Guilherme Tell, ou Guilherme de Tell, foi um arqueiro
famoso cantado em prosas e verbos pelo mundo ocidental todo. Mas nunca foi nem
a sombra de seu bisneto Guilherme de Tal, que não precisava de frutas tão
vistosas como uma maçã para acertar a poucos quilômetros de distância. Coisa de amador! Gostava de cortar longitudinalmente
fios de cabelo arremessando do arco pequenas agulhas para infligirem módicos
furos em fios de cabelos em sequência.
Com tamanha precisão não podia trabalhar num
castelo, nem mesmo num teatro. Precisava se exibir num circo de pulgas. Era
preciso uma micro atenção, uma visão microscópica para sua arte. Só mesmo com a
ampliação de milhões de vezes numa tela era possível se maravilhar com tamanha
destreza. Era muito complicado! Confundiam arte milimétrica com minimalismo.
Tinham que ampliar milhões de vezes num telão para
as pessoas verem. Tanta destreza e eficácia dificultava tudo. Não era uma
habilidade que lhe sustentaria por muito tempo. Virou chefe de cozinha
molecular. Assim podia fazer seus malabarismos e se exibir em pratos exóticos acuradamente
calculados. Reações vistosas e belas.
Adorava fazer luzes, controlar luzes. Ver as
mudanças de cores, odores, sabores. Mudar texturas. Transformar a culinária em laboratório
para fazer malabarismos. Lançar temperos aos pratos com precisão milimétrica.
Virar omeletes, tortas, tortilhas, panquecas... Arremessar pratos às mesas.
Chegava todo dia de madrugada na cozinha pra
treinar os seus novos truques, testar composições. Se divertir com cores,
odores e sabores. Depois ia a feira quase no amanhecer pra fazer malabarismos
com frutas e verduras. De volta a cozinha picava os ingredientes em diferentes
formas e texturas. Tirava um cochilo num quartinho ao fundo da cozinha. O restaurante
só abria uma hora da tarde.
Quem quisesse provar só tinha das 13h ás 17h
pra aproveitar. O restaurante ficava aberto até às 22h mas o artífice era
outro. Guilherme era irredutível com o horário de trabalho: das 3h ás 9h, das 12h
às 17h. Dia sim, dia não. Nos dias não treinava em casa a tarde inteira os
arremessos de pratos com o arco.
Era uma espécie de teste de qualidade dos
pratos. Era o maior descobridor dos lotes com defeitos. As louças eram testadas
com muita delicadeza. Pois ele sabia fazer os pratos aterrizarem com maior cuidado
que se fossem colocados com a mão na mesa. Também testava os forros de mesa pra
descobrir se eram lisos o suficiente para serem retirados sem mover o que estava
acima deles.
Uma rotina muito regular que não permite o
descanso de Guilherme que aliás já me confidenciou que é o momento. Boa noite, Guilherme!
Bom dia leitor. Eu sigo minha insônia por aqui, mas não nesse texto. Descansem!