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terça-feira, 30 de setembro de 2025

Presente e Passado

 

Quanto mais me despeço

Mais me prendo

À um futuro aberto

À prisão das lembranças

 

Quanto mais me desprendo

Mais preso estou

Às ações futuras

Aos acertos do passado

 

Se a locomotiva chega

Traz consigo um monte de vagões

À frente trilhos inexplorados

Nos vagões muita carga

domingo, 28 de setembro de 2025

Oligo e Poli

A variedade quase sempre renega a qualidade dos produtos, cria a impressão de que tudo é uma porcaria ou pior ainda que tudo é a mesma porcaria. Quando há pouca variedade de oferta a qualidade é muito mais destacada. Não digo que os produtos se tornam melhores, mas que se torna muito mais fácil comparar um e outro. Tendemos a escolher o de melhor qualidade.

Quando há variedade, sobretudo muita variedade, fica difícil comparar e se encontramos uma variedade de produtos ruins. Basta serem dez ou vinte porcento, tendemos a perceber que a maioria é ruim, quando não todos são ruins. Aí se destaca o preço como um diferencial perceptível cuja a variedade naturalmente provoca e ofusca a qualidade.

Podemos estender isso pra uma série de coisas quando se amplia a oferta: música, séries, filmes. Nem preciso discutir os produtos físicos com a sua validade. A questão de moda ou de caducidade. Retirando a questão da memória afetiva que tende a ressaltar as qualidades e esconder os defeitos que interfere absurdamente nessa questão, dizer que as músicas de ontem ou os filmes de ontem são melhores que os atuais é afetado pela disponibilidade.

Sem dúvida a questão da concorrência faz com que se fabrique cantores, cantoras, grupos e músicas pra fazerem sucesso mesmo que momentâneo. Mas isso não é nada novo. Boys Band são criadas há décadas. Quando eram em menor quantidade, quando gravar não tinha se popularizado tanto tinham que ser melhores porque senão nem gravavam a principio e se gravassem era relativamente fácil comparar as obras com parcimônia. Não havia tantas para apreciar.

       Além disso, reforço um por cento dos indianos faz mais barulho que dez ou vinte por cento dos espanhóis ou italianos. O volume dá a falsa impressão de alguma apreciação. Mesmo que no passado metade das músicas fossem ruins, vinte por cento das músicas hoje serem ruins faz muito mais volume e barulho. A metade ou só cinco por cento das músicas do passado eram facilmente ignoradas se concentrando nas boas. Hoje o volume é tão grande que você não tem tempo nem de conhecer quanto mais de apreciar e separar. Rapidamente se chega ao julgamento: é tudo uma m...!!!

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Conto do Felício

 


Era feliz Felício? Fora feliz pelo menos no início? Queria ser igual seu irmão Betinho, um Felizberto. Era chamado de felínio, felino na escola. Era um ser que se incomodava de ser considerado um gato. Gato Guerreiro talvez. Não gostava de ser comparado com um Pacato.

O felino era um tigre, uma onça, um guepardo? Betinho era um nome mais legal! Pelo menos era mais usual, comum. Felício pensava, pensava, pensava. Refletia demais. Isso gastava tanto seu tempo que nem sabia se era feliz.  Se eu fosse chutar, diria que seria muito feliz quando parasse de pensar tanto nisso.

Felício não tinha barba, mas ostentava um ralo bigode de tigre. Poucos, mas grossos pelos. Betinho não tinha pelos. Nenhum. Nem cabelo desde bebê. Felino, opa, Felício dobrava as esquinas com rara habilidade. Driblava os obstáculos e se pulava caia com majestosidade sobre as duas patas, digo, os dois pés.

Conhecia aquelas ruas como ninguém. Comera médias em praticamente todos aqueles bares. Conhecia dos hábitos matinais de todos aqueles boêmios daquela região. Guiava-se com extrema destreza no pequeno breu que antecede o nascer do sol naquela região de muitas luminárias queimadas ou quebradas. Sabia de cor a localização de todos os postes, arvores e samambaias pelo caminho.

Trabalhava desde muito cedo na pequena mercearia/restaurante árabe da região. O dono da mercearia, Tufic, só conhecia os clientes. Os conhecia muito bem. Mas muito pouco da região. Andava apenas do deposito pra loja. Da loja pro deposito. Caminho decorado. Vasos, porcelanas, aromas, sabores... O bastante para guiar o caminho com olhos vendados, ouvidos moucos daqui pra lá e de lá pra cá na sua usual trilha da entrada ao fundo da loja.

Cedo tinha que juntar moedas, trocar dinheiro, fazer o troco pelas ruas visitando os comércios um a um. Cumprimentando um a um pelas ruas e avenidas. Avaliando o trafego de transeuntes, o ritmo, as pausas. Tentando prever o movimento do dia na mercearia, o gasto. Conseguia prever quase com exatidão. Era puro instinto.

Era muito hábil. Contornava os obstáculos com muita malevolência.  Do mesmo modo driblava os clientes para atendê-los com mais rapidez. Fluía por entre as pessoas para tornar o ambiente confortável. E quando algum engraçadinho com excesso de cachaça se tornava incomodo, com enorme agilidade Felício o imobilizava. Nenhum arranhão sofria. Já o incauto azarado talvez fosse necessário tomar uma antitetânica. Felício tinha unhas maravilhosas e bem cuidadas, um tanto longas.

Vambora porque já é cedinho e Felício vira uma fera se não tomar seu pratinho de leite com cereais ou frutinhas. Eu que virei a noite inteira escrevendo esse texto vou dormir. Boa Noite, gente! Boa Noite, felino, quer dizer, Felício!

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Democracia

Eu sou a linha que costura os corpos

Mantenho os poderes equilibrados

Inflamo um poder se machucado

Bato o martelo da justiça se necessário

Tento executar o executável

Tento entrar na cabeça dos legisladores

Rechaço criar despachantes

Deixo qualquer um se opor

Mas costuro o acordo

Até se for na marra

E se rasgam minhas linhas

Sangro

Avermelho os filhos duma

Banho-os do meu liquido vital

Sinalizo que a represa rompeu

A aorta está aberta

E se há um hábil pra costurar

Evitar o desastre

Me rendo a ele

Como puta a democracia

A realizar seus mais recônditos desejos

Democracia

Não me alinho

Eu componho

Não faço letra

Não tenho ginga

Só me ajusto

Às conveniências

A música compõe o universo

O ambiente dá a letra

Me chamam demagogo

Maria vai com as outras

Outros de murista

Eu sou a cola

Me chamo político

Estou aberto a negociar

Chegar num consenso

Amo a democracia

terça-feira, 23 de setembro de 2025

É hora de política

         


 

      O Congresso brasileiro durante os governos Temer e Bolsonaro foi muito sensível aos Lobbys econômicos empresariais aprovando pautas que além de danosas são absurdamente impopulares mesmo com ajuda da mídia cujo os donos são parte de uma mesma elite financista. De dezembro do primeiro ano de Bolsonaro o Congresso foi libertando de qualquer amarra e até mesmo progressivamente dos lobbys porque percebeu que não precisa mais do apoio dos grupos organizados porque podem ser eleitos na base do dinheiro bruto inclusive inflacionando o mercado propositalmente para restringir a oferta. Ou seja, os deputados estão fazendo dumping.

É preciso que os grupos populares, que a base organize seus lobbys não só pra fazer lobbies, mas para fazer abaixo-assinados, realizar protestos... constranger os parlamentares. É preciso pipocar pelo Brasil vaquinhas para colocar os rostos dos traidores apoiadores da PEC das Quadrilhas de cada estado no seu domicilio eleitoral. Se alugarmos outdoors por uma semana pra expor os Joãos Silverios e os Judas e ameaçarmos fazer outras vezes... os legislativos vão se tornar mais cautelosos.

Hannah Arendt em Condição Humana foi mestra em nos mostrar como fomos regredindo de majoritariamente construir coisas, inovar para trabalhar para sobreviver. Ocupar todo o nosso tempo com a própria sobrevivência ficando sem tempo para agir. Agir na gramatica arendtiana é colocar algo novo mundo tanto que o nascimento é uma espécie de ação. Agir é uma atividade pública por excelência em contraponto a economia que cuida do privado. A praça publica tem sido as redes antissociais que são no mínimo tuteladas pela economia. Na melhor das hipóteses capitalista. Na mais provável tecno-feudalista. É preciso tornar as ruas e praças o espaço público novamente.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Constituição não é menu: contra as PECs



Nesse domingo (21/09/2025) borbulhou pelo Brasil todo protestos contra uma PEC (proposta de emenda constitucional) que se propõe a retirar as mudanças feitas na Constituição de 1988 por outra PEC de 2001, mas não apenas. Amplia as garantias de impunidade no texto. No caso de 2001 as modificações melhoraram a constituição, mas a maioria das PECs por questões oportunísticas ou ocasionais a pioraram.

Eu, Giordano, do alto da minha absoluta ignorância prefiro que constituições não prevejam ou oportunizem emendas constitucionais, apenas infraconstitucionais. Que as constituições só possam ser modificadas por novas constituições. Explico o porquê: Assembleias constituintes são eleitas especificamente e exclusivamente para este motivo. Os legisladores federais em geral são majoritariamente eleitos para serem despachantes: trazerem verbas e obras para suas cidades ou regiões.

Algumas PECs como essa de 2001 foram importantes, mas é preferível perdê-las que possibilitar essa constante reescrita convulsiva da Lei Magna. Como se cientistas pudessem continuamente reescrever as leis da física ou os biólogos o da biologia. Suas descobertas geralmente só mudam a periferia. Raras vezes mudaram o cerne em toda a história. A Constituição não pode ser mudada de acordo com os desejos do estomago como menu de pitdog.

O pessoal que mudou cláusulas pétreas das leis trabalhistas, financeiras e penais é o mesmo que reclama de instabilidade, da falta de regras fixas.  Os lobbys financeiros e empresariais dificultam o investimento no Brasil segundo eles mesmo pois a instabilidade é o principal problema diagnosticado por eles mesmos. Assim até eles deveriam ser frontalmente contra a possibilidade de PECs.

Restringir as mudanças constitucionais a Assembleias Constituintes possibilita a discussão cuidadosa das mudanças sem o fator dor-de-barriga ou oportunista. Os deputados estaduais e federais e os senadores teriam uma gama de dispositivos infraconstitucionais para discutir e modificar ao sabor do tempo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Conto de Eleanor

 


Leninha, ou Eleanor como chamava seu pai, era uma moça muito linda, uma boneca. Boneca era como era chamada por sua avó. A vó achava que as bonecas de pano com cabeça de plástico eram as coisas mais lindas que existiam. Eu, intruso narrador, nem de longe acho. Leninha não sabia. Nunca tivera uma boneca de pano. Não conhecia a imagem pois toda imagem lhe mostrada a vó dizia que não era essa da qual se referia.

O nome da menina era homenagem a Anna Eleanor Roosevelt, uma ex-primeira-dama dos Estados Unidos. Mulher de Franklin Delano Roosevelt e que coordenou a criação da Declaração dos Direitos Humanos na ONU. Leninha pouco se importava. Preferia que tivessem a nominado Anna, primeiro nome da homenageada. Achava Eleanor muito fru-fru, muito pomposo. Ana era mais simples.

Por sorte ganhou o apelido de Leninha nas queimadas na rua. Em casa não conseguia escapar da futilidade da pequena ética. Era chamada sempre pra tomar chá com bolo ou biscoito e experimentar toda aquela cena, aquele traquejo sem futuro. Aquela perda de tempo.

Sua única saída era a rua pra brincar de queimada ou de taco. Ou quando podia ir pra praça com o avô pra ver ele jogar dama. A rua não tinha frescura. As pessoas não eram obrigadas a hipocrisia. Não que fossem sempre sinceras, mas não eram sempre falsas. Não pediam desculpas a faca por terem se cortado.

Leninha era celestial, um anjo torto. Era perfeita por nunca procurar ser perfeita. Mais errava que acertava, porém sem nenhuma intencionalidade. Seus erros eram os mais sinceros. Sua sinceridade era cândida e não agressiva. Amava de todo o coração quase todos e isto era muito evidente. Não precisava esconder nada.

Não ambicionava nada mais que usufruir o presente. Não guardava doces. Comia e distribuía os seus logo. Não pensava no amanhã. O dia seguinte é um novo dia. Alguém vai garantir. Se ninguém resolver, eu arrumo. Ansiedade era um negocio que passava longe de Leninha. Não tinha nenhuma saudade de amanhã.

Vivia sua vida sem pressa e sem previsão. Sem pressão. Se tivesse queimada jogava. Se não tivesse jogava bete sem nenhum problema. Se não tivesse nenhum dos dois, brincava do que tinha. Até de pega-pega ou pique-esconde que não gostava muito. Na escola estava aprendendo um tal de handebol. Um jogo esquisito com dois times, mas que não podia queimar o adversário, nem o goleiro, pois o objetivo era desviar a bola do goleiro pra fazer gol. Ainda tinha que ficar dando passes ou quicando a bola no chão.

Era sempre escolhida por arremessar muito forte e bem, mas não gostava daquele jogo. Era estranho pra quem brincava tanto de queimada. Arremessar desviando dos outros. Ficar andando pra lá e pra cá. Agarrar e ser agarrado pra fazer falta e impedir deslocamentos. Preferia trocar figurinhas no recreio.

Saia cedo pra escola. Corria em casa pra fazer as tarefas. Pra isso comia depressa e pouco comia. Fazia de tudo pra terminar o mais cedo possível, dormir uma soneca com seu cãozinho Bilú, e sair pra rua lá pelas quatro pra brincar. Essa era mais ou menos a rotina antes do chá das seis de mentirinha, mas enfadonho, chato, bisonho. Depois era logo dormir pra chegar o outro dia.

domingo, 14 de setembro de 2025

Remada

Acertar mil vezes o mesmo alvo

Não garante alcançar a mosca

Que a visão seja turva ou fosca

Por mais que transpareça o objetivo

Não esclarece o motivo

Não muda a história

Não muda o resultado

Nos mantem no mesmo lugar

Com vãs esperanças

Só resta o sofrimento

Mais uma década no mesmo lugar

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Conto de Dauti

 


No meio da cidade vivia Dauti. Caminhando entre prédios à procura de arvores para pousar sua cadeirinha que sempre trazia à tiracolo. Morava mesmo bem longe dali, mas todo dia cedo o metrô a trazia. Meros vinte minutos. Dificilmente leria ou ouviria um capitulo de um livro no caminho. Mas sempre insistia na rotina. Trazia sempre um livro consigo.

No caminho não via, nem ouvia nada além do seu ultrafoco temporário. Era como se tudo mais se tornasse opaco até chegar ao centro. No seu local de trabalho ou lazer era todo ouvidos, todos sentidos. Apreciava detalhadamente todas as singularidades. Nada escapava da atenção de Dauti.

Sabia de tudo. E, provavelmente de quase todos. Não era bem um investigador ou um espião. Parecia mais um especulador. Não um econômico ou político, mas um social. Para quase todos era um fofoqueiro. Falava muito. Espalhava especulações. Mas na verdade não dividia nada do que sabia. Todas as jogadas mais importantes estavam guardadas.

Era um enxadrista 4D. Fazia suas jogadas simples parecerem imensamente complexas. As jogadas mais elaboradas aguardavam uma a uma seu momento. Só uma ou duas de centenas já estavam à luz do sol. Não acreditava em predição, por isto remodelava suas ações ao sabor do clima.

Era o momento de uma casquinha de sorvete. Mas não podia sair de sua banca agora. Não até dar dicas do perigo próximo. Calmaria não é bom. Logo viriam os agentes. Era hora do rapa ou da cobrança de licenças ou subornos, taxas de segurança. Um piscão ou uma dica insidiosa bastava para avisar aos outros ambulantes do perigo. Assobiar uma opera bastaria?

Fizera sua parte. Faltava a deles. Era preciso recolher todos as balburdias. Medir todas as ações. Pesar todas as exceções. Começava o divertimento. Não terminaria tão cedo. Estava lá energizado pelo astro-rei captando traços da realidade daquelas quadras. Sabia distinguir cada piado. Conhecia o cantar do azulão, do sabiá, de pintassilgo, da andorinha. Ouvia até cantar de beija-flor.

Conhecia o andar de cada tipo de formiga. Pressentia esperanças ou bichos da folha. Era um observador sossegado que dominava todo o ambiente captando tudo. Até queda de pingo d’água notava.  Do nascer ao por da luz estava ali. Á noite confeccionava suas anotações. Dos bloquinhos o entendimento dos dias posteriores. Dos vindos novas observações.

Das observações, sua vida. Da vida, uma rotina. De rotineiro nada. Semente virou muda. A muda muda tudo. Virou gramínea, arbusto, trepadeira ou árvore. Cada dia era um novo. Igualmente dia, mas com enredo muito diferente. Nova rotina, velhos medos, novas esperanças, novíssimas decepções. Novidades, novidades, novidades sobre as mesmas coisas que já não são mais as mesmas.

Aquelas ruas não param de fluir, vicejam de tiririca, há vida por todo lado. Preenche todo espaço vazio. Dauti precisava organizar minimamente aquela confusão. O fazia todo dia pra entender aquele mercado. Não gastava conselhos à-toa. Aglutinava conhecimentos para si. Assim Dauti era o príncipe da Moca.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Conto da Camila

 


Mila, digo, Camila, ficava sempre confusa quando sua mãe a convocava. Quando ouvia: Vem cá, Mila! Ela ficava em dúvida se era: Vem cá, Mila! Ela ficava em dúvida se era Vem cá, Mila! Ou Vem, Camila! Quando sua mãe a chamava de Camila a coisa tava feia! Se era Mila tava tranquilo!

A moçoila estava sempre a rua. Quer dizer, nem bem a rua. Ficava no alpendre ou no corredor ao lado da cozinha que saia para o lado do alpendre e para fora de casa. Ela sempre ficava intrigada com esse tênue limite entre a rua e o domicilio. Onde era o limite? Porque precisava ter esse limite? Não era possível uma faixa onde fosse rua e casa ao mesmo tempo?

Gostava muito de pular uma amarelinha. O riscado era ora no alpendre, ora no corredor ao lado da casa, ora um pouco na rua. As cadeiras ficavam fora de casa. De lá sua mãe observava a rua á tardezinha, cumprimentava as vizinhas. Camila ficava essa hora em casa fazendo a lição de álgebra ou geometria. As flexões dos verbos irregulares tinha decorado ao jogar amarelinha. A geografia jogando damas.

Ali naquela rua ninguém mais conseguira jogar queimada desde que pavimentaram a rua. Era carro toda hora. No começo tinham paciência. Agora até buzinam, mas só depois de passar por cima. Aquele bairro já foi mais agradável. Ninguém mais anda na rua. Quem anda desvia de motos, bicicletas, carros... Quem se aventura pode passar no posto de saúde pra fazer algum curativo.

Uma vez quisera plantar uma arvore no meio da rua pra dar sombra pra quem andasse, mas a prefeitura achou melhor botar um asfalto pra população poder fritar ovo. O riacho que em outubro lavava as casas foi canalizado e agora transborda “proutros” lados. De vez em quando surge um buraco aqui, outro ali e Camila planta uma Maria-sem-vergonha pra embelezar a rua. Mas logo vem a prefeitura e enche de brita e betume o buraco.

Nem dá tempo. Camila sai brevemente a rua e já tem que voltar pra casa. A escola é na esquina, quatro casas a frente. Todo dia cedo sai buscando beleza pra embelezar seu caminho. Chegando em casa, almoça, faz as tarefas de escola e sobra pouco tempo pra brincar antes das aulas de matemática do seu pai, analista de sistemas. Corre Camila no breve tempo pra achar seus gizes coloridos pra traçar o chão. Desenhar o céu e o inferno. Dividir o caminho numa progressão aritmética negativa: 5-4-3-2-1. As vezes por teimosia: 5-3-4-2-1. Camila já puxou minha orelha: -não estudei ainda progressão nem aritmética, nem geométrica.

Desculpa, Camila! Queria enfeitar a história... Camila não gosta. Só gosta de enfeitar a rua. Ah! Tá bom! Camila foi dormir. Um novo dia começa amanhã. Por hoje tá bom... amanhã a história é outra.

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Irregularidade narrativa e os distopismos dogmáticos

Cedeu o lugar

Perdeu a cadeira

Furou a fila

E foi direto pro palco

Almoçou na coxia

Aguardou o camarim

Aguardente à mão

Pulou dois quadrados da amarelinha

Relinchou como um galo

Como uma zebra cacarejaria

Tomou duas doses

E foi ao chão

(Que sono justo!)

Nem a lanterninha incomodava

Era um belo filme!

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Golpe

Tropecei em três pedras

Elas me constituíram

Não reneguei a constituição

Não me tornei golpista

Agreguei as pedras

As guardei

Moldei-me ao desafio

Tornei-me rio ao delinear as pedras

Contornei a dureza

Fiz das pedras meu escudo

Vesti os minerais

O que é moldável muda

Acomoda, agrega

Não joga pedras

As toma para si

Resiste aos golpes

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...