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quarta-feira, 5 de março de 2025

Idéias magnanimamente aristotélicas

 


Hannah Arendt, e depois Jürgen Habermas, fizeram excelentes releituras de Aristóteles, sobretudo de suas ideias políticas. Souberam com maestria atualizá-lo. Mas o autor tem ideias interessantes que, creio eu, nem necessitariam de atualização se pegas em seu "espírito". O início do capítulo dois do livro quarto de A Política tem concepções interessantes que poderiam ser refletidas. Assim transcrevo literalmente o começo desse interessante capítulo:

É bom lembrar que República vem de Rés Pública, coisa pública, assim é o tipo de Constituição, no sentido de constituir mesmo e não o nosso limitativo de Lei Magna, que prima pelo público, cujo principal valor é cuidar da coisa pública. Aristocracia, por definição, é o governo dos melhores. Realeza é o governo pelo nobre. Nobre tem o sentido ainda hoje de virtuoso. Virtude é um dos grandes temas, se não o maior de Aristóteles. No entanto, ele deixa claro que prefere a República e suporta a Democracia, que é o governo de todos, sejam virtuosos ou não, preocupando-se ou não com a rés pública.

1. Distinguimos, em nosso primeiro estudo das constituições, três constituições puras: a realeza, a aristocracia, a república, e três outras que são desvios dessas: a tirania para a realeza, a oligarquia em relação à aristocracia, e a democracia quanto à república. Já falamos da aristocracia e da realeza – porque estudar a melhor forma de governo é justamente explicar a significação dessas duas palavras, pois que a existência de cada uma dessas formas só se pode basear na virtude, e em tudo que possa acompanha-la. Determinamos também as diferenças existentes entre a aristocracia e a realeza, e os caracteres distintivos pelos quais se pode reconhecer a realeza. Resta-nos tratar apenas, em primeiro lugar, do governo designado pelo termo comum de república, e depois dos outros governos, isto é, da oligarquia, da democracia e da tirania.

2. É fácil compreender qual é o pior desses governos degenerados, e qual o que lhe segue; porque o pior deve ser, forçosamente, aquele que é uma corrupção do primeiro e do mais divino. É preciso que a realeza só exista no nome, ou que se funda na incontestável superioridade daquele que reina; segue-se que a tirania que é o pior dos governos, é também aquele que mais se afasta da república. Em segundo lugar vem a oligarquia; porque a aristocracia difere bastante desta forma de governo. Afinal a democracia é o mais tolerável desses governos degenerados.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Democracia, seus desvios, seus desvarios

 


No livro quarto, capítulo IX, 8 de A Política, o estagirita Aristóteles mostra um dos maiores defeitos da democracia, que costumeiramente a transforma em uma oligarquia, a desigualdade econômica. Obviamente, Aristóteles não conheceu um problema maior que é a questão da representatividade numa democracia representativa, que transforma a democracia em patrimonialismo, em conjunto com o primeiro grave problema. Sobre o primeiro problema, o estagirita é sábio:

Portanto, a própria desigualdade econômica deteriora o que Aristóteles denomina por república, que é o regime voltado para cuidar do que é público e, portanto serve a todos. Os argumentos da Aristóteles, mostrando que o predomínio de um grupo sobre o outro rompe com o ideal de igualdade, primeiro princípio de qualquer democracia. Se todos não são iguais para agir politicamente, não podem ser considerados livres, pois quem não pode agir, obviamente não é livre.

“É evidente, pois, que a comunidade civil mais perfeita é a que existe entre os cidadãos de uma condição média, e que não pode haver Estados bem administrados fora daqueles nos quais a classe média é numerosa e mais forte que todas as outras, ou pelo menos mais forte que cada uma das delas; porque ela pode fazer pender a balança em favor do partido ao qual se une, e, por esse meio, impedir que uma ou outra obtenha superioridade sensível. Assim, é uma grande felicidade que os cidadãos só possuam uma fortuna média, suficiente para as suas necessidades. Porque, sempre que uns tenham imensas riquezas e outros nada possuam, resulta disso a pior das democracias, ou uma oligarquia desenfreada, ou ainda uma tirania insuportável, produto infalível dos excessos opostos. Com efeito, a tirania nasce comumente da democracia mais desenfreada, ou da oligarquia. Ao passo que entre cidadãos que vivem em uma condição média, ou muito vizinha da mediana, esse perigo é muito menos de se temer”. (Aristóteles, 2009, p. 141 e 142).

Esse é um grande problema, mas não é o pior, pois a democracia representativa, que por sua própria estrutura alija as pessoas das decisões políticas, de agir politicamente, pois são induzidas a limitarem suas manifestações à escolha de seus representantes dentro de uma lista preestabelecida de candidatos que quase nunca tem um perfil que represente as aspirações do eleitor só pra citar o menor dos problemas. Na verdade, os problemas estão longe de ser “ideológicos”, mas sim o do predomínio dos mesmos grupos eternamente no poder porque o mecanismo da representação e da institucionalização em partidos ou comitês lhes favorecem. Basta dominar um menor grupo para se tornar uma das raras alternativas possíveis e ganhar se elegendo ou não. Perpetuando-se no poder. Tendo este como seu patrimônio pessoal.

domingo, 2 de março de 2025

Retalho 4

 Diz-se que da teoria dos signos pouco se revela. Guardem isto, dizia o velho mestre. Poucos guardavam. Um dia caminhando pela praia tropeçamos numa pedra e a densidade do viver caiu sobre nós inesperada e crua. Pouco se revelaria, porém muito seria instantaneamente assimilado como signos e símbolos. Mais tarde os significaríamos. É tudo o que preciso contar...

Retalho 3

 Conta-se, aliás, no mínimo as contagens populacionais se desdobravam, que no reino desencontrado da Alsácia-Lorena vivia um grande, enorme ignorante a sucumbir de pedra em pedra o seu caminho.

Aliás muito diziam. As bocas sempre falam muito. Outros relatos praticamente excluem as pedras, senão as de encontro com o mar, porque este, na verdade (verdade delas), vivia numa praia.

Em todo caso não se excluem os peixes. Resta saber se eram de rio ou de mar segundo cada versão. Eu me arriscaria a dizer que são de lago para desacreditar todas as cretinas versões.

Aliás, que historinha imberbe! Melhor parar por aqui...

Retalho 2

 Morrera sem saber, perdido na vida, de uma bala achada qualquer. Quer dizer, de uma bala que achava seu robusto corpo. Sabia que algo o abandonava. Algo bem mais importante que a vida ou aquele grosso liquido que jorrava vermelho. Sabia ser algo que não conseguia definir. Quiçá em outra vida...

Retalho 1

 Na verdade, não era desta maneira que olhava no espelho interno de seu coração, mas naquele momento era uma moça bela e esplendorosa em seus parcos um metro e quarenta do cabelo até a cintura. Sua cabeça voava entre os enigmas da geometria descritiva dos átomos em uma possível quarta dimensão quântica onde as trocas de energia poderiam potencialmente ser visualizadas. Sentia-se um lixo por não ter compreendido isso antes...

sábado, 1 de março de 2025

A onipresença da política



A relação entre a onipresença da política e a morte da política na interpretação de Hannah Arendt é um assunto que envolve a crítica à modernidade, à totalização da esfera pública e à perda da liberdade política autêntica. Hannah Arendt alerta contra a tentação hegeliana de ver o Estado como o "fim da história". Fim no sentido teleológico de finalidade. Para ela, a política não é um sistema a ser completado, mas um espaço aberto que depende da ação contínua e da preservação de limites entre o público e o privado.

Na leitura de Arendt, a onipresença da política como previu Hegel significa sua morte porque:

1. Elimina a pluralidade: A política requer diferenças e debates, não uniformidade.

2. Transforma ação em administração: Quando tudo é político, nada é propriamente político.

3. Destrói a liberdade: A liberdade autêntica exige um espaço público delimitado, não a invasão total da vida.

Para Hegel, a política está intrinsecamente ligada ao ápice do Estado racional, o Estado Moderno, que inaugura a burocracia racional, uma máquina praticamente independente das subjetividades. É bom lembrar que viam de tiranismos e despotismos nada ilustrados. Este modelo de Estado é entendido como a culminação do Espírito Objetivo, onde a liberdade individual se reconcilia com a universalidade ética. Nesse sentido, o indivíduo é livre quando reconhece a racionalidade do Estado e age em conformidade com ele.

Arendt, por outro lado, define a política como o espaço da ação e do discurso entre seres livres e plurais. Para Arendt, a política só existe na esfera pública, onde os indivíduos agem e revelam quem são, criando um mundo comum. Portanto, a liberdade política é ação, não obediência. A liberdade é capacidade de começar algo novo e de participar ativamente na construção do mundo.

- Para Arendt, a modernidade confundiu política com administração social. Quando a política se transforma em economia política acaba se tornando uma gestão técnica. O Estado hegeliano, ao englobar tudo, reduz a política a um sistema burocrático, eliminando a espontaneidade e a pluralidade que a definem.

Arendt rejeita a teleologia hegeliana (a ideia de que a história tem um fim predeterminado).  A onipresença da política, na visão hegeliana, culminaria em um Estado, onde a ação humana é substituída por processos históricos inevitáveis. Isso representaria a morte da política, pois não haveria mais espaço para o novo, o imprevisível ou o debate entre perspectivas plurais.

Para Arendt, a política só sobrevive se distinguir da economia (o privado, o social, o íntimo). Quando a política se torna onipresente:

- Perde-se a distinção entre liberdade e necessidade: A ação é substituída pela administração.

- A pluralidade é sufocada: Sem diferenças e conflitos legítimos, não há política, apenas dominação.

- O Estado se torna uma máquina sem abertura para a novidade ou a liberdade criativa.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...