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domingo, 26 de janeiro de 2025

Cômodos e Alpendres - um velho desconto

Sacada

 

Este vivera sempre em seu lugar. Bom isso não me parece um bom começo de história...

Um dia sem qualquer aviso o tiraram do lugar. Vixe!!! Parece que o começo piorou!!!

Bom... agora qualquer começo eu aceito. Não sei é se o personagem vai aceitar. Quem me dera se não aceitasse e tivesse um começo mágico na manga de seu palitó.

Aquele lugar onde sempre vivera já não era mais o mesmo. Ele havia ruidosamente mudado de lugar. Não entendia. Realmente não conseguia entender essas idéias malucas de mudar as coisas de lugar. Também não compreendia nem lhe agradava a idéia daquele moço estranho de escrever a sua história. Certamente ele daria uma dinâmica àquilo que foi sempre estático: a sua vida. Tenho horror a mudanças, a movimentos, pensava ele. Ainda se perguntava por que mudar algo ao qual já estava acostumado. Aquilo era como se lhe dissessem que o sol não é o centro do universo.

Bom que sol não fosse o centro do universo, isso nada lhe importava. Somente lhe importava que os sacrílegos não viessem, incomodar a sua estabilidade. Sabia que mais dia, menos dia alguma coisa mudaria, mas esperava estar morto antes disso. Aquela mudança o inquietava. Era uma mera mudança do ângulo de visão, mas uma mudança em sua vida tão certinha, tão perfeita, certamente teria efeitos catastróficos.

Estava muito confuso. Agora toda a sua esquerda lhe parecia a direita antiga e a sua nova direita, a perfeita visão de uma esquerda anterior. Todo o seu mundo havia rodado sem lhe pedir permissão. Ele, um metódico por excelência, nunca faria aquilo a outro, mesmo se a nova posição lhe aprouvesse um melhor panorama, pois sabia que mudar é algo inquietante e desconfortável.

Como lhe diria um Camelo, preferia não arriscar ganhar novas coisas pra não correr o risco de perder algo que já possuía. Esse era o âmago de seu conformismo: nunca arriscar, pois arriscar é arriscado, revelava redundantemente ele.

Aliás, aquela mudança era extremamente inoportuna. Descobrira que agora tinha medo de altura ao estar na sacada para o alpendre a três metros e vinte de altura. Nunca tivera tamanho temor, medo que só era inferior ao de mudanças. Dessas cada vez fica mais evidente o pavor que ele possui.

 

Alpendre

Aquele local denominado de alpendre ou varanda era muito pequeno para ela, que ansiava por liberdade. Aqueles muros a dez metros de distancia a sufocavam, embora fossem vazados. Sentia que tinha pouco espaço naquele lugar e volta e meia estava sempre por cima da cerca, ou melhor, de cerca em cerca para ver se sentia ou apreendia algo novo que pudesse acabar com a monotonia daquele lugar ao qual sempre voltava: o alpendre.

Jurava que seu próximo passo era pra longe daquela prisão com muros abertos de concreto, muretas e cercas de metal e madeira. Mas algo sempre a trazia de volta àquele local incomodo, ou melhor, cômodo e confortável demais. Odiava comodidade. Era uma espécie de morte em vida.

Não importava sua desilusão com as necessárias paradas. Odiava dormir. Ah se pudesse dormir correndo e pulando as muretas. Um dia vira o siamês de cima no alpendre. Ele parecia petrificado. Não conseguia entender como alguém de sua natureza vivia tanto tempo imóvel, impassível às mudanças. As mudanças sempre lhe remexiam, lhe dava uma espécie de gastura por alguma ação.

 

Cômodos e Alpendres

Nessa nossa recortada história, aliás, nossa não porque é mais sua que minha. Eu não consigo ver lógica nenhuma nessa história então deixei ao seu encargo, incauto, de dar um nexo a essa narrativa (narrativa ou descritiva?). Bom... é fato que cômodo um dia caiu da sacada e se estilhaçaria no chão se não o fosse a técnica, malandragem e experiência da gata manchada.

Todos os gatos sempre caem de pé. Aquela peça de tão acomodada caía de qualquer jeito. Talvez esse excesso de comodismo fosse a causa de um corte longitudinal nas suas costas e algumas rodas de metal que aparentemente ele tinha comido na falta de outro cardápio. É um gato belíssimo, pensava a gata. O angorá não pensava nada, nem agia, nenhuma reação se apreendia do gato.

A gata se engraçava, se enveredava em volta daquele coração pétreo. De certa forma o couro do gato também era muito consistente. Apesar da maciez dos pêlos, seu couro ou seu corpo se mantinha imóvel e imoldável mesmo a um aperto mais consistente da gata vadia. A felina logo se estressava diante da imutabilidade do siamês. Pensava: é um esnobe. Mas como o alpendre, depois de suas incontáveis voltas sempre estava lá de volta a ele.

Um dia o dono da casa, ou um de seus pequenos filhos, ao sair de casa sem querer pisoteou aquele cofrinho em forma de siamês. O gato se fez em pedaços. Quando a gata voltou já não havia mais nada por lá. Apenas o alpendre que já não era mais o suficiente. E a gata sumiu dali. A partir desse dia eu aprendi que cômodos em alpendres não dão certo e que muitas vezes o resultado disso é desastroso.

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