Acompanham

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Posse(ssão)

Se eu te amasse

Eu me amarraria

À mesa, truco ou seis

Doze quiçá

 

Se eu te amasse

Te amassasse

Fulgurosamente me aderindo a você

Fundindo feito nanquim na sola do pé

Chiclete na calça jeans

 

Aderindo feito marca-passo ao teu coração

Rebolando ao teu ritmo

Me submetendo aos teus desejos

Eis-me morto

Não seria mais eu

Seria pó assentado em você

 

Me anularia

Me desumanizaria

Seria objeto seu

Conseguiria me tornar tua propriedade?

Se eu fosse seu, seu eu seria?

Mesmo pra isso deixando de ser

Pra ter você como minha dona


domingo, 8 de junho de 2025

Almoço

Já me agradei de diversas coisas

Inúmeras coisas me cativaram

Cultivei incontáveis gostos

Nada me temperou

Não que seja insipida

A vida

O que tem gosto é a morte

Sangra em meu prato

O arroz de sequeiro já não tem água

O churrasco ao ponto

Está bem passado

Perto do que chegou

Já se passaram dez minutos

Mal passado já está presente

O futuro? Quem dirá?

Um digestivo talvez evite

A congestão? Indigestão?

Quem sabe um vinho

Ou dois?

E esqueçamos tudo

Um passo a frente no futuro

Um segundo a menos

Para a próxima morte

Será o ser imortal

O ter não é

E o crer?

É infinito e momentâneo

Maldita memória

Esqueça mais essa

E a amnesia nos salva

Permite viver a vida

Permite o presente

(Até o próximo almoço!)

sábado, 7 de junho de 2025

Da Política à Economia Política: da democracia à poliarquia

 




A Política na Antiguidade, ou no discurso presente ainda em boa parte da Idade Média, visava ou pregava a república, onde o bem era visado por todos e este se sobrepunha a qualquer interesse individual ou de grupos. Até porque se tinha a noção evidente de que o cidadão só existe por causa da cidade, assim como a política dependia fundamentalmente da polis. Assim, deste modo, as primeiras frases de A Política são:

 

§ 1. Sabemos que toda cidade é uma espécie de associação, e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem; porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta de um bem. Todas as comunidades, pois, se propõem qualquer bem – sobretudo a mais importante delas, pois visa a um bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade ou sociedade política. (ARISTÒTELES, 2009, p.13).

 

Tanto na Idade Antiga, quanto na Idade Média (quem preferir pode substituir os termos por Escravismo e Feudalismo) ainda imperam modelos políticos centralizadores: Monarquia, Aristocracia, Democracia... todos modelos que por mais participantes que tivessem  sempre desejavam no uno, na única ideia aceita esta ora pelo medo, pelo respeito ou pelo consenso. Os homens em seus múltiplos desejos, múltiplas necessidades tinham que se submeter a um único agir porque quem agia era a polis, melhor dizendo, o Estado e não o individuo dentro deste.

Para se mudar um modo de agir mudava-se o Estado. Esse é praticamente o pano de fundo de muitas obras antes de Nicolau Maquiavel, sobretudo em A política, de Aristóteles: cada povo tem o estado que merece, cada cultura tem um tipo diferente de governo adequado, resumindo até de forma bastante perigosa, mas tornando bastante clara a importância vital do Estado nesses momentos históricos.

Mas com o surgimento do capitalismo no fim da Idade Média e sua pungente consolidação na Idade Moderna, aos poucos a política vai perdendo a importância para a economia política. Basta analisarmos lexicamente a troca do termo comunidade, que ressalta o que é comum, pelo termo sociedade, termo econômico e contratual, durante a idade média e sua consolidação na idade moderna instaurando uma grande hegemonia hoje.

Quanto mais os interesses divergentes e ao mesmo tempo em que consolidavam a própria hegemonia em sua diversidade, mais o Estado perde a sua importância como agente, como promotor da política; mais se torna mais evidente a vida fora do Estado: a sociedade civil. Mais se torna evidente o homo laborans de Hannah Arendt que necessita trabalhar em uma tarefa sem sentido para ele pois não domina o que faz, ao contrário é dominado pelo mesmo e o faz unicamente para sobreviver (isso num sentido duro) e, que portanto não tem tempo para agir, não tem tempo para a política.

Mas essa mesma sociedade (é bom lembrar a carga do termo) cria a sociedade civil onde as pessoas se associam em nome de interesses comuns, mas não mais comuns a todos nem à polis ou Estado como um todo. Nasce assim uma “democracia pluralista (poliárquica e policêntrica) , em contraste com o ideal da democracia monística ou monocrática” (BOBBIO, 2000, p.85). Desse modo a democracia tem seu significado substituído, agora ela precisa ser plural, abranger e respeitar todos os pontos de vista, não precisa mais construir necessariamente o consenso.

Assim a política, assim como o capitalismo vive da pluralidade, do dissenso. Não tem outra razão de existir que não a de um grupo conseguir o poder para impor seus desejos aos outros e da esperteza para se manter no poder. É claramente uma economia política com a consolidação das ideias de competição, de funcionalidade, de eficiência.

Aliás, em nosso tempo, a imposição de um consenso desagrada a todos. Prefere-se um impasse permanente que nos impossibilite agir do que um consenso forçado por qualquer necessidade. Tem-se a impressão de ‘engolir a seco’. Assim em nosso tempo o não-político tem muito mais importância em nossas vidas.  A política como o espaço da ação por excelência, essa é uma definição clássica de política, acaba acontecendo muito mais fora do Estado, na sociedade civil, onde está o não-político. As fronteiras entre o político e o não-político à medida que a sociedade civil cresce de importância vão se tornando mais tênues até que a política invada de vez através da biopolítica.

Assim a todo o momento agimos politicamente, mas não fazendo política. Em todo instante somos governados integralmente, inclusive nossos corpos pela política. Desse modo a morte da política na modernidade ou contemporaneidade constitui-se no império totalitarista da política que desse modo não deixa mais espaço para nada ou parafraseando Agamben: a política se tornou teologia e a teologia se tornou política.

 

 

Referências:

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I; tradução de Henrique Burigo. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

AGAMBEN, Giorgio. O reino e a glória: uma genealogia teológica da economia e do governo; tradução Selvino G. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2011.

ARISTÓTELES. A política; tradução Nestor Silveira Chaves. 2ª ed. Bauru, SP: EDIPRO, 2009.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos; organizado por Michelangelo Bonavero; tradução Daniela Becária Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

ZINGANO, Marco. Aristóteles: tratado da virtude moral; Ethica Nicomachea I 13-III 8. São Paulo: Odysseus Editora, 2008.

 

 

sexta-feira, 6 de junho de 2025

A epistemologia de Habermas




Jürgen Habermas acredita que das diferentes maneiras de se tratar um problema, duas em particular ele questiona (das quais, obviamente, podem se extrair outras intermediárias): uma positivista, que descarta a compreensão em prol da objetividade, e outra hermenêutica, que descarta a objetividade ancorada em regularidades para buscar a compreensão de singularidades manifestas em situações específicas. Assim crê que a solução mais adequada seria substituir as abordagens unilaterais por uma epistemologia que equilibrasse esta dualidade básica.

Para o único expoente da Escola de Frankfurt não judeu, as ciências sociais são a área de maior conflito entre as ciências naturais e a hermenêutica. Ao usar um método fechado baseado nas ciências naturais áreas como a sociologia funcionalista ou estruturalista ganham segurança, mas perdem o poder interpretativo dos fenômenos sociais, pois necessitam restringir a área de atuação de cada pesquisa para que esta não saia do seu campo particular de cada estudo e se desespera a cada influencia ou relação externa. Por outro lado, ao usar um método hermenêutico-histórico, embora ganhe até um poder razoável de previsão, perde-se muito da razoabilidade e da precisão. Ambos os métodos podem estimular erros, pois o primeiro por ser muito fechado é cego á historicidade e demais dados externos a ele e o segundo necessita de travas que assegurem sua coerência.

Entretanto, Habermas não descarta nem a Hermenêutica de Gadamer, nem o positivismo de Popper. Aos dois direciona críticas como o caráter puramente “decisional” dos pressupostos metateóricos de Popper e o imobilismo da teoria de Gadamer, mas é influenciado tanto pelos criticados por ele critérios de demarcação de Popper quanto pelo historicismo de Gadamer.

Para Habermas, as ciências existentes são de três tipos: as ciências empírico-analíticas, as ciências histórico-hermenêuticas e as ciências críticas. Esses três tipos de ciências correspondem não apenas às três arestas do triangulo polêmico que opõe positivistas (Popper) e hermeneutas (Gadamer) aos integrantes da teoria crítica (Habermas),

mas também remetem mais profundamente a três interesses do conhecimento [...], respectivamente: a um interesse técnico, que comanda as ciências empírico-analíticas; a um interesse prático, que comanda as ciências histórico-hermenêuticas; e a um interesse emancipatório, que comanda as ciências críticas. [HUISMAN, 2001, p. 438].

 

As ciências empírico-analíticas são as ciências exatas, ciências da natureza ou ciências experimentais, as quais para Habermas correspondem à “lógica da investigação cientifica desenvolvida por K. R. Popper, [...] que [...] têm o caráter de um saber preditivo [...] e redundam numa possível utilização técnica” [HUISMAN, 2001, p. 438].

As ciências histórico-hermenêuticas correspondem às ciências humanas ou então as ciências morais. Estas “asseguram a comunicação entre um sujeito do conhecimento [...] e seu objeto, que é um outro sujeito simbólico e cultural [...], pelo emprego de uma interpretação de textos ou monumentos” [HUISMAN, 2001, p. 438]. A metateoria dessa ciência é a hermenêutica de H. –G. Gadamer.

As ciências críticas englobam a psicanálise e a crítica das ideologias. Deste modo encampa também “a sociologia crítica, a Teoria Crítica do próprio J. Habermas: elas tendem a desencadear uma reflexão crítica [...] que dissipa os bloqueios de comunicação” [HUISMAN, 2001, p. 438]. A ideia de uma autorreflexão, na forma de uma história natural da espécie humana se destina a evitar qualquer dicotomia entre o empírico e o transcendental. Isso equivale a evitar os perigos tanto de orientações excessivamente concretas do empirismo e orientações excessivamente abstratas da hermenêutica. A ciência como força produtiva é permitida, de acordo com Habermas, somente se acompanhada pela ciência como força emancipadora, por isso não rejeita o trabalho da ciência empírica, mas apenas interpretações naturalistas, positivistas ou transcendentalistas, que se sucedem desta.

O filosofo alemão Jürgen Habermas, pertence à segunda geração da Escola de Frankfurt e como tal compartilhava com seus companheiros de uma preocupação com a razão instrumental, que através da consolidação do domínio do capitalismo, da ciência e da técnica, invadiu todos os domínios da sociedade construindo uma sociedade unidimensional como Herbert Marcuse denominou a solidificação na sociedade de um discurso único dominante que abrange toda a oposição como parte de sua lógica na qual valores como a liberdade, a democracia servem tão somente para justificar uma falta de liberdade confortável.

Habermas tinha uma compreensão diferente da maioria seus anteriores na Escola quanto aos males da técnica. Essa visão possibilitou a ele construir uma alternativa à lógica tecnológico-científica que, para o filósofo, passou a invadir espaços indevidos. Assim, Jürgen Habermas distinguiu três tipos de atividades:

 

Atividade instrumental, que cruza ações orientadas para o sucesso com situações não sociais; a atividade estratégica, que cruza ações orientadas para o sucesso com situações sociais, e a ação comunicativa, que cruza ações orientadas para a intercompreensão com situações sociais. Por atividade instrumental é preciso entender, na esteira de Weber, ações orientadas para o sucesso, conduzidas segundo regras técnicas de ação. Pode-se avaliar seu grau de eficiência pela sua intervenção num contexto dado de estados de coisas. As atividades estratégicas também são ações orientadas para o sucesso, mas consideradas, dessa vez, sob o aspecto da busca de regras de escolha. Pode-se avaliar seu grau de eficiência pela influência que exercem sobre as decisões de um parceiro racional. A ação comunicativa não visa a exercer influência: é, ao contrário, uma atividade em que há procura, em primeiro lugar, de entender-se com outros, para em conjunto interpretar situações e entrar em acordo sobre planos de ação. (HUISMAN, 2000, p. 523 e 524)

 

Assim, Habermas até reconhece que a razão instrumental tem seu lugar: o mundo da produção e do trabalho, o mundo da ciência, que não se desliga do primeiro. Mas constata que há lugares na qual esta lógica não deveria imperar: notavelmente nas instancias sociais e políticas, onde a técnica não deveria substituir nem o convencimento, nem o acordo entre as pessoas.

Num mundo dominado pela lógica instrumental, na qual tudo, inclusive a linguagem, é um mero instrumento para alcançar determinado fim, Habermas, como um filósofo pragmático e analítico – portanto conhecedor de teorias filosóficas da linguagem e da hermenêutica – pôs-se a pensar numa alternativa à lógica dominante e opressora que havia se espalhado sobre todos os domínios. Habermas observa que:

 

As ações humanas (quando orientadas para o sucesso) têm como mediação o dinheiro (economia) e o poder (Estado). Mas o universo da intercompreensão tem como mediação os “atos de fala”. (HUISMAN, 2000, p. 524)

 

Habermas conhecia o trabalho de John Austin, para qual toda a linguagem é ação, dividindo os atos da fala em ilocucionários (quando a fala é a própria ação) e perlocucionários (quando a fala induz a ação). Austin conceituou também os atos locucionários, que apenas descreveriam fatos e ações, mas acabou por descobrir nada era simplesmente locucionário e que as três instâncias subsistiam simultaneamente numa mesma comunicação. Tinha, portanto, indícios de solução para resolver o seu problema: construir uma nova concepção da linguagem, ou melhor, da comunicação, para se tornar alternativa viável de uso nos domínios invadidos indevidamente pela razão instrumental. Assim livrando a linguagem de ser instrumentalizada indevidamente e as pessoas de serem alijadas de seu poder decisório.

Em suma, Habermas deseja resgatar a autonomia da linguagem, das pessoas, da política e das mais variadas instancias sociais que estavam, desde a consolidação do capitalismo como modo de produção dominante, tuteladas pela técnica. Esse foi o maior dos problemas a que Jürgen se dedicou ao conceber a ação comunicativa.

Em resposta ao problema diagnosticado por ele, a intervenção da razão instrumental sobre a linguagem, que após o advento da supremacia da hermenêutica na filosofia, passou a ser entendida como o fundamental, Habermas pensou a ação comunicativa. Assim através de uma ética mínima, através da comunicação as pessoas poderiam construir consensos para decidir sobre suas ações. Essa mínima ética versa que para haver comunicação três regras em três dimensões diferentes têm que ser respeitadas:

 

Nesse processo, é preciso reconhecer que, com cada ato de fala, os participantes da comunicação se referem simultaneamente a alguma coisa que é da ordem do mundo subjetivo, cujo pressuposto é a veracidade; do mundo social, cujo pressuposto é justeza; e do mundo objetivo, cujo pressuposto é a verdade. (HUISMAN, 2000, p. 524).

 

Assim para uma comunicação obter sucesso, que corresponde simplesmente a sua realização, é necessário que os participantes tenham a convicção de que os outros estão falando a verdade e sendo sinceros ao verbalizarem o que pensam e sentem. Mesmo que a intenção seja enganar, ou simplesmente influenciar, essas intenções devem ser escondidas sob a pena que se descobertas inviabilizarão a comunicação. Dessa forma Habermas restaura a dimensão político-decisória da sociedade porque na ação comunicativa as ações são decididas por um consenso obtido por uma comunicação, a qual já tem regras comuns e consensuais preestabelecidas e aceitas por todos os participantes do processo decisório. Ou seja, não há um critério externo que decide pelas pessoas, mas as próprias que decidem seus rumos.

Para Habermas, a subjetividade do indivíduo não é construída através de um ato solitário de autorreflexão, mas, sim, é resultante de um processo de formação que se dá em uma complexa rede de interações. Por isto que para o filósofo, o conhecimento e a própria constituição do ser é intersubjetiva e linguística. Por essa mesma razão, é que situa a ação neste mesmo horizonte. De quebra, com a solução pragmática que observa como a comunicação ocorre na prática, Habermas consegue desvincular a teoria da linguagem de uma base tecnocientífica, o que caso não ocorresse colocaria a teoria nos “braços” da lógica instrumental, a qual se nutre do domínio da tecnologia e da ciência sobre as demais áreas.

Ao propor que as ações no mundo social devam ser mediadas somente pela comunicação, Habermas retira a economia, a técnica e a tecnologia do papel primordial na discussão de um novo mundo. Nessa dimensão revolucionária, o filósofo, ao contrário de muitos de seus colegas da Escola de Frankfurt acredita que as pessoas podem nortear por suas próprias decisões seu próprio futuro, desde que o façam numa decisão intersubjetiva através da comunicação, da ação comunicativa.

 

Referencias:

HABERMAS, Jürgen. A lógica das ciências sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

HUISMAN, Denis. Dicionário de obras filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

HUISMAN, Denis. Dicionário de Filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

 

 

 

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O DESLOCAMENTO DA POLÍTICA DO OBJETIVO DA POLÍTICA DO ZOÉ



 Pretendemos muito antes de propor qualquer solução possível, expor os efeitos captados por Giorgio Agamben através de sua leitura de mundo, do seu principal influenciador Michel Foucault e de Hannah Arendt ocasionados pela mudança do centro da política do zoé para o bíos.

Os gregos não possuíam um termo único para exprimir o que nós queremos dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântica e morfologicamente distintos, ainda que reportáveis a um étimo comum: zoé, que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seres vivos (animais, homens ou deuses) e bíos, que indicava a forma ou maneira de viver própria de um indivíduo ou de um grupo. (AGAMBEN, 2010, p.9)

 

Com essa passagem um maior evidenciamento da biopolítica e do controle sobre a ação humana, que classicamente é o que definia a política. O interesse da política na Idade Antiga e boa parte de Idade Média se restringia aos que dela participavam e por ela se interessavam. Portanto tinha enorme importância se interessar e participar das decisões políticas, pois não se legislava pelo interesse geral, ou seja, dos que não participavam dela.

Tal é, pois, o fim principal que eles se propõem comum ou individualmente. Algumas vezes, também, é unicamente para viver juntos que eles se reúnem e estreitam os laços da sociedade política. Porque talvez haja um pouco de felicidade no próprio fato de viver assim , sempre que a vida (bíos) não seja sobrecarregada de males demasiado difíceis de suportar.  O que há de certo é que a maioria dos homens suporta muitos males devido ao seu agarramento à vida (zoé), como se ela encerrasse em si própria uma doçura e um encanto naturais. (ARISTÓTELES, A Política 1278b, 23-31)

 

Portanto em nenhuma hipótese poder-se-ia delegar poder ou esperar que suas demandas fossem atendidas sem agir. Para Aristóteles, os terrenos da ação por excelência eram a política e a ética.

E quando, em um trecho que deveria tornar-se canônico para a tradição política do Ocidente (1252b, 30), define a meta da comunidade perfeita, ele o faz justamente opondo o simples fato de viver (to zên) à vida politicamente qualificada (tó eû zên): ginoméne mèn oûn toû zên béneken, oûsa dè toû eû zên “nascida em vista do viver, mas existente essencialmente em vista do viver bem” (AGAMBEN, 2010, p.10)

Entretanto quando a política passa a se interessar por tudo e todos, desde o seu princípio na Idade Média ainda, mas que alcançou a sua onipresença apenas na Idade Moderna, passa a controlar não só o Estado ou suas leis, mas a absolutamente todos os corpos.

“Por milênios, o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser vivente” (...) Segundo Foucault, o “limiar de modernidade biológica” de uma sociedade situa-se no ponto em que a espécie e o indivíduo enquanto simples corpo vivente tornam-se a aposta que está em jogo nas suas estratégias políticas. (AGAMBEN, 2010, p.11)

 

Deste modo, toda a ação passa a ser controlável e, mais que isso, controlada. Os cidadãos perdem o seu poder de influenciar os destinos da “polis” por assim dizer. A ação, no sentido arendtidiano torna-se algo raro e precioso e a economia onipresente assim como a vida comum, que não fazia parte das origens da política.

Por outro lado, já no fim dos anos cinquenta (ou seja, quase vinte anos antes de La volonté de savoir) Hannah Arendt havia analisado, em The human condition, o processo que leva o homo laborans e, com este, a vida biológica como tal, a ocupar progressivamente o centro da cena política do moderno. Era justamente a este primado da vida natural sobre a ação política que Arendt fazia, aliás, remontar a transformação e a decadência do espaço público na sociedade moderna. [...] É provável, aliás, que, se a política parece hoje atravessar um duradouro eclipse, isto se dê precisamente porque ela eximiu-se de um confronto com este evento fundador da modernidade. [...] Se  algo caracteriza, portanto, a democracia moderna em relação à clássica, é que ela se apresenta desde o início como uma reinvindicação e uma liberação da zoé, que ela procura constantemente transformar a mesma vida nua em forma de vida e de encontrar, por assim dizer, o bíos da zoé. Daí, também, a sua específica aporia, que consiste em querer colocar em jogo a liberdade e a felicidade dos homens no próprio ponto – a “vida nua” – que indicava a sua submissão. [...] Tomar consciência dessa aporia não significa desvalorizar as conquistas e as dificuldades da democracia, mas tentar de uma vez por todas compreender por que, justamente no instante em que parecia haver definitivamente triunfado sobre seus adversários e atingido seu apogeu, ela se revelou inesperadamente incapaz de salvar de uma ruína sem precedentes aquela zoé a cuja deliberação e felicidade havia dedicado todos seus esforços. (AGAMBEN, 2010, p. 11, 12 e 17)

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Três conceitos - três recortes - dois autores fundamentais sobre Política


 

A) Hannah Arendt

“A Condição Humana (The Human Condition), publicada em 1958, pretendia, portanto, com base numa antropologia filosófica, responder à pergunta que fora deixada sem resposta em Origens do Totalitarismo: em que condições um universo não totalitário é possível? A análise toma por objeto a vita activa (vida ativa em oposição ao que a filosofia tradicional chamada de vida contemplativa), e a vê segundo três modalidades fundamentais: trabalho, obra e ação. Tomado no processo biológico das necessidades e da sua satisfação, o trabalho é uma atividade indefinidamente repetitiva, voltada para a satisfação das necessidades vitais: só produz o que é perecível. É à obra que cabe produzir coisas duráveis, artefatos e objetos que não sejam aniquilados assim que consumidos. Mas essa durabilidade é ainda relativa e está submetida, em ultima instância, à utilidade e ao ciclo dos meios e dos fins. Resta, pois, a ação única capaz de transcender o ciclo da necessidade vital e da cadeia infinita dos meios e dos fins. Inseparável da palavra, a ação é revelação do quem num espaço público de surgimento em que cada um é visto e ouvido por outros. Embora não seja privilégio apenas do ator político (no sentido estrito do termo), a ação enseja a constituição de um espaço público – distinto do domínio privado – em que se estende a rede das relações humanas. A condição humana de pluralidade, correlata da ação e da palavra, é para Arendt um verdadeiro conceito fundador que se encontra em todas as etapas de sua análise. (...) Mas toda a dificuldade é que a ação que nos insere no mundo não tem outra validação além do seu próprio aparecer. Não deixando atrás de si – como já sabiam os gregos – nenhum produto fabricado, introduzindo os homens num tecido de relações que eles não dominam, a ação é eminentemente frágil, seus resultados são imprevisíveis e não podem ser desfeitos”. (HUISMAN, 2001, p.60 e 61)

 

B) Aristóteles

“O termo ‘política’ é essencial. Vem do grego polis, ‘cidade’, ou ainda ‘Estado’. ‘Política’ é a possibilidade de civilizar, abrandar os costumes do Estado através de instituições, da cultura. O Estado é sem dúvida a forma mais elaborada da sociedade: só ele tem por finalidade a ‘vida bem-aventurada’ dos homens livres. Verdadeiro ‘animal político’, o homem não pode, sozinho ou no seio de uma família ou de uma aldeia, assumir ou realizar seus desejos e aspirações de modo satisfatório; também não pode atingir essa perfeição à qual chega o Estado: este vale em si mesmo e por si mesmo”. (HUISMAN, 2000, p.434 e 435)

 

C) Habermas

“As ações humanas (quando orientadas para o sucesso) têm como mediação o dinheiro (economia) e o poder (Estado). Mas o universo da intercompreensão tem como mediação os ‘atos de fala’. (...) A ação comunicativa remete às interações mediadas pela linguagem, em que, retomando a expressão de Habermas, ‘todos os participantes, por ações de linguagem, perseguem (...) para obterem um acordo que propicie fundamento para uma coordenação consensual dos planos de ação perseguidos individualmente’”. (HUISMAN, 2000, p.524)

terça-feira, 3 de junho de 2025

Sociabilidade

Hoje não!

Não quero esquecer do nada!

Um niilismo gigante habitaria minha vida.

Vamos ignorar a inocência

Todos somos culpados de lembrar

Presos em nossa consciência

Na desvalorização de nossos erros

Exacerbação dos acertos

Bem na mosca

Uma mosca varejeira cochicha

Em nossos ouvidos zunidos

Perdemos todo o resto

Perdemos tudo

Em nosso hiperfoco

Tudo que nos circunda

Inexiste

É desimportante

Estamos alienados por nós mesmos

Anestesiados da dor que criamos

Livres da dor e delícia de viver

Apocalipse não veio

Mas o mundo acabou

Só nos sobrou nós

E eu estou dizendo eu

E outro eu

Não eu mais outro eu

Eu me amo amor

Me amo em você

Só me importa o que sinto por você

Você? Você não importa.

Conto de Ulices

  Ulices não foi pra ilha de Creta. Nunca pretendeu tomar uma rainha. Quer dizer, uma vez no xadrez sim. Na Dama nunca chamou a dama de rain...