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sábado, 22 de fevereiro de 2025

Nenhuma mentira ou ilusão é o bastante

 

Notavelmente havia passado a fase de mais alta indigência e agora distribuía indulgências, não porque o seu deus havia determinado, mas porque era parte de seu livre-arbítrio. Caminhava estradas sem volta em direção a lugar nenhum que conhecesse. Tropeçava em afiadas pedras que lhe dilaceravam a carne e deixava parte de si pelo caminho como indícios de sua indubitável existência.

E assim era feliz não de uma risada larga, mas de uma incompletude notavelmente instável. Devorava a tudo e a todos que encontrava pelo caminho em sua mente compulsória, como se saber fosse uma febre. Lia, relia, desvirtuava o cotidiano ao deixar suas marcas onde não poderiam ter estado. Vivia em estado de letargia. Dos poucos que conheceram garantem que este morreu de indigestão literária.

A melhor coisa que existe na vida é não esperar nada. Quem se ilude, fatalmente será um desiludido. Já dizia o príncipe Sidarta Gautama, só é possível alcançar a absoluta paz (Nirvana) quem consegue abolir de si todos os desejos. “Os desejos são a fonte da dor”, dizia ele. Mas esse descolamento do mundo não pode ocorrer de maneira cínica. Se bem que Cínicos, como Diógenes o fizeram muito bem, foram profundamente éticos, mas não pretendiam encontrar a paz, apenas se desligar do mundo contingente.

Para viver em qualquer mundo é preciso humildade. Uma difícil honestidade de se mostrar fraco, incompleto por mais que se saiba saber. Saber que nenhum conhecimento pode conduzir direto à sabedoria. Que nenhuma sabedoria é absoluta. Que nessa vida, a questão de mestre e discípulo é mera contingencia temporária. Que ninguém aprende sem ensinar, como ninguém ensina sem aprender. Que os antônimos neste mundo são muito mais próximos que os sinônimos. Que os radicais tem sua importância, mas a história não os respeita. Transforma suas palavras derivadas em significâncias completamente diversas.

A hipocrisia e a leviandade são os mais importantes valores do mundo. São absolutamente cômodos. Propiciam com que as pessoas se defendam e se acusem sem o menor esforço. A hipocrisia possibilita que as pessoas acusem as pessoas de seus próprios erros. A leviandade, que se acusem sem a menor preocupação de provar a realidade do que afirmam. Uma maravilha, sobretudo para quem, pretensamente, dispõe de alguma autoridade.

Para alcançar a paz, como eu disse, é preciso um autoconhecimento enorme para conhecer suas aflições, seus desejos mais íntimos e ao mesmo tempo conhecer suas origens para erradicá-las. As pessoas, muito ligadas à hipocrisia e à leviandade, não podem percorrer este caminho. Estão profundamente condenadas ao ciclo do desejo-ilusão-desilusão, um caminho de dor sem volta. Sem nenhuma gratificação, a não ser a manutenção de suas ilusões, fontes de toda a sua dor. Fazer o que se tem seres que nunca aprendem.

Nunca leram o evangelho de Mateus que afirma “não julguem e vocês não serão julgados. De fato, vocês serão julgados com o mesmo julgamento com que vocês julgarem, e serão medidos com a mesma medida com que vocês medirem” (Mateus 7,1-2). Uma regra tão simples como o provérbio que diz que quem tem telhado de vidro não deve jogar pedra. Sobretudo, se o telhado em questão não for de vidro mesmo. Mas como já afirmou o mais sábio dos homens à beira de sua morte; “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!” (Lucas 23,34).

Deste modo fica muito fácil explicar porque a Política após a Idade Antiga foi cada vez mais se desvencilhando da Ética. Essa transformou num enorme penduricalho sem função alguma, senão atrasar as conquistas da política no momento que os homens foram se tornando cada vez mais pragmáticos e perceberam que não importam os princípios, apenas os fins desejados. Assim a veleidade e leviandade tomaram seu assento no centro do mundo, centro este que depois da modernidade se tornou o homem, hoje o que restou dele.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Helô



Queria saber voar

Perder-me em seus devaneios

Mergulhar na flor

Adentrar seus desejos

Ser tu a sonhar contigo

Concluída a perfeição

A plenitude a adorar a si mesma

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O ocaso da política e a barbárie da civilização

 


Como sempre, vou preferir proferir minhas impressões que reproduzir o achômetro de outros, mesmo que estes sejam mais conhecidos e tenham maior credibilidade. O que não deixa de ser um critério técnico, o que em si mesmo é um grande problema. Se eu cedesse a esse juízo estaria sendo incoerente, pois o retorno da política, que defenderei, é justamente um contraponto ao domínio nefasto da economia através da técnica e da tecnologia.

O grande problema detectado por Hannah Arendt na modernidade foi o ocaso da política. A própria inexistência da política, fez com que necessitasse voltar à Grécia antiga para ter conceitos onde basear seu estudo que culminou na criação do conceito de Totalitarismo para explicar regimes como o Nazismo e o Stalinismo, que não poderiam ser considerados tiranias, pois tinham apoio da massa apesar de opressores e nem foram frutos de golpes de estado.

Os integrantes da Escola de Frankfurt, logo em seu início perceberam as influencias devastadoras da técnica sobre a sociedade. Membros da primeira geração como Adorno e Horkheimer demonstraram como na técnica ao explicar o mundo o mitificou, transformou a própria razão “autônoma” em mito. Marcuse, uma transição da primeira para a segunda geração, intensificou a crítica à técnica e à tecnologia. No entanto nenhum deles (da Escola de Frankfurt) conseguiu perceber antes que o grande problema não era apenas o domínio da técnica, mas também o consequente ocaso da política.

Aristóteles, bem como grande parte dos filósofos gregos após Sócrates perceberam que a política se fazia na praça pública e era fruto de uma dialética, ainda uma dialética socrática. Estava fundada a relação intrínseca entre política e interação/comunicação/diálogo. Um conceito de política que não encontra nenhum parâmetro na visão de política após a modernidade quando os cidadãos foram substituídos pelos políticos como categoria técnica independente.

Assim com o ocaso da política, esperamos e culpamos os representantes por não fazerem o que nós deveríamos fazer. Perdemos o poder político, o delegamos institucionalmente a outros, incapacitados como nós, o poder de decisão sobre o céu e a terra. Vivemos comodamente um messianismo da técnica. A esperança, existente desde os iluministas, de que a razão por si só leve o barco à frente, sem perceber que nos desgastamos remando cada vez mais, quando até nossas brincadeiras são direcionadas a mover o barco. Quando um imbecil italiano quer proclamar criativo até o ócio, em vez de se indignar com esse absurdo. Criação é o que Hannah Arendt chamaria de trabalho. As brincadeiras, creio que poderíamos chamar de labor, porque, embora não diretamente, estão relacionadas com a sobrevivência, pois impede que o barco estagne.

Portanto, no momento em que a hegemonia da economia trocou a interação política pela representatividade técnica, a civilização se autodestruiu, pois acabou com as cidades. Como conceber uma cidade sem a integração política garantida pela interação? Não podemos. Só podemos vislumbrar um mundo sem limites, mas não por uma interação universal, mas por uma desintegração plena. Cada um em seu lugar, não mais nem sujeito, pois o sujeito só existe na interação. A afirmação de Aristóteles de que o homem é um animal político tornou-se uma utopia. Que bom seria reconstruí-la em bases atuais, como detectou ser necessário Hannah Arendt, e como tentou (sem resultados até hoje) Jurgen Habermas.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Descrição (in)feliz

Longo caminho faz

O incauto a dormir na pedra

Vadiando entre sonhos

O caminho preso as ramagens

 

A cada passo

Novo devaneio

Leva a altitude pretendida

Liberto do poço da razão

 

Em seu debater

Formigam-lhe as pernas

Obstinadas operárias que teimam em não repousar


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Economia e Governo

 


O ordoliberalismo ou o neoliberalismo que se tornou dominante na principal potência do mundo globalizado e que está presente em maior ou em menor proporção nos demais países do mundo. Num mundo, onde algumas políticas, poucas delas, ainda podem ser nacionais, mas cuja a economia é transnacional, integrada mundialmente, não importa se o país é comunista como a China, capitalista como a Alemanha ou difícil de descrever como o Sudão do Sul, a economia é a lógica que avalia cada um desses governos.

A política, tal como descreveu Aristóteles, se tornou um mero acessório da economia de modo que a autonomia kantiana hoje, por exemplo, nos parece um conto da carochinha. O que nos promete as condições para ser livre nos coloca numa tal dependência que sem grandes dificuldades conseguiríamos entender ser uma prisão. É como se disséssemos a um ser humano: à partir de hoje vais experimentar a mais ampla liberdade. Podes fazer tudo o que desejas. Não existirão mais limites. Desde que nunca saias desta gaiola de 10 m². Realizou-se o que Marcuse chamou de falta de liberdade confortável. Podes tudo, te dou tudo, desde que me cedas tua liberdade.

Tudo é possível. Não há mais alienação, pois todos somos donos de nosso próprio capital, desde que aceitemos que as regras que devem governar o mundo sejam as de mercado. Não podem ser questionadas, pois elas nos libertam. Parece muito com os totalitarismos, me refiro a tanto os de esquerda quanto os de direita, onde qualquer mal deve ser negado em nome de um suposto bem que ultrapassa a tudo. Aliás essa nova lógica, o ordoliberalismo, acaba com qualquer diferenciação ideológica possível, pois pouco importa a origem do governo, as regras que ele deve seguir são as mesmas: as de mercado.

Não dá pra dizer que a coisa é intrinsecamente boa ou má. Ainda é cedo pra julgar. Só o tempo mais distante nos dará um horizonte para poder julgar o que acontece hoje. Mas pelo menos uma coisa é certa: o sistema é um labirinto e a gente não sabe se tem saída. Nem se queremos sair ou não. Muitas coisas nos incomodam, mas é tão confortável dentro. Resta-nos a ansiedade de andar, andar e parecer não sair do lugar ao mesmo tempo que o mistério nos aguça a curiosidade e assim nos ativa a tentar decifrá-lo.

 

Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. O reino e a glória. São Paulo: Boitempo, 2011. 326p.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 474p.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Significação

 

Sinto-me um estranho em meu próprio lar

Não há outros em mim

O outro sou eu mesmo: um estrangeiro

 

Eu sou o outro

O de fora

Aquele que não se adequa

 

Aquele que como Régio não acaba

Não tem princípios

Nem meios

Muito menos fins

 

Louvo o estrangeiro que há em mim

Se houver sujeito no forasteiro

Se não me culpo por não ser

Por constituir-me negação

 

O que não sou é o que mais me representa

O que sou nada revela

Tudo é nada

O niilismo é o universo

Onde sou algo

Indefinido, impreciso, insuportável

Ignorância

 

Em meio ao nada

Tudo se cria

Inclusive o niilismo

de saber tudo

 

Tudo que é possível

Todo o necessário

Totalmente autossuficiente

 

Um vazio de expectativas

Uma verdadeira presença

Tudo se autocompleta

 

Que bosta!

Uma vida vazia...

Conto do Théo

  A história de Théo seria uma teogonia? Se a questão se refere a um demiurgo, certamente não. Mas é uma história do todo-poderoso, oniscien...