A Política na Antiguidade, ou no discurso presente ainda em boa parte da Idade Média, visava ou pregava a república, onde o bem era visado por todos e este se sobrepunha a qualquer interesse individual ou de grupos. Até porque se tinha a noção evidente de que o cidadão só existe por causa da cidade, assim como a política dependia fundamentalmente da polis. Assim, deste modo, as primeiras frases de A Política são:
§ 1. Sabemos que toda cidade é uma espécie de
associação, e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem; porque o
homem só trabalha pelo que ele tem em conta de um bem. Todas as comunidades,
pois, se propõem qualquer bem – sobretudo a mais importante delas, pois visa a
um bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade ou sociedade política.
(ARISTÒTELES, 2009, p.13).
Tanto na Idade Antiga, quanto na Idade Média (quem
preferir pode substituir os termos por Escravismo e Feudalismo) ainda imperam
modelos políticos centralizadores: Monarquia, Aristocracia, Democracia... todos
modelos que por mais participantes que tivessem
sempre desejavam no uno, na única ideia aceita esta ora pelo medo, pelo
respeito ou pelo consenso. Os homens em seus múltiplos desejos, múltiplas
necessidades tinham que se submeter a um único agir porque quem agia era a
polis, melhor dizendo, o Estado e não o individuo dentro deste.
Para se mudar um modo de agir mudava-se o Estado.
Esse é praticamente o pano de fundo de muitas obras antes de Nicolau Maquiavel,
sobretudo em A política, de Aristóteles: cada povo tem o estado que merece,
cada cultura tem um tipo diferente de governo adequado, resumindo até de forma
bastante perigosa, mas tornando bastante clara a importância vital do Estado
nesses momentos históricos.
Mas com o surgimento do capitalismo no fim da Idade
Média e sua pungente consolidação na Idade Moderna, aos poucos a política vai
perdendo a importância para a economia política. Basta analisarmos lexicamente
a troca do termo comunidade, que
ressalta o que é comum, pelo termo sociedade,
termo econômico e contratual, durante a idade média e sua consolidação na idade
moderna instaurando uma grande hegemonia hoje.
Quanto mais os interesses divergentes e ao mesmo
tempo em que consolidavam a própria hegemonia em sua diversidade, mais o Estado
perde a sua importância como agente, como promotor da política; mais se torna
mais evidente a vida fora do Estado: a sociedade civil. Mais se torna evidente
o homo laborans de Hannah Arendt que
necessita trabalhar em uma tarefa sem sentido para ele pois não domina o que
faz, ao contrário é dominado pelo mesmo e o faz unicamente para sobreviver
(isso num sentido duro) e, que portanto não tem tempo para agir, não tem tempo
para a política.
Mas essa mesma sociedade (é bom lembrar a carga do
termo) cria a sociedade civil onde as pessoas se associam em nome de interesses
comuns, mas não mais comuns a todos nem à polis ou Estado como um todo. Nasce
assim uma “democracia pluralista (poliárquica e policêntrica) , em contraste
com o ideal da democracia monística ou monocrática” (BOBBIO, 2000, p.85). Desse
modo a democracia tem seu significado substituído, agora ela precisa ser
plural, abranger e respeitar todos os pontos de vista, não precisa mais construir
necessariamente o consenso.
Assim a política, assim como o capitalismo vive da
pluralidade, do dissenso. Não tem outra razão de existir que não a de um grupo
conseguir o poder para impor seus desejos aos outros e da esperteza para se
manter no poder. É claramente uma economia política com a consolidação das
ideias de competição, de funcionalidade, de eficiência.
Aliás, em nosso tempo, a imposição de um consenso
desagrada a todos. Prefere-se um impasse permanente que nos impossibilite agir
do que um consenso forçado por qualquer necessidade. Tem-se a impressão de
‘engolir a seco’. Assim em nosso tempo o não-político
tem muito mais importância em nossas vidas.
A política como o espaço da ação por excelência, essa é uma definição
clássica de política, acaba acontecendo muito mais fora do Estado, na sociedade
civil, onde está o não-político. As
fronteiras entre o político e o
não-político à medida que a sociedade civil cresce de importância vão se
tornando mais tênues até que a política invada de vez através da biopolítica.
Assim a todo o momento agimos politicamente, mas
não fazendo política. Em todo instante somos governados integralmente,
inclusive nossos corpos pela política. Desse modo a morte da política na
modernidade ou contemporaneidade constitui-se no império totalitarista da
política que desse modo não deixa mais espaço para nada ou parafraseando
Agamben: a política se tornou teologia e a teologia se tornou política.
Referências:
AGAMBEN,
Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e
a vida nua I; tradução de Henrique Burigo. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010.
AGAMBEN,
Giorgio. O reino e a glória: uma
genealogia teológica da economia e do governo; tradução Selvino G. Assmann.
São Paulo: Boitempo, 2011.
ARISTÓTELES.
A política; tradução Nestor Silveira
Chaves. 2ª ed. Bauru, SP: EDIPRO,
2009.
BOBBIO,
Norberto. Teoria Geral da Política: a
filosofia política e as lições dos clássicos; organizado por Michelangelo
Bonavero; tradução Daniela Becária Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
ZINGANO,
Marco. Aristóteles: tratado da virtude
moral; Ethica Nicomachea I 13-III 8. São Paulo:
Odysseus Editora, 2008.
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