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quarta-feira, 12 de março de 2025

Na contramão da modernidade: outra lição de Aristóteles

 


Num momento em que, apesar de ciências como a ecologia que põe em evidência a visão sistemática do todo, ainda é muito forte a exigência de especialização imposta pela técnica seria muito bom que os pensadores voltassem a ler a Metafisica de Aristóteles. Sobretudo porque expõe argumentos muito interessantes para sua belíssima e inusitada tese que deveríamos considerar. O trecho onde destaca que é preferível o conhecimento geral ao conhecimento específico está logo nas primeiras páginas de sua obra. O trecho que transcrevo está no livro 1 de a Metafísica e está demarcada em seus trechos com as marcas 982a1 e 982b1. Assim versa este:

Tais são em gênero e numero as opiniões sustentadas quanto à sabedoria e ao sábio. Das qualidades descritas, o conhecimento de todas as coisas tem, necessariamente, que pertencer àquele que, no mais elevado grau, possui conhecimento do universal, porque ele conhece, num certo sentido, todos os particulares contidos no universal. Estas coisas, quais sejam, as mais universais, são talvez as de mais difícil apreensão para o ser humano, porque são as mais distanciadas dos sentidos. Que se acresça que as ciências mais exatas são as que mais concernem aos primeiros princípios, pois as que são baseadas em poucos princípios são mais exatas do que aquelas que incluem princípios adicionais; por exemplo, a aritmética é mais exata do que a geometria. Além disso, a ciência que investiga causas é mais instrutiva do que a ciência que não o faz, pois são os que nos informam acerca das causas de qualquer coisa particular que nos instruem. Ademais, o entendimento e o conhecimento que são desejáveis por si mesmos são mais atingíveis no conhecimento daquilo que é mais cognoscível, uma vez que aquele que deseja o conhecimento por si mesmo desejará maximamente o mais perfeito conhecimento, e este é o conhecimento do mais cognoscível, e as coisas que são as mais cognoscíveis são primeiros princípios e causas, pois é através destes e a partir destes que outras coisas passam a ser conhecidas, e não estes através dos particulares que neles se enquadram. E será a ciência máxima e superior às subordinadas a que detiver o conhecimento da finalidade de cada ação a ser concretizada, isto é, o bem em cada caso particular e, no geral, o bem supremo no conjunto da natureza.

O trecho além de demonstrar porque o conhecimento do todo é superior ao conhecimento das partes, pois de certa forma as abrange. Assim quem domina a teoria ao encarar a prática pode aos poucos não apenas compreender um caso particular, uma aplicação da ciência conhecida, não com a mesma facilidade de um especialista naquela subárea, mas pode compreender todas as outras especificamente que seu conhecimento abrange com muito mais facilidade que um especialista. Outro ponto fundamental que compensa a leitura é a destinação do conhecimento. Podemos dizer que Aristóteles é um dos maiores fundamentadores da técnica e da ciência, mas o fim da técnica para o filosofo estagirita é o bem, que poderíamos traduzir modernamente em uma de suas acepções como fazer o melhor. Assim trocaríamos o fim atual (eficiência e produtividade), na qual o foco está apenas no fim, pelo fazer o melhor, para o qual vale todo o processo, pois fazer o melhor inclui também fazer melhor.

terça-feira, 11 de março de 2025

Causa ou Efeito?

 

Tostines é Sempre Fresquinha porque Vende Mais ou Vende Mais porque é Sempre Fresquinha? Assim temos a complexidade da vida onde causa e efeito nem sempre são tão categoricamente diferenciados. Muitas causa e efeitos são auto dependentes e criam um fluxo cíclico interminável de autodependência nos quais um é causa necessária do outro e por conseguinte sua inexorável consequência.

Isso por certo desacredita essas duas importantes figuras: causa e consequência, pois não podem ser isolados como puros e simples. É preciso reconhecer uma maior complexidade a essas figuras: uma organização dialética que suporte sínteses parciais que tenham validade temporária até que a história modifique o equilíbrio e uma nova síntese seja necessária.

Bom... mas isso pouco interessa à bolacha.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Pluralidade novamente

 


Quem expôs mais completamente a relação entre pluralidade, ação e política foi Hannah Arendt, que atualizou sob um contexto extremamente ímpar, o nazismo, as ideias políticas gregas sobre a política. Além do mais, Arendt surge após a modernidade e a hegemonia dos valores ativos sobre os contemplativos. Numa época em que o trabalho torna-se talvez o fator mais forte a influenciar a subjetividade. Aliás, a própria subjetividade Kantiana é um diferencial fundamental dos modernos para os gregos. Mas para se entender bem um conceito é de muito auxílio buscar as origens dele. Sobre a pluralidade, nada melhor para entendê-la que um trecho da crítica de Aristóteles à República de Platão, o qual propõe uma comunidade de tudo assegurada por uma casta dirigente em um regime forte e fechado:

A comunidade política funda-se na colaboração de uma pluralidade de indivíduos diversos por capacidade e recursos, os quais, exatamente por estas diversidades interagem na troca recíproca de bens e serviços; é precisamente esta troca entre diversos que permite à comunidade política um nível de “autossuficiência” superior ao da família e ao do indivíduo. A synphonia política não pode ser transformada em homophonia. O projeto platônico, que pode parecer à primeira vista “belo, mas impossível”, na realidade não é sequer desejável, porque nega a essência pluralística da cidade; mesmo que fosse possível, não deveria ser realizado. “É, portanto, evidente que por natureza não pode haver uma cidade tão unida como alguém defende, e que aquilo que é apresentado como o máximo bem nas cidades é exatamente aquilo que as destrói”. (VEGETI, 2010 p.36 e 37).

Synphonia é a atuação de todos, todos podem discursar ao "mesmo tempo", como uma orquestra. Quer dizer cada qual de maneira diferente constrói um o mesmo objetivo, há sincronia, estão afinados, embora cada um toque um instrumento diferente. Homophonia é como se todos pensassem a mesma coisa, todos iguais, todos tocando um mesmo instrumento.

domingo, 9 de março de 2025

Um dia otimista

 O estranho caminho

que cursamos do florescer

ao raiar da noite eterna

é a vida

 

É a vida, minha irmã

É a vida, meu irmão

Essa imanência

Essa injustificável vontade

de seguir mais um

Mais um pouquinho

Mais um porquinho

Mais um tiquinho

Mais um toquinho

Mais um troquinho

 

(tudo pra guardar debaixo da terra)

 

 

A vida é um ajuntar de ilusões

Por isso perigosa

Mortal como a cobra naja

Que finge o bote

Mas mata no intervalo

Entre a crença e a morte

Na vida só se ilude

Quem vive

 

(Melhor morrer)

 

 

Quem não vai a guerra

se salva

Merda!

Não é que se salva?

Quem quer ser salvo?

Merda!

 

(Seguir a vida, infame vida!)

sexta-feira, 7 de março de 2025

Educação das crianças

 


A educação das crianças é um assunto importantíssimo, porque todas as sociedades que deram grandes saltos nos últimos tempos aperfeiçoaram a educação básica, modernizaram-na e combateram a evasão escolar, principalmente tornando-a mais atrativa e interativa. A educação básica é interesse de muitas áreas, sobretudo para a pedagogia, as ciências sociais e a filosofia. Platão mesmo já se interessava pela educação das crianças, que segundo ele deveria começar pela educação do corpo.

Teorias muito posteriores, póstumas a até o filósofo o qual citarei literalmente: Michel Eyquem de Montaigne, considerarão essas primeiras fases da tenra infância como fases em que o saber concreto é muito melhor aprendido que o abstrato. Isso se torna praticamente um consenso após o construtivismo/estruturalismo e a ideia do desenvolvimento.

A educação das crianças era preconizada mesmo antes de Platão. Pitágoras mesmo afirmava: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”. Mas como vimos logo no começo a educação não visa apenas ensinar regras de convivência às crianças. Se fosse apenas isso, seria pobre e inútil. Bastaria ter uma sociedade vigilante e “castradora”, algo que efetivamente temos, mas não excesso necessário, para conseguir isso. Mas a educação, sobretudo após Vygotsky foca o desenvolvimento de habilidades e aptidões nessa fase inicial, pelo menos teoricamente sobre o que dizem fazer. Sobre a educação das crianças, Michel de Montaigne afirma em um de seus Ensaios que:

Entendo que a maior e mais importante dificuldade da ciência humana parece residir no que concerne à instrução e à educação da criança. O mesmo acontece na agricultura: o que precede à semeadura é certo e fácil; e também plantar. Mas depois de brotar o que se plantou, difíceis e variadas são as maneiras de trata-lo. Assim os homens: pouco custa semeá-los, mas depois de nascidos, educa-los e instruí-los é tarefa complexa, trabalhosa e temível. [...] Não cessam de nos gritar aos ouvidos, como se por meio de um funil, o que nos querem ensinar, e o nosso trabalho consiste em repetir. Gostaria que ele corrigisse esse erro, e desde logo, segundo a inteligência da criança, começasse a indicar-lhe o caminho, fazendo-lhe provar as coisas, e a escolher e discernir por si próprio, indicando-lhe muitas vezes o caminho certo ou lho permitindo escolher. Não quero que fale sozinho e sim que deixe também o discípulo falar por seu turno. [...] Na maior parte das vezes a autoridade que nos ensinam é nociva aos que desejam aprender. [...] Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade ou crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estoicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o mpuder fique na dúvida, pois só os loucos tem certeza absoluta em sua opinião. [...] Quem segue outrem não segue coisa nenhuma; nem nada encontra, mesmo porque não procura. [...] Não se trata de aprender os preceitos desses filósofos, e sim de lhes entender o espírito. Que os esqueça à vontade, mas que os saiba assimilar. A verdade e a razão são comuns a todos e não pertencem mais a quem as diz primeiro do que ao que as diz depois. [...] Que evite essas atitudes indelicadas de dono do mundo, e a ambição pueril de querer parecer mais fino por ser diferente; e não procure (o que não oferece dificuldade) mostrar seu valor pelas suas críticas e originalidades. [...] ensinar-lhe-ão a somente discorrer e discutir quando encontrar alguém capaz de responder, e ainda assim a não empregar todos os meios que disponha mas apenas os mais apropriados ao seu assunto. Que a tornem exigente na escolha e peneiramento de suas razões, amigo da exatidão e, portanto, da brevidade. Que lhes ensinem sobretudo a ceder e sustar a discussão ante a verdade, logo que a enxergue, surja ela dos argumentos do adversário ou da sua própria reflexão, pois não lhe cabe desempenhar um papel prescrito e falar na cátedra; e se defende uma causa é porque a aprova; e não fará como aqueles que vendem em moeda sonante a liberdade de poder refletir e reconhecer o erro. [...] É o que diz Epicuro no início de sua carta a Meniceus: Por mais moço que seja, que ninguém se recuse a praticar a filosofia, e que os velhos não se cansem dela. (MONTAIGNE, 1989, p. 143, 144,145, 146, 147 e 151)

quarta-feira, 5 de março de 2025

Idéias magnanimamente aristotélicas

 


Hannah Arendt, e depois Jürgen Habermas, fizeram excelentes releituras de Aristóteles, sobretudo de suas ideias políticas. Souberam com maestria atualizá-lo. Mas o autor tem ideias interessantes que, creio eu, nem necessitariam de atualização se pegas em seu "espírito". O início do capítulo dois do livro quarto de A Política tem concepções interessantes que poderiam ser refletidas. Assim transcrevo literalmente o começo desse interessante capítulo:

É bom lembrar que República vem de Rés Pública, coisa pública, assim é o tipo de Constituição, no sentido de constituir mesmo e não o nosso limitativo de Lei Magna, que prima pelo público, cujo principal valor é cuidar da coisa pública. Aristocracia, por definição, é o governo dos melhores. Realeza é o governo pelo nobre. Nobre tem o sentido ainda hoje de virtuoso. Virtude é um dos grandes temas, se não o maior de Aristóteles. No entanto, ele deixa claro que prefere a República e suporta a Democracia, que é o governo de todos, sejam virtuosos ou não, preocupando-se ou não com a rés pública.

1. Distinguimos, em nosso primeiro estudo das constituições, três constituições puras: a realeza, a aristocracia, a república, e três outras que são desvios dessas: a tirania para a realeza, a oligarquia em relação à aristocracia, e a democracia quanto à república. Já falamos da aristocracia e da realeza – porque estudar a melhor forma de governo é justamente explicar a significação dessas duas palavras, pois que a existência de cada uma dessas formas só se pode basear na virtude, e em tudo que possa acompanha-la. Determinamos também as diferenças existentes entre a aristocracia e a realeza, e os caracteres distintivos pelos quais se pode reconhecer a realeza. Resta-nos tratar apenas, em primeiro lugar, do governo designado pelo termo comum de república, e depois dos outros governos, isto é, da oligarquia, da democracia e da tirania.

2. É fácil compreender qual é o pior desses governos degenerados, e qual o que lhe segue; porque o pior deve ser, forçosamente, aquele que é uma corrupção do primeiro e do mais divino. É preciso que a realeza só exista no nome, ou que se funda na incontestável superioridade daquele que reina; segue-se que a tirania que é o pior dos governos, é também aquele que mais se afasta da república. Em segundo lugar vem a oligarquia; porque a aristocracia difere bastante desta forma de governo. Afinal a democracia é o mais tolerável desses governos degenerados.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Democracia, seus desvios, seus desvarios

 


No livro quarto, capítulo IX, 8 de A Política, o estagirita Aristóteles mostra um dos maiores defeitos da democracia, que costumeiramente a transforma em uma oligarquia, a desigualdade econômica. Obviamente, Aristóteles não conheceu um problema maior que é a questão da representatividade numa democracia representativa, que transforma a democracia em patrimonialismo, em conjunto com o primeiro grave problema. Sobre o primeiro problema, o estagirita é sábio:

Portanto, a própria desigualdade econômica deteriora o que Aristóteles denomina por república, que é o regime voltado para cuidar do que é público e, portanto serve a todos. Os argumentos da Aristóteles, mostrando que o predomínio de um grupo sobre o outro rompe com o ideal de igualdade, primeiro princípio de qualquer democracia. Se todos não são iguais para agir politicamente, não podem ser considerados livres, pois quem não pode agir, obviamente não é livre.

“É evidente, pois, que a comunidade civil mais perfeita é a que existe entre os cidadãos de uma condição média, e que não pode haver Estados bem administrados fora daqueles nos quais a classe média é numerosa e mais forte que todas as outras, ou pelo menos mais forte que cada uma das delas; porque ela pode fazer pender a balança em favor do partido ao qual se une, e, por esse meio, impedir que uma ou outra obtenha superioridade sensível. Assim, é uma grande felicidade que os cidadãos só possuam uma fortuna média, suficiente para as suas necessidades. Porque, sempre que uns tenham imensas riquezas e outros nada possuam, resulta disso a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou ainda uma tirania insuportável, produto infalível dos excessos opostos. Com efeito, a tirania nasce comumente da democracia mais desenfreada, ou da oligarquia. Ao passo que entre cidadãos que vivem em uma condição média, ou muito vizinha da mediana, esse perigo é muito menos de se temer”. (Aristóteles, 2009, p. 141 e 142).

Esse é um grande problema, mas não é o pior, pois a democracia representativa, que por sua própria estrutura alija as pessoas das decisões políticas, de agir politicamente, pois são induzidas a limitarem suas manifestações à escolha de seus representantes dentro de uma lista preestabelecida de candidatos que quase nunca tem um perfil que represente as aspirações do eleitor só pra citar o menor dos problemas. Na verdade, os problemas estão longe de ser “ideológicos”, mas sim o do predomínio dos mesmos grupos eternamente no poder porque o mecanismo da representação e da institucionalização em partidos ou comitês lhes favorecem. Basta dominar um menor grupo para se tornar uma das raras alternativas possíveis e ganhar se elegendo ou não. Perpetuando-se no poder. Tendo este como seu patrimônio pessoal.

Conto de Ulices

  Ulices não foi pra ilha de Creta. Nunca pretendeu tomar uma rainha. Quer dizer, uma vez no xadrez sim. Na Dama nunca chamou a dama de rain...