaremos mortos

Se não estivermos?

Mais um dia pra viver

Perdão Senhor

Por não desfrutarmos

Do presente que nos destes

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Vamos conversar sobre política e ética?

 


Como a base da concepção de Hannah Arendt de política é a idéia grega de uma política que primeiramente era uma interação e que não se separava da ética, achei importante discutirmos a relação entre política e ética numa concepção moderna ou pós-moderna, na qual política e ética encontram grandes problemas em conviver.

É por isso que julgo importante tentarmos responder algumas perguntas como: Ética na política, existe? Que ética é válida? Servem-lhe os mesmos parâmetros das outras éticas? Existem éticas particulares? Origens diferentes? O lugar de Nicolau Maquiavel. Poder e Estado. A concorrência de grupos pelo poder. Eleições são representativas? Os partidos o são? Existem partidos?

Pretendo nestas poucas linhas traçar hipóteses, na verdade pra mim várias teses bastantes defensáveis, porém polêmicas por afrontar a visão predominante na sociedade acerca do fenômeno ou dos fenômenos envolvidos. A primeira tese que eu queria afirma que a política não é um ofício, mas sim uma atividade e que, portanto, não lhe pode caber um código de ética em hipótese nenhuma. Aos ofícios da administração pública sim, a eles cabe a ética no desenvolvimento das funções.

Outra consideração necessária, e nesta encontro sólido apoio, é a contestação a éticas específicas. Não adianta um técnico do saber prático respeitar o código de ética de sua profissão e ser eticamente um mau cidadão. Então entendemos que não se poderem usar várias éticas de acordo com a circunstância. Não se pode ter uma ética profissional, outra de cidadão e outra de parlamentar por exemplo. A ética pessoal, geralmente a de cidadão deve servir como orientação em todas as ocasiões. Aliás, o termo código de ética é uma contradição em si porque ética não pode ser imposta. Ética não pode ser lei. Ética deve ser aceita, escolhida, adotada.

Se você puder aceitar esse prelúdio como verdadeiro, pelo menos provisoriamente, poderei desenvolver teses outras mais a frente.

Apesar de não necessitar ser alvo de uma ética específica, se essa pudesse existir, a especificidade e importância da política provocam o desejo dos cidadãos de que algumas normas a norteiem. No entanto por terem naturezas diferentes, uma possível ética na política não pode se servir dos mesmos parâmetros que as éticas funcionais. É bom lembrar que eu estou fazendo uma concessão, não creio em éticas específicas para determinadas profissões, apenas consinto que existam adaptações de uma ética geral à situações específicas.

Nicolau Maquiavel, filósofo estudioso dos romanos e conselheiro de uma forte família florentina, da qual saíram muitos Papas numa época em que a igreja agregou ao seu poder temporal, o poder político, é o criador do mais eficiente, não diria ético, manual de fazer política: O Príncipe. Seus práticos conselhos são acatados por políticos das mais diferentes ideologias, origens e representatividade porque são extremamente eficazes. Ele enumera inúmeros meios, nada probos, para alcançar o fim último de se manter no poder. Então a política que classicamente tem incontáveis fins, nesse caso acaba tendo um principal, quando não único, esdrúxulo fim.

Muitos pensadores como o italiano Antônio Gramsci se dedicaram a estudar o poder e detectaram a necessidade sentida por ditadores personalistas ou grupos em particular de se manterem no poder. Gramsci desenvolve uma teoria interessante baseada na cultura para determinar os mecanismos que estes usam para manter a sua hegemonia, outro notável conceito desenvolvido pelo italiano. Na verdade há todos esses mecanismos e é necessário segurar uma hegemonia, que é sempre muito instável, porque inúmeros grupos concorrem por esse poder.

Todos esses mecanismos, muito melhores desenvolvidos e explicados após Gramsci, estão presentes na política do cotidiano seja num bar, escola, restaurante, teatro, no senado e mais nitidamente ainda nas eleições, onde os mais variados estudos chegam à conclusão de que os mitos e desejos são muito mais importantes para a decisão de voto que a racionalidade. Por essa razão, creio que as eleições, pelo menos racionalmente, não são representativas. Quanto aos partidos, se fossemos observar estritamente as condições necessárias para se constituir uma agremiação do tipo um objetivo em comum, ideologia clara e comum entre os participantes poderíamos taxá-los de massa de manobra, nunca de grupo.

Bom... me desculpem todo o contorno ao tema, o qual demonstrarei que foi válido. Eu já tinha negado a pertinência de éticas particulares. Havia afirmado que uma pessoa só pode ter como regra de conduta um conjunto de princípios que determina todo o seu comportamento seja como pai, filho, irmão, médico, advogado, torcedor de uma equipe esportiva ou senador. Falei da particularidade da política como uma atividade e não um ofício ou função, os quais são denominados pelos cargos públicos aos quais são eleitos. Depois me embrenhei pelo pensador que mais orienta os políticos a exercerem a política com eficácia e potência, mas considerando que embora seus conselhos sejam pertinentes e eficazes, os mesmos são quase sempre contrários a uma ética de convicção. Expliquei também o motivo da utilização do conselho do estudioso romano: a permanência no poder. Usei uma ideia de Gramsci para fazer um complemento do assunto e fechar a seção. Cabe-me explicar o porquê de tudo isso. O objetivo da ética é nortear o sujeito a fazer racionalmente as escolhas de modo a contemplar seu ideal de mundo. Então quando dizemos que o critério de voto nas eleições tem muito pouco de racional estamos tirando a ética do objetivo de todos os candidatos que quando a evocam se referem à imagem ou o mito dela, quando muito.

A política, conforme eu já havia dito, tem se esmerado nos conselhos de Maquiavel e até de Gramsci e seus posteriores para se manter no poder. Isso é de fato uma redução muito mesquinha da política. Creio que a política é a atividade mais ampla e absorsiva do universo. Como uma atividade ampla que abarca de alguma forma tudo, deve ser limitada por pouquíssimas regras. É bom lembrar, regras não são leis, acata-as quem concorda com a justeza destas. Certamente nenhuma atividade pode ter ética específica, muito menos a política como uma atividade negociativa, associativa ampla. Então todos devemos carregar nossas éticas pessoais para qualquer lugar que estejamos. Não creio que os políticos devam ser exceção. Eles devem usar a ética pessoal deles, mesmo estando representando eleitores que votaram neles. Ética não pode ser doada ou emprestada. O que eu gostaria de propor é que uma ética política poderia se fundar em três regras de ouro:

Sempre manter-se aberto ao diálogo;

Dialogar sempre com honestidade de intenções e princípios;

Explicitar sempre com clareza suas intenções e a origem delas.

Creio que o que eu consigo conceber até agora sobre o assunto é isso. Se você puder me ajudar com sugestões para melhorar a concepção, ficarei grato.

domingo, 18 de maio de 2025

Eu e Deleuze

Fugi pra dentro de mim

Me abri pro mundo

Que entranhas estranhas!

 

Exclamaram a mim

Porque se abre?

Estupefato estou

 

Somos iguais

Todos temos entranhas

Mas porque se abre?

 

Somos todos igualmente diferentes

Temos os mesmos órgãos

Nenhum nos obedece

 

Todos nos controlam

Para sermos iguais

Mas nos rebelamos

 

Precisamos ser únicos

Especiais

Raros

 

Minha pedra preciosa

Você só adorna

Adorno me disse:

Você não serve pra nada

 

Deleuze diria:

Isto é filosofia

Não serve a nada

Nem ninguém

sábado, 17 de maio de 2025

Urbis et Orbis

Ninguém quer andar nas ruas. Nem ocupar as praças. Mas todo mundo quer reclamar do declínio das cidades. Para que praças se existem shoppings e condomínios fechados? Se o beco é vazio e perigoso a culpa não é do não uso deles. É do beco não ser uma encruzilhada, um carrefour,,, Não é hipocrisia. É burrice mesmo!!!

Aqui perto de casa tem uma praça. Já morei de frente a ela. Hoje nem tanto. Duas coisas incomodavam moradores da quadra: traficantes usando a praça e moradores de rua dormindo em frente a igreja. Dois eventos facilmente evitados pelo uso da praça. A praça vazia propiciava as duas coisas: privacidade para entregar entorpecentes e receber dinheiro e silencio para os indesejados por muitos sem domicilio dormirem.

Em vez de ocuparem a praça, resolveram derrubar a vegetação para a praça ter mais visibilidade e dificultarem crimes. Destruir o campo de futebol para que meliantes não ocupem vestiários desocupados. Repito: desocupados. Será que se transformarmos as cidades em Malls as pessoas vão frequentar?

Desumanidade

Solapando a lógica

Cresce a racionalidade

Quando só queremos sentir

Intuímos o desejo

De ter razão sobre tudo

Não uma razão universal

Mas o direito de estar certo

De justificar nossos desejos

Querer é poder

Basta racionalizar

Chamar ânsia de necessidade

(A humanidade morre a cada expiração)

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Individualismo e Felicidade ilusória x Responsabilidade e Felicidade real

 


Embora nunca seja agradável pensar, sobretudo criticamente, creio que é oportuno propor uma discussão sobre o nosso isolamento real num mundo imaginário (não estou falando de internet ou tecnologias, pois elas são reais). Nós vivemos em um mundo lúdico, um mundo de interpretações pelo qual às vezes passamos secamente observando muito mal a paisagem. É desesperador o quanto refletimos pouco e observamos pouco nossos parceiros com o qual interagimos ou não.  Temos a velha comodidade de apreender sempre apenas ou que foi dito ou o que é mais comum ainda: o quisemos ouvir.

É claro que tentar compreender o outro exigiria uma maior complexidade de pensamento nossa e, sobretudo, do agir. É óbvio que seria necessário que entendêssemos um pouco da psique individual, sobretudo da nossa que é a mais difícil. É evidente que necessitaremos de um método que seja, senão claro, pelo menos evidente. O conhecimento das relações; talvez pelo método empírico da experiência mesmo não sendo possível agregar um método externo, uma ciência, para analisar o caso; é essencial para a nossa pretensiosa intenção. Aí, eu creio que paira um problema mais complicado, pois mesmo com toda boa intenção, entender o próximo é sempre mais complicado e exige muita habilidade e disponibilidade.

Sem dúvida seria um passo fenomenal entender o que as pessoas dizem e não o queremos ouvir, no entanto seria um passo ainda maior entender o que as pessoas querem dizer - é claro sem a nossa pretensão de distorcer as coisas de acordo com o nosso sentimento, por isso o método-. É isso que proponho tentar fazer, não sem levar em conta o desgaste e o empenho necessário para isso, no dia-a-dia ou no máximo de casos que conseguirmos.

Parece estarmos cada vez mais numa sociedade, e é muito claro isso até pela fase do capitalismo e do individualismo que estamos, que perdeu o senso de corresponsabilidade, onde cada um cuida de si, não se cuida mais do outro. Parece que se perdeu a ideia de sistema único, de ecologia, de geopolítica. É cada vez mais patente que apesar de estarmos num mundo profundamente interligado (pelo menos esse fato positivo!) nós agimos como se nossas ações fossem isoladas. Essa consciência ética que temos, meu amor, se não se tornar mais geral certamente nos afundará a todos em um poço de egoísmos.

Deixamos a responsabilidade social para nossos governantes fazerem caridade, quer dizer, humilhar ainda mais quem já está humilhado. Não conseguimos estabelecer parcerias uns com os outros. Reinamos um império de desconfiança. E sabemos que preço alto pagamos por confiar. Embora saibamos que não importa o preço, é sempre melhor para o todo estabelecer um sistema de confiança. E morremos senão da fome de alimentos, da fome de compreensão, da fome de carinho, sobretudo da fome de fraternidade se continuarmos a viver nesse império de desconfiança.

É claro que estaria provavelmente perdendo meu tempo falando isso se fosse com outra pessoa porque já não nos importa o outro, sobretudo se não o conhecemos. Já não temos mais laços. Já não temos o sentimento de/da humanidade, o que é muito natural porque não somos mais humanos, somos indivíduos. Fomos reduzidos a quase números.

Realmente se algumas ideias mais avançadas das ciências puxadas pela ecologia buscam valorizar o todo, e não as partes como queria Descartes, fico muito alegre com isso, pois, apesar de aumentar a nossa responsabilidade, valoriza o que há de mais humano em nós: a fraternidade. No dia em que cada ser humano decidir cuidar de si, dos próximos, do meio-ambiente circunvizinho, do seu continente e do mundo, cada um a sua vez e ao mesmo tempo, teremos tempos memoráveis.

Ah se todo ser humano pudesse ter tempo para analisar as suas atitudes, pudesse refletir suas ações, concebe-las em todo um raio de influência. Pudesse analisar o outro sem preconceitos ou com o mínimo deles já que não é possível analisar sem um conceito anterior. Pudesse mergulhar nas intenções suas e dos outros. Pudesse ser humilde o bastante para aprender com as situações. Mas já que como individuo, número, não pode, não desisto... mas até outra... continuemos a lutar...

 

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Amassa

 O mundo morre

Eu vivo

Autoprotegido

Sem meus próprios medos

Isolado de um mundo de pavores

 

Mas os horrores me horrorizam

Deixam-me atento

Pronto a na rua fugir da via

A qualquer momento

Qualquer sussurro

Um mero vento

 

Posso fugir de todos

Posso ser um em bilhões

Posso estar pleno na praça

Mas não posso ser único

Ser tão individual como qualquer um

O diferente que nos torna iguais

Todos tão igualmente alternativos

Música indie em plena moda

(Eis a massa!)

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Por uma "ligião"

 


Há pouco na páscoa comemoramos a data onde o Deus do puro amor, o Deus do Novo testamento, Jesus Cristo se fez homem. O mesmo Deus amoroso e misericordioso que resumiu as 10 leis mosaicas a apenas duas (duas leis de amor): “(...) Ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda sua alma, e com todo o seu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Ame ao seu próximo como a si mesmo. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos” (Mateus 22, 37-39). Ou seja, determinou que a autoridade de todos os demais mandamentos como dos demais ensinamentos cristãos baseiam-se nos mandamentos do amor, como são conhecidos os dois primeiros mandamentos.

O amor é sentimento mais coligativo, agregador, mais político que existe (você sabe que falo do que entendemos classicamente por política). No entanto, vemos hoje em dia que as denominações religiosas promovem justamente o contrário disso, sobretudo por evocarem a verdade para si, quando o próprio Deus que se fez homem afirmou em João 14,6: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim”, o que não deixa nenhuma dúvida possível de que a verdade esteja no Nazareno e, que, portanto, não possa ser atributo de nenhuma religião cristã em particular, pois seria um contrassenso, um desrespeito justamente a quem lhes deu sentido.

Mas infelizmente, o problema da tentativa de ligar a Deus o que já nasceu ligado e que foi religado duplamente pelo sacrifício do filho, do cordeiro de Deus, e por pentecostes, quando o Espírito Santo vem habitar o mundo, é muito mais grave, pois provoca todos esses problemas já citados, e muitos outros, ao tentar religar o que já está ligado.

As religiosidades primitivas e até algumas do começo da história, na era escravagista, não diferenciavam o religioso do profano. Não separavam um mundo sagrado de um mundo mortal e chinfrim, quem fez isso foram as religiões "ocidentais" como conhecemos: as cristãs, árabes, judaicas, espíritas e espiritualistas também de certo modo ao se abastecer das outras. Inicialmente ninguém pensava que necessitava parar sua vida para em instante separado cultuar a uma deidade. Viver já era o ato em si. A religiosidade, os cultos, já estava implícita nas regras cotidianas quando se admirava o céu ou as estrelas ou o Mar Vermelho por exemplo.

O divino que estava dentro dos homens não necessitava ser explicado como, por exemplo, pela terceira pessoa da trindade: o Espírito Santo. Todos tinham plena consciência de ter algo divino dentro de si, ainda que não fosse uma definição perfeita, pois a maioria o tinha como algo separado como corpo e alma. Alguns povos, sábios em sua simplicidade não faziam quaisquer diferenciações. Esses povos não eram necessariamente o que os filósofos modernos chamariam de os mais primitivos. Povos como os Bretões, embora cultuassem divindades que algumas vezes viviam em mundos separados, algumas vezes só em reinos, não diferenciavam sua condição divina da condição profana.

Creio que eticamente, é muito ruim separar a crença do ato influenciado por ela. Na verdade, se conseguíssemos nem diferenciar ato e crença seria melhor ainda. Digo se a crença fosse também considerada um ato. A diferenciação entre a teoria, a fé, o pensamento e a prática é a maior causa da hipocrisia e, justamente por isto que muitos religiosos são profundamente hipócritas, embora muitas vezes até sejam imersos pelas melhores intenções.

Se religião é religar, não faz o menor sentido que as religiões, nascidas no oriente médio e, predominantes no ocidente, se esforcem tanto para diferenciar e separar os mundos da vida espiritual e material. Não existem dois mundos, o mundo é e sempre foi um só, fomos nós que por efeitos metodológicos os separamos como se alma vivesse sem corpo ou corpo sem alma. Corpo e alma, razão e emoção são uma coisa só. Nós apenas insistimos em separar a clara da gema, como se não fosse um ovo só. Seria injusto se eu não dissesse que os primeiros cristãos tinham uma ideia de religiosidade imanente, embora Deus não estivesse num mesmo plano que os homens, mas com a institucionalização das religiões cristãs tudo se perdeu e o maniqueísmo simplificador se fortaleceu.

Todo o maniqueísmo simplificador deveria ser negado pelos homens, os quais longe desse grande problema viveriam a natural e intensa ligação com Deus e experimentariam diretamente todo o seu amor. Sem a necessidade de religar, nunca precisaríamos nos desligar do que há de mais precioso em nós: nossa ligação com o Divino. Assim poderíamos ter muitas e sinceras Ligiões, embora eu acredite que no fim das contas haveria uma só, pois haveria um único objetivo: curtir a graça de sua ligação a Deus.

terça-feira, 13 de maio de 2025

Do existencialismo ao niilismo

Voar não é pavimentar o chão

É antes abstrair o caminho

Da materialidade à imaginação

É ver com outros olhos

O gosto da imersão

Num universo sem latitude

Trespassar a divisão

Dobrar o arame liso

Arrebentar o farpadão

Correr sem ter destino

Perecer na multidão

Ressuscitar sozinho

Saber-se um mero grão

Imiscuir-se na solução

(Tudo solucionado perdido está)

Uma vida torcida

Calças puídas de arquibancadas

Perdas punidas e vitórias despedaçadas

Assim vive o apaixonado

 

Recebendo punhaladas das esperanças

Agradáveis anseios

Esperas fatigadas

 

Mau tratado por suas paixões

Enterrado solenemente em

Inacabável esperança

 

Quanto menos recebe

Mais buques envia

Cava a própria cova

(Num belo caixão o torcedor)

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Caridade e Orgulho. Fraternidade?

 


A literatura muitas vezes explica melhor uma série de coisas que a própria filosofia. Então decidi recortar dois textos aparentemente dispares ou não. Quem dará significação ao texto é você. Um é o verbete do literato e filósofo, François Marie Arouet, vulgo Voltaire. O outro é o início do livro Angústia de Graciliano Ramos, que talvez devesse ser reconhecido como um cientista social pela profundidade de seus textos e pesquisas, por mais que seu objetivo final fosse à literatura. Os dois textos, entendo eu, falam de miséria e mendigagem de formas contrárias não sendo a maior diferença objetiva, mas subjetiva, de consideração...

1º O começo do verbete Amor-próprio do Dicionário filosófico de Voltaire:

Um mendigo dos arredores de Madrid esmolava nobremente. Um transeunte disse-lhe: “- Você não tem vergonha de se dedicar a este oficio infame, quando pode trabalhar?” “- Senhor – responde o pedinte - pedi-vos dinheiro, não conselhos”; e voltou-lhe as costas com toda a dignidade castelhana. Era um mendigo tão orgulhoso como qualquer senhor. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si, e por amor de si não suportava reprimendas.

Já que se tocou nesse assunto, coloco Oscar Wilde pra falar também retirando um trecho de Os grandes escritos anarquistas:

Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos, descontentes, desobedientes e rebeldes – e têm razão. Consideram que a caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola sentimental, geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por parte do doador, de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir gratidão pelas migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar sentados nela.

Nos dois trechos temos dois tópicos diferentes que reforçam a necessidade da dignidade para todos independente de raça, cor, nacionalidade ou condição social. Agora no próximo trecho creio que o narrador tem uma perspectiva que embora não tão explícita fica clara no desenvolver do trecho. O trecho são as primeiras frases do romance Angústia do grandioso Graciliano Ramos:

Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios.

Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa. Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho impressão de que se acham ali pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição. Um sujeito chega, atenta, encolhendo os ombros ou estirando o beiço, naqueles desconhecidos que se amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma opinião à toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, mostram as letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama.

Bom... com pequenas discordâncias, mas com ângulos diferentes é possível concatenar tudo, mas se eu não pretendo concatenar segundo minha ótica pois eu desconheço a verdade em âmbito humano. Portanto prefiro que fique com a sua. Por favor, tire as suas próprias conclusões, já que não prestarei o desserviço de emitir minha síntese...

domingo, 11 de maio de 2025

Ignorancia minha

Todo dia é dia das mães

Todo o dia é

Um pokémon visita toda a casa

Onde não tem cerca a mãe está

 

O pequeno ser impressiona

Pela agilidade

Pela simpatia

Com que disfarça suas traquinagens

 

Lá está a adulta

A cultuar sua grande obra

A ser sufocada pela empatia

(se descobre mãe)

sábado, 10 de maio de 2025

Por um paradigma não científico

 


Todos sabemos que o pensamento de cada época foi norteado por seu respectivo paradigma. Pelo menos assim nos parece após o livro Estrutura das Revoluções Científicas, do físico Thomas Kuhn. Os paradigmas são teorias fundamentais que foram baseadas cada qual em um tipo específico e diferenciado de ciência. Primeiro, na fase pré-científica, numa não ciência: a mitologia. Depois numa ciência pura: a matemática. Depois nas ciências aplicadas: uma física predominante sobre a biologia principalmente. Com o advento da psiquiatria, uma acentuação para o lado da biologia. Depois uma desconstrução de teorias universalistas e uma série de teorias específicas com pretensões paradigmáticas: baseadas no cinema, na antropologia cultural, na economia, ressurgimento das teorias mitológicas, teorias nucleares. Finalmente uma tentativa ainda em ação de uma síntese dessas diferentes teorias num paradigma tão abrangente como a ecologia como ciência.

Na verdade eu escrevi tudo isso só pra propor minha visão nesse assunto ( a qual posso mudar após discutirmos, mas creio ser razoável): creio que deveríamos esquecer a construção de um novo paradigma, como tal científico, e em vez disso aceitarmos a política (não a ciência política) como pensamento fundamental. Digo, a política na sua concepção mais clássica, que teve seu significado recuperado por filósofos como Hannah Arendt e Jürgen Habermas, como um domínio do diálogo e da criação de acordos, cuja a coerência não cabe a nenhum outro saber.

Nós sabemos que todos os paradigmas como científicos tentaram descredenciar suas falhas como o ganso verde que não pode ser ganso porque todos gansos são brancos então vira um fanso pra não estragar a teoria. Algo que viesse da política não teria essa falta de flexibilidade e não necessitaria descredenciar nenhum argumento assim tão facilmente.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Leonino

Me fascina o ocultismo da física

Os mistérios da matemática

O messianismo da química

 

Mas o que assusta mesmo

É a exatidão do horoscopo

A ciência da astrologia

Da numerologia que nos destina

 

A certeza de cada superstição

De cada ato mágico racionalmente calculado

É empiricamente comprovado

Numericamente contabilizado

 

A ascendência da lua e do sol

Refletem-se na minha signatura

Delineia o que sou

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Messianismo

Guardei o dia

Perdi a noite

Em pensamentos

 

Angustiado

Pela falta

A ausência

De coisa nenhuma

 

A existência

É a única verdade

Aliena todo o resto

(O resto existe?)

quarta-feira, 7 de maio de 2025

O amor é profundamente político

 


Muitos filósofos orgânicos como Montaigne e Voltaire (há quem não o considere) já incluíram o amor em seus ensaios ou em seus dicionários. Eu, que sou um mero mortal, venho jogar umas ideias que pretendem costurar uma concepção minha que tem bases volúveis em vários pensadores. Acredito ter costurado as bases com uma boa dose de necessário senso comum. Cabe-me propor o caráter estritamente político do amor, concepção que talvez cause algum incômodo (ou não) a algumas pessoas.

O amor é uma atividade política por excelência. Só se define e se traduz pela ação, pelo planejamento da ação e principalmente pelo sentimento da ação. O amor é um sentimento político porque sempre se refere a algo externo, mesmo se tratando do amor narcísico, porque esse se trata do amor à própria imagem, que é, portanto, um objeto externo (Quanto aos outros amores, não paira nenhuma dúvida de que universo, pessoas, deuses, humanidade sejam objetos externos). Outra faceta que demonstra o caráter político do amor é a sua interdependência com a ação, pois o amor só se expressa pelo desejo de alguma ação (ou pela ação), qual seja afagar a amada, fazer amor ou simplesmente estar próximo ou pensar nela ou em sua ideologia. Lembre-se que Hannah Arendt afirma que o planejamento da ação também é uma ação. Ainda outro fator demonstra o caráter político do amor, pois é ele (todos os tipos dele) que agrega as pessoas. É um sentimento eminentemente unitário.

Assim como a política, então, o amor só é factível entre mais de um objeto; palavra que aqui toma a desinência de pessoa, coisa, sentimento, percepção, devaneio ou imagem, um sentido amplo como é tomado em diversas ciências como a filosofia e a psicologia; só existe enquanto relacionada à ação, inexiste fora deste contexto; e a ação política é o que agrega as pessoas, pois as pessoas se unem no agir, no pensar do agir e no sentimento do agir tal qual no amor. É bom lembrar que em Hannah Arendt, bem como em outros, a interação é característica fundamental da política.

terça-feira, 6 de maio de 2025

Irracional

 Acusa-me do que não sou

Não te direi quem não és

Pois se existe algo

É obscuro

 

Entrego-me ao mistério

Desejando intuir

Conceber o indecifrável

Pois se existir não te basta

 

A vida é perdida

Nessa falta de liberdade

Na prisão da compreensão

Guia-te pelo desejo

(e a vida se abrirá)

segunda-feira, 5 de maio de 2025

A modéstia vale alguma coisa?

 


O filosofo Arthur Schopenhauer afirmava que a modéstia não era nada “senão uma humildade hipócrita pela qual um homem pede perdão por ter as qualidades e os méritos que os outros não têm”. Assim temos um bom começo para discutir a modéstia, visto que outro filósofo afirmou que “antes uma falsa modéstia que modéstia nenhuma”. Esta ação ética, como muitas outras é controversa em seus resultados: muitos dizem, inclusive Nietzsche e Schopenhauer, que a modéstia é para homens pequenos. Aristóteles dizia que a modéstia leva ao sofrimento e a infelicidade.

Mas para muitos filósofos, principalmente os que existiram enquanto o humanismo ainda era preponderante, acreditavam que a modéstia tinha enorme valor. Sendo inclusive um dos pilares da ética humanista cristã, no início do humanismo e antes da religião preponderante passar a ser a ciência, quando os homens trocaram a fé em um ser superior e a posterior é no ser (em si mesmo ou na humanidade) por uma fé injustificada eticamente (logo, logo também pragmaticamente) na técnica.

Hoje num tempo em que não somos, o ser não é, somente existe ou inexiste, em que vale muito mais nossos desejos que nossas convicções, a questão da modéstia ou do orgulho tem nenhuma importância. Afinal, o ser não é, nem pode ser. Existe sem nenhuma substância, nenhuma consistência, é apenas um pequeno pedaço do movimento da história. Num tempo assim, em que mesmo em um microcosmo não somos, a própria percepção disso: um senso de realidade denominado por muitos de humildade não tem nenhum valor? Ou será que as discussões anteriores prevalecem, mesmo com o passar do tempo e o fim das condições que criaram o humanismo? Creio que essa é uma discussão que merece muitos argumentos e um bom futuro. Pessoalmente, eu creio que a modéstia continua a ser sempre a melhor política.

domingo, 4 de maio de 2025

Niilismo

Quando quero ver Deus

Eu vou a rua

Me olho no espelho

Também no espelho o irmão

 

Pra saber do inferno

Reflito, aflito, a insuspeita preocupação

Sinto o arfar do combalido irmão

Sei que nada me fará melhor

Que minha expressa nulidão

sábado, 3 de maio de 2025

Estória

Passos apressados

Passam por aí os pássaros

Passado o tempo

Passeiam na minha mente

Memórias fugidias

De um futuro indeterminado

Será o carrossel?

Ou mera brincadeira de roda?

A circular meu pensamento

Marcar o destino

Li isso numa circular?

Um passo pra frente

Um passo pra trás

De Urano estou no mesmo lugar


sexta-feira, 2 de maio de 2025

Qual liberdade?

 


Hoje decidi discutir um assunto que me agrada muito: a concepção de liberdade ao longo da história e da filosofia e a concepção deísta de Spinoza e suas consequências cerceadoras da liberdade. É interessante como por motivos diversos a humanidade chegou a concepções diferentes de liberdade, assim como caminhos diferentes para obtê-la.

Baruch Spinoza diz que o universo é formado por uma única substância e que os objetos e seres são substâncias particulares dessa mesma substância que é Deus, com isso Spinoza invalida uma das teses fundamentais do cristianismo que é o livre-arbítrio, pois sendo tudo substância particular do Criador, não há escolha independente Dele e assim mesmo que inconscientemente cai-se num certo fatalismo. Hobbes expressa uma ideia de liberdade muito interessante no Leviatã, em que ele diz que antes da existência do Estado (cabe dizer que ele era um dos defensores da monarquia) os homens podiam fazer o que bem lhes entendessem, pois não havia leis, nem mecanismos de coação, nem propriedade de quaisquer tipos e por isso tudo era permitido. Temos aqui dois conceitos libertinos, pois Spinoza foi considerado libertino tanto pelos Reformistas como pelos Contra reformistas, que são completamente adversos.

Para Aristóteles, o homem livre era o que podia exercer sua liberdade na polis e justamente por sua ação na polis era a justificativa de sua liberdade. Em suma era praticamente dizer que o cidadão grego era livre porque exercia a sua liberdade na polis. O segundo maior filósofo cristão (até porque por definição o primeiro necessariamente é Jesus Cristo), o bispo de Hipona Aurélio Agostinho, definia liberdade como justamente o contrário: "Só há liberdade quando não há mais laços materiais". Para os liberais econômicos monetaristas a liberdade é a de acumular as riquezas excedentes. Já para Marx a liberdade consistia justamente no proletariado se livrar dos grilhões que os prendem à burguesia, justamente a classe que se apropria da mais-valia.

Como se podem ver as principais ideologias presentes em nossa sociedade abrigam conceitos de liberdade diametralmente opostos uns aos outros e que cabe pensar muito bem em que considerar para formular nossa concepção de sociedade. Não estou falando de assumir um discurso, mas de construir nossas ideias sobre esse pântano de concepções. O que é mais justo?

quinta-feira, 1 de maio de 2025

História e Liberdade

 


Muitas vezes discutimos sobre nossa percepção de mundo e contrapomos nossas pequenas diferenças de visão sobre os assuntos mais importantes (e, portanto, histórico-socialmente vitais). Tomamos algumas vezes o mesmo caminho para chegar a conclusões diferentes. Na maioria das ocasiões, caminhos diversos para chegar a conclusões muito próximas, quando não rigorosamente a mesma.

Um assunto quase nunca discutido diretamente, mas que permeou necessariamente nossas conversas, até porque já conversamos sobre Platão, Spinoza, Karl Marx, Imanuel Kant, Hegel, Antônio Gramsci, Hannah Arendt, Adorno, Habermas, foi a questão de como, por quais meios e sob quais limitações o homem faz a história. A ressurreição da filosofia grega, Cornélio Castoriadis, no livro A instituição imaginária da sociedade, nos fornece bons dados sobre uma perspectiva marxista para essa discussão. Segundo ele, “é certo que a consciência humana, como agente transformador e criador na história, é essencialmente uma consciência prática, uma razão operante-ativa, muito mais do que uma reflexão teórica, à qual a prática seria anexada como o corolário de um raciocínio e da qual ela somente materializaria as consequências. Mas essa prática não é exclusivamente uma modificação do mundo material, ela é também, ainda mais, modificação das condutas dos homens e de suas relações. O Sermão da montanha, o Manifesto comunista pertencem à prática histórica, tanto quanto um invento técnico, e pesam, quanto a seus reais efeitos sobre a história, com um peso infinitamente maior” (CASTORIADIS, 1982, p.33).

Claro para aceitar todo esse poderio do homem sobre a história, necessariamente somos obrigados a aceitar uma dialética histórica, concepção com que Hegel revolucionou a filosofia ao introduzir a contingência histórica ao subjetivismo de Kant. Estava criado o sujeito histórico. Obviamente a dialética como motor da história é outro fato extremamente relevante. Castoriadis também a explica, destacando a importância de Hegel em Marx: “Existe uma dialética da história que faz com que os pontos de vista sucessivos das diversas épocas, classes, sociedades, mantenham entre si uma relação definida (mesmo se muito complexa). Eles obedecem a uma ordem, formam um sistema que desdobra no tempo, de maneira que o que vem depois ultrapassa (suprime conservando) o que estava antes. O presente compreende o passado (como momento “superado”) e por isso pode compreendê-lo melhor do que esse passado compreendia a si mesmo. Essa dialética é, em sua essência, a dialética hegeliana; o que era para Hegel o movimento do logos, torna-se em Marx o desenvolvimento das forças produtivas e a sucessão de classes sociais que marca suas etapas não tem, em relação a isto, nenhuma importância. Num e noutro, Kant “ultrapassa” Platão e a sociedade burguesa é “superior” à sociedade antiga. Mas isso assume importância em relação a outra aspecto – e é este o segundo termo do movimento. Precisamente porque esta dialética é a dialética da aparição sucessiva de diversas classes na historia, ela não é mais, necessariamente, infinita de direito; ora, a análise histórica mostra que ela pode e deve se completar-se com o aparecimento da “última classe”, o proletariado” (CASTORIADIS, 1982, p.48 e 49).

Necessariamente debatemos também a liberdade, pois com exceção de Baruch Spinoza, todos os outros concebem a história como terreno da liberdade. Para isto, após décadas em que foram muito melhor lidas as críticas de Marx a Hegel, Castoriadis mostra como a concepção de liberdade inunda o pensamento de ambos: “O hegelianismo como podemos em verdade ver, não está ultrapassado. Tudo o que é e tudo o que será real, é e será racional. Que Hegel pare esta realidade e esta racionalidade no momento em que aparece sua própria filosofia, enquanto que Marx as prolonga indefinidamente até e inclusive a humanidade comunista, não enfraquece o que dizemos, antes o reforça. O império da razão que, no primeiro caso, englobava (por um postulado especulativo necessário) o que já está dado, estende-se agora também a tudo o que poderá ser dado na história. O fato de que o que podemos dizer desde agora sobre o que será torna-se cada vez mais vago na medida em que nos afastamos do presente, provém de limitações contingentes de nosso conhecimento e sobretudo de que se trata de fazer o que há por fazer hoje e não de “dar receitas para as cozinhas socialistas do futuro”. Mas esse futuro está desde já fixado em seu princípio: ele será liberdade, como o passado e o presente foram e são necessidade” (CASTORIADIS, 1982, p.56)

(CASTORIADIS, Cornélius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982)

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...