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domingo, 30 de novembro de 2025

Cortando e desvirtuando o conceito de história de Benjamin



Vou continuar a refletir sobre a minha concepção desvirtuada de Walter Benjamin. Vou pensar apenas um pequeno recorte da sua concepção de história. Os historiadores estão sempre voltados para o passado. Nós comumente construímos a história com base no passado. A construímos com base em nossa experiência. Nada mais natural porque partimos do que conhecemos.

Com isso sempre trazemos o passado para o nosso presente. Pior, o colocamos no futuro quando o usamos pra planejar. Impossibilitamos nascer o novo por estarmos sempre presos ao passado. Poxa! Mas se esquecermos o passado podemos repetir os mesmos erros de novo. Sim, mas se levarmos o passado para o futuro os erros são transportados. Não podemos esquecer o passado, mas não podemos construir o novo sem romper com o passado.

Pra fazer o novo é preciso partir do novo, de um presente ideal. É preciso romper com a linearidade. Começar uma nova história livre dos absurdos do passado. Não estou falando de uma revolução socialista ou anarquista. Estas estariam relacionadas a um passado. O negando, provavelmente. Não seria um corte epistemológico.

Para criar o novo, as escolas devem ensinar o passado como uma era repugnante já terminada e focar na criação do novo tempo desligado das mazelas do passado. Um tempo sem a lembrança da escravidão que impõe o racismo e a misoginia. Aí está o ponto que vou ser mais polêmico e vou tomar todas as porradas possíveis e justamente porque o novo não está aí. Não defendo o esquecimento. Como eu disse, 15 minutos após o estabelecimento do novo, o passado deve ser uma era desprezível já terminada. O escravismo precisa ser tirado da história da nova era para que deixe de ser referência. Mesmo que seja negativa, abominada continua sendo uma enorreferencia que pode ser retomada, fantasiada, sublimada como é hoje.

Para fazer uma nova história, é preciso fazer o novo a partir do novo, de novos pensamentos. É preciso romper com o velho. Romper, não negar. Desligar-se. Perder as referências. Reconstruir com base no que nunca foi feito ou adotado. Do passado só podemos se muito adotar ideias perdedoras por razões econômicas, políticas ou de preconceito se convenientes. Para fazer uma nova história é preciso agir diferente. Para agir diferente é preciso romper com a velha história: o tempo antigo, o tempo morto.

O que proponho é algo muito perigoso. O fascismo e o nazismo propuseram algo semelhante. Mas tem uma enorme diferença: não estou propondo uma volta a um passado mitológico poderoso. Estou propondo romper com qualquer passado, real ou mitológico. Proponho deixar de repetir erros. Cometer erros novos. Nós temos horror ao desconhecido, mas se quisermos algo novo precisamos avançar para o incógnito.

sábado, 29 de novembro de 2025

A percepção segundo minha interpretação de Walter Benjamin

     


     Walter Benjamin tinha uma ideia sobre a apreensão/representação nas obras de arte muito interessante. Desejo somente explorar um pedacinho dessa percepção. A filosofia se faz muitas vezes pelo obvio que deixou de ser observado ou não é observado. Ele percebe como a representação dos objetos em uma pintura, foto, filme, descrição narrativa tende a perder aspectos/qualidades/atribuições dos objetos.

Digamos uma foto simples escolhe um ponto de vista e mostra como se está vendo o objeto. Mais ou menos porque as fotografias não tem acuidade de um bom olho ou por serem externas sofrem influencias que desajustam. Uma pintura que pretende ser realista escolhe um ponto de vista, tem dentro de si uma representação do objeto. Uma subjetividade que acrescenta mais atributos ao objeto. Algo que deixa menos vazio, descaracterizado.

Uma descrição narrativa emerge em subjetividade mais claramente que as outras. As outras também estão banhadas, mas não tão objetivamente. A descrição está tão cheia de subjetividade que pode mostrar a essência do objeto para o autor da obra permitindo, inclusive, que o leitor capture outra essência. De toda forma, a representação é redutora. Não pode mostrar tudo. Os aspectos são escolhidos. É impossível passar a integralidade do objeto. Mas evidentemente são escolhas subjetivas. Mesmo que fosse possível mostrar a integralidade, o autor provavelmente preferiria mostrar seu ponto de vista, sua interpretação do objeto.

O autor pode mostrar a essência do objeto, a negação do objeto, pode “desobjetificar” o objeto, mas não pode escapar de fazer escolhas. Mostrar algumas coisas, esconder outras. Pode até negar escolhas, o que é uma decisão. Desse modo toda obra são cortes da realidade ou da negação da realidade ou da relação com a realidade. Nunca a realidade em si, sobretudo no que deseja ser verossímil.

           Essa é de longe a parte mais importante do que eu deveria dizer. O que eu quero dizer é que a melhor descrição da realidade é a ficção que deseja mostrar algo real ou que acontece porque os construtos imaginativos permitem uma interação mais real com as propriedades do objeto que foi certamente metaforizado para facilitar a interação. Complicou e explicar minunciosamente não é produtivo porque a explicação é sempre um corte que esconde partes do objeto. Pensem. Se em algum momento eu conseguir acrescentar sem destruir parte do anterior volto.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Conto da Ofélia

 


O que dizer de Ofélia? Estaria ela numa opera? Ofélia diz de si mesma e basta: “eu sou o que sou. Nada mais!”. Na estante da sala reluzia o clássico Cozinha de Ofélia. Comprou mesmo antes de quitar seu apartamento pra ter uma ideia de como seria sua cozinha. O livro era de culinária. Nunca o leu.

Ofélia passava o dia na rua. Vendia de tudo: perfumes, bijuterias, prata, joias e ouro. De vez em quando vendia um lote. Se virava pra conseguir um dinheirinho. De pouco em pouco tocava a vida. Não dava pra almoçar no Jockey Clube todo dia, mas podia ir umas três vezes por semana lá se quisesse. Não dava tempo. Estava sempre daqui pra lá, de lá pra cá.

As vezes não dava tempo nem de almoçar. Sorte quando marcava de almoçar com algum cliente. Algumas vezes pagava um almoço numa conversa que não ia dar em nada só pra almoçar. Mas era difícil ter esse tempo. Se deslocar de um lado pro outro era essencial. Era preciso recolher cada peça do quebra-cabeça do mês, cada moeda pra fechar as contas. E se possível juntar um pouco mais.

Fruto desse vai e vem conhece o centro como ninguém. Talvez menos só que os ambulantes. Os bairros novos melhor que quase todo mundo por vender lotes sempre que possível. Não conseguiu adentrar nos feudos das concessionárias, mas no das imobiliárias de vez em quando lhe sobrava algum. É um dinheiro que garante mais tempo, dizia.

Quando vendia algum lote, o que vendesse era um algo a mais por algum tempo. Mas lote não era algo que conseguia pra vender todo mês. Vivia mais do varejo de perfumes e joias. As vezes algumas bijuterias. O que vendia era um almoço ou café da manhã garantido. Em algumas oportunidades fazia uma venda maior no varejo. Ganhava um pouco mais que pra sobrevivência imediata. Mas era uma vida incerta: hoje tinha um pouquinho mais, amanhã só pra uma refeição.

Não tinha um plano de saúde. Não tinha uma regularidade de dinheiro pra isto. Mas já fez checkup nos mais famosos hospitais quando tinha dinheiro. Com exceção da casa, comprava tudo a vista quando tinha dinheiro. Sabia que tinha, mas daqui a pouco não voltaria a ter. Gastava o absolutamente necessário. Já tinha se acostumado com essa gangorra na sua vida. Geralmente tinha o necessário, mas algumas horas tinha muito, outras não tinha nada.

Teria sido uma excelente especuladora financeira pelo sangue-frio, quase indiferença com a situação financeira. Saberia comprar os ativos que iriam se valorizar e não se afligir com a inicial queda de preço.  Embora sua especialidade não seja comprar e sim vender. Mas essa é uma conjectura que cabe na história. Pois não, essa é Ofélia.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Luxúria



Quisera fazer uma viagem. Partir de onde desejava e chegar onde estava. Não seria uma viagem longa, mas custosa. Enfrentar o percurso talvez fosse uma vida. Ou a capa dela. Não haveria vida nenhuma. Só duro trabalho consigo mesmo. Constante reflexão sem espelhos. Ou melhor com um espelho projetando ora a imagem de si ideal, ora real.

Procurou parque de diversões. Todos fechados. Aquilo era nada divertido. Uma casa de espelhos seria talvez uma boa música, não um bom parâmetro. Precisava meditar, mas não com mantras preestabelecidos, mas construir suas próprias meditações. Criar uma consciência. Procurar uma essência, embora esta não exista, seja um ideal.

A viagem estaria floreada de paisagens belas, seda perfumada, mas sabe criaria pântanos infernais pelo caminho. Nestes sabe que aprenderia. Nos campos floridos descansaria. Então desejava desafios. Embora lhe fossem bem custosos e o desgastassem bastante. E, sobretudo, era muito desagradável. As saídas e fugas sim, eram muito reconfortantes. Sabia que não podia viver a vida no infortúnio, mas era o preço de aprender.

Não esperava recompensa pelos desafios. Sabia que eles nada lhe acrescentavam. Suas soluções sim, simbolicamente. Tinha uma enganosa sensação de vitória. Mas só era conduzido ao novo problema. Que solucionado revelava o próximo. Entremeado a isso viu flores, sentiu perfumes, sentiu a pele, o pelo, o osso. Deitou na grama em luxuria do contato com terra, agua e ar.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Passatempo



Por toda parte ouve-se a mesma ladainha

Meditabundo repetem o mantra:

Não sou eu

O inferno são os outros

Sartre riria:

O inferno são os outros?

Que outros?  Você quer ser único

Os outros não te deixam ser?

Você quer ser raridade

Mas consome moda

Ou melhor, a moda te consome

Ou os outro te lembram quem és?

Será que o inferno é ser o que és?

Não há comunidade, só sociedade

Falida, insolvente

Com os sócios se canibalizando

Morreu a política com o príncipe

Sobrevive a economia

A mesma que escravizou

Os estrangeiros

Os negros

As mulheres

As crianças

E, por fim,

A mente em geral

Presa, mente pra você:

Isso é liberdade!

16, 18 horas sem parar

Para os algoritmos

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Sobre Queila e o anarquismo

 


Asseveram que Queila atravessou sete estradas. Eu não duvidaria se o seu corpo não estivesse sempre quente. Se o terreno não fosse tão inóspito. Atravessar um deserto na beira do mar é quase impossível. Mas quem construiu sete estradas no Atacama. Alguma dessas construtoras falidas brasileiras? A Mendes Júnior não foi porque ela faliu no Iraque. A Odebrecht se inviabilizou na Operação Lavajato.

Há um histórico de empreiteiras brasileiras ganharem notória experiencia, juntar títulos que permitem fazer qualquer obra em qualquer lugar do mundo e, condições adversas inesperadas as levarem a falência. O que não acontece com empreiteiras chinesas, americanas ou italianas.

Bom... não importam as empreiteiras. Falamos de Queila, a sobrevivente. É notório que Queila andou muitas trilhas. Talvez tivesse escalado muitos morros. Romper serras não lhe seja impossível. Mas andar centenas de quilômetros entre os Andes e o Pacífico no deserto mais seco do planeta Terra? Sim, Queila faria isso. Não com tranquilidade. Porque é uma tarefa que não deixa ninguém tranquilo.

Dizem que bebeu seu colete com gelo durante o caminho. Queila disse que deixou quase tudo pro final. Isso é difícil descobrir com todo mundo variando com aquela temperatura e sol escaldante. O que se pode dizer é que não foi integralmente bebido. Será que fizeram as sete estradas só pra Queila atravessar? Pouco provável. Umas três ou quatro estradas é possível que tenha atravessado.

Queila sempre manteve sua pulsação levemente abaixo do normal. O fazia para manter a tranquilidade. Efeito disso suava com maior intensidade e quem tocasse sua pele acreditaria que ela estava febril. Ela dizia que nada disso. Era uma mulher quente. Disso eu não sei. Intrigada por desafios com certeza. Se impunha desafios. Queria sempre superar dentro do que ela acreditava ser seguro.

Era hora de voltar pra uma bacia hidrotermal e passar uma quinzena ou mês relaxando pra depois planejar com cuidado o resto do ano o desafio do ano vindouro. Enquanto isso corria seus quilômetros diários e reforçava a musculatura para estar pronta para o que desejasse. Era uma linda morena que pela atividade interditava os menos atrevidos, (homens ou mulheres) os que tinham chances, e demolia os pretensiosos ou pretensiosas. Afinal ela sempre gostou de desafios. Timidez é um belo desafio.

Já nadara no Amazonas e no Nilo. Já subira o Everest e o K2. Nunca correu uma ultramaratona porque ela sempre achou que é muito mais exibição que desafio com toda a estrutura disponível. Já foi correspondente de guerra, mas não dessas guerras midiáticas em que você está minimamente protegida no front e sim de guerras na África e guerrilhas na América Latina quando tinha. Agora pensava em passar três meses no partido anarquista sem ser expulsa, o que seria um recorde três meses maior que o recorde anterior.

Tá bom... eu até acredito em atravessar sete estradas e sete cachoeiras no deserto de Atacama. Mas alguém que ficou mais de um dia filiado a um partido anarquista legitimo, melhor acreditar em São Jorge na Lua ou uma tripulação respirando oxigênio em Marte sem mascaras. Aliás um partido anarquista é uma contradição. Legitimidade disso é outra. Bakunin e Malatesta nunca se filiariam a mesma organização. Queila não quer saber disso. Vai pensar em outro desafio. Ano que vem saberemos.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Eternidade

Subi a escada despretensiosamente. Desceu o céu sobre minha cabeça. Torci a camisa e virei o boné. Alguns dirão que fabriquei uma caixa d’água. Minha alma tremia. No minhas veias tocava um pancadão. Respirei como um quem está prestes a afogar. Mas tudo passou. Dormi ali na grama. Lua cheia, sonhando com seu hálito. Parou o tempo. Gravou-se a imagem. Fez-se eternidade.

A vida segue

  Atravessei dois ou três prédios pela rua Inspirou-me confiança Acenei efusivamente para o nada Recolhi todos ou louros da ação Esc...