A história de Théo seria uma teogonia? Se a
questão se refere a um demiurgo, certamente não. Mas é uma história do
todo-poderoso, onisciente, sim seria uma teogonia. Quando Théo nasceu
certamente o universo, o sistema solar e o planeta Terra já existiam. Então, de
fato ele não criou nada disso. Embora algumas vezes insinue que sim.
Se ele não criou o mundo como o descrevemos. É
evidente que ele criou um mundo ipso facto, pelo próprio fato: o mundo dele. Em
seu mundo tinha o poder absoluto: só ele poderia conceder. E concedia abundantemente
para demonstrar sua magnanimidade. Seu mundo era formado todo de súditos babões.
Bastava conceder um sorriso de dois dentes para alegrar toda a sala ou quarto.
Conseguia controlar a todos mesmo com
linguagens e gestos primitivos. Todos lhe atendiam. A mãe lhe cedia alimento do
próprio corpo. O pai, a mãe, o irmão mais velho trocavam suas vestes clericais.
Clericais? Clericais achava ele na sua modéstia. Aquele pano ou era clerical ou
papal.
Não entendia porque tinha tanto sono. Mal dava
tempo de brincar com objetos coloridos e barulhentos que colocavam a sua volta.
Do mesmo modo que tinha tanto sono não entendia como dormia tão pouco. Dormia,
acordava, dormia, era tão rápido as coisas que nem dormia, nem conseguia ver
tudo a sua volta.
Tinha uma cisma de que trocavam as coisas a
sua volta. Parece que dormia um pouquinho, trocavam tudo e fingiam que está tudo
igual antes. Até a veste papal era colocada diferente. Parece que só mamãe
entendia a etiqueta do cargo. Papai falou que etiqueta é pequena ética, algo como
bons modos. Algo que o irmão do meio falou que eu não tenho. Mas eu já notei
que ninguém se importa.
Minha vó que daqui a seis meses vou fazer um
ano e vai ter um bolo de chocolate que mamãe falou que só eu não vou comer.
Disse que só vou comer doce depois dos dois anos. Mas acho que dá pra fazer um
esquema com minha vó e meu irmão do meio para comer antes disso. Se eu chorar
com gosto, pelo menos uma dedada do recheio vovó me arranja.
Já tentei engatinhar a sala toda, mas quando
estou quase conseguindo bate um sono ou uma fome. Parece que a vida é me distrair
do que eu queria fazer. Outra coisa que eu percebi é que quase sempre que eu
durmo me colocam no xilindró. Acordo cercado de grades. Ainda colocam uns trens
barulhentos para me distrair e não olhar as grades. Já tentei passar entre as grades. Não dá. Tentei
subir, pular. É muito alto.
Queria dormir sempre no colo da mamãe. Lá é o
lugar mais acolchoado do mundo. Mais acolchoado até que o carpete que vez por
outra acho alguns petiscos. Mamãe tem horror, fica brava. Manda passarem aspirador no carpete umas três vezes
por dia. Mas eu sempre acho algum petisco se dá tempo e como escondido da mamãe
pra ela não ficar triste.
A casa é grande. Não conheci nem um decimo
dela, acho. Mas... como eu falei... nunca dá tempo. Já veio o sono de novo. Boa
noite! Bom dia! Boa tarde! Seja lá o que for. É melhor terminar por aqui mesmo
antes de desmaiar outra vez.
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