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domingo, 6 de abril de 2025

A paixão (3 de 3)

 Quisera tocar-te para saber

Se a seda é tão lisa quanto tua derme

Quisera cheirar-te para auferir

Se o odor das rosas tem teu cheiro

 

Quisera apreciar se tua densidade

É tão densa quanto o algodão

Quisera sondar-te para confirmar

Que nem a mais bela escultura tem tua forma

 

Queria, pois ao desfazer-me dessas minhas certezas

Restar-me-iam somente as ilusões

Pois se há seda em tua pele

Rosas em teu cheiro

Algodão em sua textura

E beleza em tua forma

Nada disso a descreve

A paixão (2 de 3)

 Eu que passo assombrado pela vida

Paro observo, vivo, depois descanso

Ao ver-te contemplo mil milênios

Todas as maravilhas anunciadas

 

E posto que parado

Analiso tamanhas qualidades

Penso serem incompatíveis

Ou impossibilidades evidentes

 

Penso em seguir

Mas já não sou o mesmo

Por isso prossigo

Parado a te observar

A paixão (1 de 3)

 Ó tênue sol de minha vida

Que longinquamente reluzente brilhaste

Aqueceste-me uma primavera

Prometendo-me eterno verão

 

E eu que me apossei de tuas promessas

Eu que me apressei em minhas aflições

Eu que me encontrei em minha desesperança

Ao perder-me em tua calorosa recepção

 

Quisera eu o sol de Ícaro

Para romanticamente estatelar-me no chão

Mas o teu sol não derrete as penas

Apenas queima, dilacera minhas veias

 

Quisera eu a insensibilidade de Afrodite

Para da tua forjar a minha esperança

Mas é Diana Guerreira

E a indiferença é o que sobra

sábado, 5 de abril de 2025

Os intelectuais segundo J.P. Sartre

 


Jean Paul Sartre no livrinho Em defesa dos intelectuais sugere a definição mais democrática que conheço de intelectual. Uma acepção que possibilita que todos, independente de classe social, sexo ou idade sejam potencialmente intelectuais. Também mostra muito mais claramente duas ideias marxistas presentes tanto em Gramsci como na Escola de Frankfurt: o domínio do capital através da educação, da técnica e da ideologia e a própria ideia de Karl Marx sobre a ideologia como uma falsa noção que engana as pessoas.

Sartre mostra que os intelectuais nascem dos técnicos, funcionários de mediação entre o capital e os trabalhadores, formados nas universidades com o dinheiro do capital para servi-lo. Estes nem são capitalistas, nem são proletários, nascem das camadas médias e internalizam sua inadequação de não pertencer a nenhuma classe, nem serem capitalistas, nem trabalhadores típicos. Ao internalizarem a contradição de serem trabalhadores explorados como os típicos (os quais deveriam defender por similitude), mas defendem os capitalistas e o pequeno poder que receberam para intermediar a relação. Ao perceberem o conflito dentro de si, utilizam sua formação burguesa para defenderem os explorados como eles. Tornam-se intelectuais. Como exemplo dessa mudança Jean-Paul Sartre diz que:

“Caso se queira um exemplo dessa concepção comum do intelectual, direi que não chamamos de “intelectuais” os cientistas que trabalham na fissão do átomo para aperfeiçoar os engenhos da guerra atômica: são cientistas, eis tudo. Mas, se esses mesmos cientistas, assustados, reunirem-se e assinarem um manifesto para advertir a opinião pública contra o uso da bomba atômica, transformam-se em intelectuais” (Jean-Paul Sartre, 1994, p.15).

Estes enquanto técnicos usam o pouco humanismo de sua educação eminentemente técnica para justificar suas atitudes e se autojustificar com um universalismo teórico, que não resiste a qualquer análise histórica convincente. Assim “quaisquer que sejam os fins da classe dominante, o ato do técnico é, de início, prático, o que ele tem por meta o útil. Não o que é útil a esse ou aquele grupo social, mas o que é útil sem especificação nem limites” (Jean-Paul Sartre, 1994, p.26). Apesar de saber que a criação de qualquer técnica ou produto imediatamente o colocará dentro das restrições da sociedade de consumo. Pois estes serão vendidos e, de acordo com o preço, somente os privilegiados que derem conta de pagar os usarão. Assim dissolve-se toda a universalidade. O intelectual absorve mais essa e tantas outras contradições também.

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Entre o desejo e a ética

 


Nós vivemos num mundo de desejos. Digo o nosso mundo humano, porque aos outros animais não é oportuna a concepção de aspirações ou volições. Os animais executam exatamente o que querem e pagam um preço caro, barato ou nenhum por isso. Pouco lhes importa. Não há todo um quadro de valores a sustentar suas convicções, não há previdência. No máximo há providência quando a necessidade encontra a oportunidade. Algo também muito comum e conhecido pelos humanos.

Nós humanos naturalmente desejamos tudo que nos faz bem, que nos afeta sensivelmente (pela visão, tato, olfato, paladar ou audição) ou sentimentalmente (pelo afeto, desprezo, simpatia, heterofilia). Vale lembrar que simpatia, por definição é o gosto ou aproximação por valores iguais ou exaltação deles (sym+pathos). Heterofilia é o gosto pelo diferente. Não creio que há mal intrínseco em desejar. Talvez algum extrínseco, afinal somos seres civilizados e por isso podado de muitos de nossos mais majestosos instintos.

Mas nossos instintos não combinam com nossa civilidade e isso é complicadíssimo. Não combinam nem mesmo com a ética: não posso fazer tudo o que eu quero sem desrespeitar o outro. Nem mesmo se em meu código de responsabilidade e de interação não estaria cometendo um erro. As éticas pessoais (éticas sempre se referem ao coletivo, mas são escolhas pessoais dentre o aceitável e o aprendido) quase nunca são as mesmas. Seria uma novidade se dois sujeitos compartilhassem exatamente de uma mesma visão de mundo.

Nossa condição humana nos leva a um corredor sem fim de desejos mesmo sem a indústria cultural nos inculcar ainda os desejos até então inexistentes e até então desnecessários. Até nos fazer desejar o próprio desejo do desejo. Acabei dando uma volta, mas escrevi esse último parágrafo mesmo só pra lembrar como nós humanos estamos enredados nos “nossos” próprios desejos. Meu foco não são os desejos criados. São os desejos reais e apenas aceitarei os ilusórios criados pelo autoengano, pois quando enganamos a nós mesmos, nada pode ser mais real.

Não pretendo considerar que o desejo é uma coisa boa ou ruim em si. Sem o desejo muita coisa não teria sido inventada ou manufaturada, criada, concebida. Mesmo o desejo do impossível levou o homem a novas épocas, conduziu a novas tecnologias, a novos pensamentos. Toda grande mudança pessoal ou coletiva nasce de uma utopia. Mesmo os desejos mais complicados, difíceis tiveram que ser sublimados e por vezes sua expressão criou expressões de arte magníficas, belas e supremas.

O conflito entre desejo e possibilidade, muitas vezes leva a compreensões éticas e estéticas formidáveis. Se eu colo os lábios no texto (não os meus) é porque não teria melhor compreensão se colasse os ouvidos, os olhos, talvez o magnífico dorso. Não seria possível imaginar melhor leitura do desejo. A vida é uma dura batalha. Felizmente é ética.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Única certeza

 Passo ante passo

Avanço pela existência

Sem crer nem descrer

Na realidade

 

Essência concreta

Ou obtusa

De retidão duvidosa

 

De como contornar a vida

Viver o essencial

Dos sonhos perdidos

 

Espalhar pelo jardim

Os saborosos devaneios

A rescender suas utopias

Concretizando todas as dúvidas

 

Que preencherão solidamente

A única certeza:

Não existo, mas permanece algo

terça-feira, 1 de abril de 2025

O imperativo técnico

 


Quando impera o individualismo e a técnica transforma o tempo criado em dinheiro só há pressa, pouca disposição de sentar e conversar. Isso atinge diretamente as ideias de Arendt e de Habermas. Hannah, como dissemos, vê a política como interação. Habermas, provavelmente a partir das constatações de Arendt, tocada pelo ocaso, crepúsculo, desaparecimento da política encontra a solução para o domínio da técnica na comunicação, interação tão pedida por Hannah Arendt.

Arendt vê na perda de importância da política e sua mudança de razão, não mais o bem público construído pela interação (direta ou indiretamente) de todos os cidadãos, passando a servir de pretexto para motivos individuais, o que leva ao totalitarismo como última consequência. Temos como exemplo os desmandos de muitos de nossos governantes visando vantagens individuais ou para seus grupos.

Fruto do declínio da política, ninguém mais se interessa por participar dos governos ou das decisões que influenciam a vida das pessoas. Nós sempre estamos interessados por nossas inquietações particulares. Habermas chegou a pensar em pôr no centro das decisões o diálogo com a teoria da ação comunicativa, mas as pessoas preferem delegar às outras especializadas em determinados assuntos à autoridade de decidir para decidir por elas. É só mais um aspecto do comodismo e da cultura da técnica. Assim, à grosso modo, "quem tem que fazer é quem sabe".  Isso acontece até com nossa política, na qual os cidadãos foram substituídos por políticos profissionais, técnicos da politica, portanto.

Assuntos incentivados por nós, mas levantados por eles, como, por exemplo: - eu acho que minha casa deveria ser azul. Eu ficaria muito feliz, confortável se fosse azul, mas vem um arquiteto e diz que tem que ser verde por mil razões técnicas. Eu descontente acato a decisão dele porque ele é um perito no assunto. Afinal quem sou eu? Um pobre coitado com senso estético pra discutir com um urbanista?

Do mesmo modo na política. São os técnicos que decidem. Não a comunidade. Mesmo nos orçamentos participativos (uma grande evolução) dá dó ver como os técnicos ignoram a população e como manipulam as falas. Até porque:

 

O meio da cultura do amoralismo é o treinamento de técnicos que supõem que os fins são dados (ou que não importam), de modo que suas preocupações são simplesmente com os meios, com as táticas, com as técnicas. Se às crianças não é dada a oportunidade de pesar e discutir tanto os fins quanto os meios e suas inter-relações , elas provavelmente tornar-se-ão céticas a respeito de tudo, exceto seu próprio bem-estar. (LIPMAN, 1990. p. 31)

A vida segue

  Atravessei dois ou três prédios pela rua Inspirou-me confiança Acenei efusivamente para o nada Recolhi todos ou louros da ação Esc...