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segunda-feira, 21 de abril de 2025

Transmundo

 


Estamos hoje transeuntes num furacão de informações, sensações, perdidos numa realidade histórica que parece estar à frente de nosso tempo. É verdade que nós guardamos um baú de objetos antigos, informações que muitas vezes perderam a utilidade, outras que nos resguardam, nos garantem alguma segurança.

Essa turbulência em que vivemos, esse mundo inundado de informações, altamente interativo, sempre o foi, mas agora se amplificou em suas inúmeras possibilidades e impossibilidades que nos deixam, por vezes, confusos ao sabor dos desencontrados movimentos que 'marolam' confusos nesse oceano de incertezas, ou de certezas demais.

Alguns estudiosos insistem em afirmar que estamos na era da desinformação, devido à imensa quantidade de informações visuais, sonoras, tácteis, sem contar as mais específicas a que somos bombardeados. Concluem eles que estamos atônitos sem saber o que fazer com tanta informação, sem saber que destino dar a elas.

Vários visionários, como o canadense Marshall MacLuhan, previram um período em que a informação seria abundante, a democracia seria muito mais interativa. Esses prognósticos vieram praticamente no momento do nascimento da internet ou dos experimentalismos que levariam a sua criação na década de 60.

Certamente ambas as correntes e contracorrentes (humanista e tecnológica) estão corretas. É certo que se ampliou abundantemente o acesso à informação. Nem falo da internet, ainda de muito restrito acesso, mas dos meios de massa que se ampliaram aceleradamente na ultima metade do século passado. Como meios de massa, estou considerando uma ampla variedade de empreendimentos comunicacionais não apenas as redes de televisão, rádio e mídia impressa, mas a internet, shows musicais e teatrais, filmes, panfletos com maior circulação, rádios comunitárias e corporativas, uma série de eventos, acredito que se possa caracterizar devido a especificidades regionais meios mais restritos como de massa.

Há tanta informação disponível que não conseguimos absorve-los e quando as absorvemos aumentamos, por vezes, uma 'cultura inútil'. É verdade que esta sempre existiu, mas nunca em tamanha quantidade ocorreu de informações passarem uma vida sem utilidade. Calma gente! Não pretendo nunca me tornar um utilitarista. Essa doutrina é muito pratica e pouco ética. Apenas digo que em nenhum outro momento da história as informações criaram tantos analfabetos. Nem falo de analfabetismo digital, mas informações, por exemplo, de como se lavam elefantes na Índia para um esquimó do Alasca que periga nunca ter visto um elefante.

Estamos, pois, num mundo globalizado onde imperam as grandes transnacionais e o mercado sobre os estados nacionais. A lógica do mercado é perversa, sobretudo num contexto neoliberal, pois ao mercado só interessa lidar com consumidores e transformar qualquer produto, informação em mercadoria rentável.

Hoje todos os serviços e produções de qualquer natureza têm a mesma característica de uma manufatura, quer dizer são produzidos por uma indústria: a indústria cultural e comercializados como qualquer produto industrial. Para isso os filósofos da Escola de Frankfurt já diziam que se pauperiza a cultura de modo a torná-la mais acessível a um maior número de consumidores. A indústria cultural utiliza técnicas falsamente neutras para pasteurizar a cultura tornando-a asséptica. Quer dizer retirar o conteúdo ou valor de uma cultura não é uma ação neutra. Assim torna os produtos universais ao retirar os empecilhos culturais que dificultariam sua absorção por um maior numero de consumidores.

Esse é um processo que não é nada novo e foi descrito há muito tempo. Mas o que é novo agora é que com o endeusamento do mercado produzido pelo neoliberalismo globalizante, as relações foram invadidas por uma lógica comercial. Essa teia globalizada aparentemente tem nas pontas os consumidores. A dimensão humana a cada dia é mais sucateada nessas novas relações, dando espaço a condutas formais acríticas.

Essa lógica já penetrou na educação ainda no século passado com as famosas educações para a produção e fordista. A educação é uma indústria cultural privilegiada, pois forma os consumidores. A educação, apesar das teorias pedagógicas inovadoras, meramente reproduz os valores da sociedade, não consegue cumprir um de seus papeis que é produzir o futuro.

É certo que vivemos num mundo em que a informação se voltou a ser mecanismo de poder. A informação era mecanismo de poder na Idade Média. Época em que os livros estavam guardados nos mosteiros e havia uma severa classificação e censura dos livros que poderiam ser lidos. Uma forte guarda dos que não poderiam ser lidos por 'mentes mais fracas, menos resistentes à tentação'. Um aspecto do poder político da Igreja Católica neste período o qual poderíamos muito melhor caracterizar dentro do Materialismo histórico como Feudalismo.

Agora retorna a ser mecanismo de poder. Só que quem a controla não é mais uma instituição, mas sim os burgueses. Portanto se faz necessário maquiar fortemente a concentração para não deslegitimar os ideais que os levaram ao poder. É necessário também para eles manter acesa uma promessa. Se para as religiões que nasceram no oriente médio o céu é a promessa necessária, para o capitalismo era necessário três promessas: liberdade de associação, igualdade de condições para lutar e fraternidade como um resquício de humanidade no frio coração do sistema. Hoje só necessita fazer uma promessa, sem condições de cumprir como as outras: consumo para todos.

Hoje consumimos praticamente tudo o que podemos. Tudo é produto, inclusive nossas relações. Olha estou falando em regra geral, e como sabemos regras gerais só tem exceções. Cada ser humano é uma especificidade em si, um particularismo profundo, mas não há dúvida de que mesmo os mais virtuosos caem em várias valas dessas. Acredito que muitos não têm consciência disso. Ninguém tem consciência plena afinal, mas muitos como eu gostariam. Voltando ao assunto há um excesso de informações disponíveis só que organizadas de modo caótico. Essas mesmas informações, embora disponíveis, estão naturalmente codificadas de modo que só quem é da área ou conhece profundamente o código pode facilmente decifrá-las. Creio que compliquei. Mas é fácil: não me peçam para ler uma planta de engenharia eu provavelmente não entenderei nada.

Então quase tudo está disponível a uns poucos. Mesmo assim desses poucos que tem o acesso pouco poderão codificar/entender/assimilar porque é impossível terem acesso a muitos códigos. São códigos que levam anos para se adquirir. Esse é outro defeito do cartesianismo na educação: ao separar as partes, cria um monte de analfabetos para as outras. Entretanto qualquer leitor, com toda autoridade, poderia argumentar que se tivéssemos uma visão global seríamos analfabetos para tudo. Por certo, se pensarmos com nosso cartesianismo, por certo. Mas tivermos uma visão holística, de holos - total, somos obrigados a ter uma ideia complexa da vida. O que ao contrário do que parece simplificaria muito nossa convivência devido à ideia antropológica das culturas e éticas profundamente respeitosas, ecológicas e holísticas com a de Baruch Espinosa.

Se nossa preocupação fosse com o sistema como um todo e não com peças isoladas dele. Tudo seria muito mais fácil e legível. Diminuiriam significativamente as especificidades, pois não estaríamos preocupados em teorizar sobre a arruela para quem se interessa por arruela e sim preocupados em falar sobre o universo para quem vive nele. Não tenho a menor pretensão de defender a unificação das culturas e o fim das diferenças destas ou o nivelamento destas por baixo via domínio cultural. Imperialismo Americano, Francês, Bielo-Russo ou Jamaicano é tudo a mesma porcaria !!! Nunca defenderia isso. O que defendo é que adotemos como ética ideal algo próximo do 'paradoxo' de Kant: Fazer o maior bem a todos, provocando o menor mal possível.

domingo, 20 de abril de 2025

Devora-me ou te decifro

Embebido em vasto mar

Sufocado pela racionalidade

Imerso na solidez do sonho

Ao desfazer-me de minhas convicções

 

Assim caminha o mundo

Por todo lado meu universo

Uivam os impulsos

Intuo a liberdade

 

Do tudo ao nada

Constrói-se a existência

Retirando os obstáculos

Em pleno nada lá está

(A vida)

sábado, 19 de abril de 2025

A ética, a política e a história pessoal

 


As histórias pessoais são em última análise a base da história universal, a história mais ampla que existe, menos previsível e mais importante porque constitui o ambiente para todas as outras. Como já dissemos, é praticamente impossível prever como se encaixa e que resultado as ações individuais, ou a interação destas, tem na história universal. Mas quanto menor o âmbito da história, mais previsível é o resultado das ações. Como se fossem experimentos: quanto mais numerosos e mais fortes os limites mais determinados são os resultados destes.

Assim, determina-se a importância da ética como a parte da consciência que está sempre ponderando para alcançar o maior bem comum ou bem público. Toda ação na história pessoal, ou na história dos indivíduos ou história individual tem uma consequência direta previsível, embora não determinada. Assim avoluma-se a importância de agir bem. Aí entra a ética tão esquecida.

É verdade que a ética hoje é muito mais pragmática que bem intencionada. Natural numa sociedade em que os fins valem muito mais que os princípios. Assim uma ética da responsabilidade se torna imprescindível para mudar a história. É óbvio também que não podemos deixar para trás nossos princípios. Boa parte deles são inegociáveis por natureza, pois inobservados fatalmente a civilidade descambaria para a barbárie. Creio, na verdade, ser inexistente esse maniqueísmo pregado entre as éticas de convicção e de responsabilidade. É possível e desejável satisfazer as duas.

Agir bem não significa somente ir para as ruas lutar por direitos ou cumprir deveres. A conduta ética se define em cada ação, em cada interação. Por isso a ética é companheira inseparável da política para Sócrates, Aristóteles, Hannah Arendt ou Jüngen Habermas. Assim, o homem político não pode deixar de agir no mundo observando e refletindo sobre seus atos. Se aperfeiçoando para agir melhor. Carregando o fardo de em sua história pessoal criar as melhores peças possíveis do grande quebra-cabeça que será a história universal.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A pequena e a grande história

 


Toda a história do mundo não é composta por grandes atos isolados. Toda a história é fruto de uma contingência histórica anterior. Nada de grandioso acontece sem que se tenha criado um ambiente para o seu aparecimento. Por isso, insisti tanto nos primeiros minutos de hoje no longo texto sobre a dialética histórica. Sobre a ideia de que a síntese histórica é um efeito particular de seus termos anteriores: tese e antítese. Pode ser explicado por estes, mas não como uma adição, mas como uma reação química sobre a qual pouco se conhece dos reagentes e muito menos do ambiente.

A grande história é composta por centenas, talvez milhares, de pequenas historias. As historias individuais interferem à sua maneira nas histórias dos grupos, as dos grupos no das sociedades. Histórias menores são costuradas de maneiras particulares nas historias maiores. Por essa razão toda ação é histórica. Toda reação também o é. Mas o papel ocupado por cada historia menor nas maiores é sempre imprevisível, dado a enorme quantidade de variáveis que tornam imprecisa as análises.

Dessa limitação surge a ideia idealista do espírito da história em Hegel, prontamente refutada por Karl Marx que cai num mesmo fatalismo de Hegel por esse excesso de crença na na racionalidade instrumental. A mesma crença no progresso de Hegel, metamorfoseada num novo esclarecimento  levantamento da massa proletariada criada pelas condições históricas da iminente crise do capitalismo. A crença no progresso de Hegel chegava no fim da história. A de Marx, no fim do capitalismo: o Comunismo.

Mas, pouco importam essas considerações. O importante mesmo é a validade ética de devemos agir pelo bem do todo porque embora desconheçamos os efeitos históricos a médio prazo, sabemos que fizemos a nossa parte e do que depender de nossa pequena história, influenciamos a grande história dentro da nossa capacidade, para obter os melhores resultados possíveis de acordo com as circunstâncias existentes. Assim, a política é o ato público, é interação, sabes que somente a ação pode modificar a história.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Uma crise inevitável?

 


Vivemos em um mundo que valorizou excessivamente a ideia de indivíduo, a noção de sociedade. Uma sociedade ilimitada de fato. Não há melhor definição para um empreendimento onde os sócios não são conhecidos e nem se conhecem ou interagem (como pede uma boa política). Não há ideia melhor para coordenar as ações isoladas de seres que inexistem para os outros que a ideia da mão invisível de Adam Smith. Alguma coisa tão imperceptível como o espírito da história de Hegel a organizar as ações para o melhor proveito do sistema, digo, do empreendimento, ou seja, da sociedade, porém muito menos explicável.

Não bastasse isso, como uma sociedade financeira e financista, tudo é orientado para o consumo. Absolutamente tudo é consumido. Nada escapa à missão de satisfazer desejos, numa espécie de pesadelo budista, onde como previa Sidarta Gautama, um desejo leva a outro e o outro a um novo, numa cadeia infinita de desejos, felicidade instantânea e uma eterna insatisfação por não alcançar nunca o último desejo. E nós consumimos tudo: coisas, sentimentos, pessoas, ideias, descanso, lazer, etc. Tudo dentro da lógica Aristotélica de que o único fim-em-si é a felicidade, mas com o adendo de que esta nunca pode ser alcançada pelo espiral de desejos.

Num mundo que nos anula, nos reifica, nada mais natural de que não possa se falar de humanidade. Sem humanidade, fica impossível existir o humanismo. Talvez seja melhor num mundo como esse desistir do conhecimento, fixar-se apenas nas informações. Esquecer a ontologia, a ética e a epistemologia e nos ligarmos na cibernética, pois só importa a informação. O conhecimento e a reflexão não cabem mais nesse mundo de inputs e outputs.

Sem humanismo, sem humanidade, atormentado pela reificação e pelo niilismo, o “homem” encontra-se perdido, totalmente sem parâmetros. Sobretudo num mundo rápido em que a técnica toca o mundo na sua velocidade e arrasta os homens, que em nenhum momento param e pensam: “poxa, eu sou um homo ludens. Sou eu que faço a história e sou feito por esta. Não fatores estranhos às minhas interações”. Num mundo estranho desse, o “homem” se sente completamente inadequado. Não há mais base nenhuma para seus pensamentos. Nenhuma garantia. O sistema funciona independente dele. O que ele faz no mundo? Qual a sua missão? Que importância tem? Toda a personalidade, de persona, pessoa, é perdida.

Sobra ao ser humano uma crise de personalidade. Ele acredita ser algo, mas a todo instante o mundo lhe mostra que ele não é nada. Ele pensa em coisas bonitas. Tem convicções utópicas da época do humanismo, acredita ser gente. Mas isso pouco importa. Assim estão criadas as condições da crise perpétua. Uma crise de personalidade que se funda ora na inadequação, quando o ser acredita ser algo ainda, ter personalidade. Ou na anulação, quando o ser descobre que sujeito a quase tudo ele está, mas um sujeito ele não é, pois perdeu sua subjetiva ao se transnaturar de animal pra coisa, instrumento.

A humanidade, com todas as evidências contrárias insiste em refletir. Que bom! Mas pensar é justamente o bom contrassenso que a deixa em crise. Sorte que a crise é o terreno da filosofia e esta é um dos únicos domínios que a subjetividade pode existir ainda. Pensemos e ultrapassemos a crise existencial e talvez voltemos a ser humanos.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

A morte do "outro"

 


Nós não nos constituímos sem o outro. Não há como o homem se tornar humano sem o juízo do outro. Nós somos maus críticos de nós mesmos. Não conseguimos nos ver com a mesma clareza com que espelhos, mesmo disformes nos veem. Assim a cada passo, mesmo que o outro seja outro eu, o eu-mesmo, a consciência, estamos necessitados do julgamento, do amparo da opinião do outro. Assim o filósofo Umberto Eco, no livro Os cinco escritos morais, dentro do capítulo Quando o outro entra em cena, nos diz que:

Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca, o faz em momentos excepcionais, mas pelo resto da vida está lá a mendigar aprovação, amor, respeito, elogios a seus semelhantes. E mesmo àqueles a quem humilha ele pede o reconhecimento do medo e da submissão. Na falta desse reconhecimento, o recém-nascido abandonado na floresta não se humaniza (ou, como Tarzan, busca o outro a qualquer custo no rosto de uma macaca), e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos tivessem decidido não nos olhar jamais ou comportar-se como se não existíssemos.

Como então houve ou há culturas que aprovam o massacre, o canibalismo, a humilhação do corpo de outrem? Simplesmente porque essas culturas restringem o conceito de “outros” à comunidade tribal (ou à etnia) e consideram os “bárbaros” como seres desumanos. (ECO, 1998, p. 95 e 96)

Assim vemos a importância do outro para nós e também como transformamos tanto o outro em bárbaro comumente, no dia-a-dia, desumanizando-o. Transformando um parâmetro em algo nulo, inexistente. É o que fazemos a cada um que ignoramos. Decompomos o ator mais importante em nossa formação em pó, cinzas. Assim o ser coletivo, formado por suas relações se torna individualista, pseudo-autônomo ao tentar anular os outros em nome de sua singularidade, de que seja notada suas particularidades. O homem político que age em busca do acordo para o bem do grupo desaparece depois de se alimentar dos outros, que não pretende retribuir. Assim caminhamos nós a humanidade, ou melhor, a desumanidade

domingo, 13 de abril de 2025

Helô



Pé ante pé vou caminhando

Sofrendo as pedras do caminho

Respirando acúleos

 

O perfume de Rosa

Me soa inodoro

A insipidez foge meu espírito

 

Gosto acidamente da pétala

Raspar tua perfeita cútis

Com a aridez do meu desejo

 

És trilha?

Pleno jardim?

Luminoso mistério?

És vida.

 

Arte existencialista

A beleza da eterna mudança

Sonhar o imprevisível

Desfrutar do inesperado

Conto de Ulices

  Ulices não foi pra ilha de Creta. Nunca pretendeu tomar uma rainha. Quer dizer, uma vez no xadrez sim. Na Dama nunca chamou a dama de rain...