Acompanham

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Conto da Lana

 


Lana plana sacana na cama. Era só uma sonequinha de uma hora. Lana engana. Já faz mais de três horas pregada naquela beliche. A escada grudada de suor naquele dia de 50º. Lana coberta com lençol, cobertor. Deve estar com febre pensei. Nada! Queria brincar de sauna.

Lana sobe no coqueiro e pega dois cocos para nós! Nada! A essa hora já devia estar delirando de tanta desidratação. Fui eu mesmo colocar uma escada no coqueiro. Não dou conta de trepar na coisa. Já derrubei logo um cacho de cocos sem me preocupar se algum cairia na cabeça do cachorro ou de algum calango.

Pronto! Lá estão uns três ou quatro cocos no chão. Laninha vem cá beber uma água de coco! Nada da Lana! Fui eu lá levar um coco com canudo de papel pra menina beber. Agorinha termina meu turno e é hora dela ir pra frente da mercearia. Pronto! Deu duas da tarde! Saio eu, entra Laninha, a fofinha.

Vem toda faceira pra conferir o dinheiro do caixa. Tem uns poucos trocados da manhã. A grana mesmo já botei no cofre. Passa Tia Luna e dá oi: Oi, Laninha! Laninha nem! Laninha dá um breve aceno. O carteiro chega em ponto. Duas e cinco. Cinco minutos atrasado. Laninha deu os parabéns pelo atraso. Nunca tinha conseguido atrasar tanto.

Foi ver se no meio das contas tinha uma carta. Viu um monte de anuncio que o carteiro recolheu no caminho. Um monte de contas. Meu Deus! Esse mês vamos ganhar o suficiente para pagá-las? Vamos ficar sem a barraca na quermesse? Tudo se ajeita com o tempo... resignava-se ela.

Clientes pipocavam pelo balcão. Ninguém queria pipoca nesse inicio da tarde. Pediam café com leite. Pão na chapa. Roscas. Suco de laranja, de limão. Tapioca. Café da manhã essa hora? Não sabiam que já estava de tarde? Será que acordaram agora ou é algum fetiche? Talvez os funcionários do contraturno da usina. Trabalhavam das quatro às duas da tarde.

Mas os funcionários do contraturno não eram tantos. Muitos aproveitavam a oportunidade pra ver a espevitada. E lá estava Lana com seus parcos um e sessenta se esgueirando entre prateleiras, clientes e cobradores. Cobradores só eram três. Cobravam uma dívida do dono anterior que escafedera de lá. Já tinham perdido a esperança de receber, mas o café da mercearia era muito bom. Um arábica plantado numa fazendo próxima colhido com o máximo cuidado. Torrado ao relento e selecionado com o cuidado de quem faz café pra si mesmo.

Laninha ficava lá só das duas às seis, talvez sete. Depois fechava a mercearia. Só contava o dinheiro e colocava os elásticos. Não conferia. Ia pra academia pra manter a elasticidade pra contornar como agua aquelas pedras no caminho. E também pra ter um bom sono. Pra ter bons sonhos tomava um café com flor de laranjeira.

Isso é tudo! É o que me disse Lana. Lana engana. Mas quem não quer ser enganado por Lana?

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Confiar desconfiando



Pensar custa dois cafés. E café anda caro pela rua. Talvez ainda seja de graça em São Jorge, beira da Chapada dos Veadeiros. Provavelmente não. Possivelmente nem o vilarejo pacato no meio do nada seja mais. Talvez o ambiente civilizado numa bucólica vila exista mais. Talvez não seja mais possível andar liricamente pelo amplo espaço vazio.

Mas não é dessa liberdade e libertarismo que falo. São Jorge talvez esteja apenas na imaginação de todos nós brigando com o dragão na lua. Linda imagem que todos gostaríamos de que fosse real. Mas a racionalidade da maioria por inúmeras impossibilidades entende que não passa de um mito, uma metáfora.

É preciso ter fé em um enumerado de coisas senão não vivemos. Pra viver numa civilização temos que aceitar um acordo metafisico que poderíamos chamar de contrato social. Há vários deles. Todos temos restrições a eles. Mas nos submetemos a uma grande parcela deles em nome da sociabilidade.

Sim, eles podem ser questionados. E todos devemos questionar eles. Questionar a tudo, mas questionar, elaborar. Não querer o império da nossa vontade, do nosso desejo. Infelizmente São Jorge não pode lutar na lua com o dragão do pecado só porque é uma imagem linda, porque desejamos. Para que as coisas mudem deve-se ter uma boa razão para que mudem. Devem ter uma razão permanente até que outro arranjo melhor apareça. Uma razão momentânea não vale também por melhor que seja, pois o que é bom hoje, amanhã pode não ser.

Devemos confiar em parâmetros como os científicos? Claro! Enquanto são plausíveis. No momento em que se tornarem mais problemáticos que resolutos a própria ciência o abandonará. A ciência tem a verdade? Não, ninguém a detém.  Como bom filósofo sempre lembro que há veracidades, verossimilhanças, nunca a verdade, a não ser a inatingível dos platônicos, cartesianos que a tem como molde, moldura, não como conteúdo ou o inverso como essência inatingível pelo concreto, pelo material.

Confiar, desconfiando deveria ser um bom lema!

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Perdendo tempo

O Estado precisa ocupar o seu território inteiro. É questão de segurança, de soberania. É questão de educação e de saúde também. Não adianta dizimar mais do que Israel dizimou a população de gaza por dia ou a Rússia e a Ucrânia se abateram se não ocupar o território. Tomar para si de volta. Não importa quantos mortos um Estado ou Para-Estado produza se não se aquinhoar do território... não será dono dele. Criminosos como grileiros já sabem disso a mais de quinhentos anos. O Brasil foi fundado assim e tem terra tomada na mão grande rolando desde lá.

Se o Estado não levar segurança para o território ocupado perderá novamente o mesmo. Se levar só segurança e o poder paralelo levar saúde, nem falo de educação que é uma estrutura mais complexa, tende a perder a população pro tráfico ou milícia. Por muito menos: se ocuparem os morros e deixarem a gatonet (internet e tv paga) nas mãos do tráfico ou da milícia perderão o apoio os moradores.

Nem quero entrar na vaca-fria se deveria emboscar como emboscou e matar a quantidade que matou. Se houve execução (tiros pelas costas). Embora seja triste ignorar, ignoremos tudo isso. Na prática se não houver um plano de contingenciamento, fez-se um limpa para uns, um desastre para outros e não se mudou nada. Ignora-se mantidas as condições, os mortos serão facilmente substituídos pelo trafico ou pela milícia. O Estado terá cada vez mais dificuldade de suprir os seus.

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Boa Noite

O carro foi

Puxado por bois

Calcando o solo

Solidificando a terra úmida

Rangendo o grande arco

A amortecer o vai e vem do solo

Feito chão, feito céu

Como uma carruagem

No fogo a distribuir baldes

Pra salvar minha plantação de boa noite

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Campeonato

Me dá o título disse o Doutor

Me dá o título disse o técnico

Disse o torcedor

Nada de título

Nada de vitória

Nada de público

Uma Associação

Clube de Regatas

Sociedade Esportiva

Naútico

Operário

Todos em comum

Só vence um

O resto frustra

Sem título

Nem titular

Só reserva

Para o próximo ano

Novo sofrimento

domingo, 2 de novembro de 2025

Churrasco

Queria um cavalo branco

Tão cinza quanto o de Napoleão

E uma vaca malhada

Com horas de supino

 

Mas eu tenho um bode

No meio da sala

Ele não muge

Não é vaca

 

Carneiros toda noite eu conto

Senhor Bode, não és um carneiro

Tampouco ovelha

És um empecilho na sala

 

Contarei isto a mim mesmo

Ou me convencerei de que o bode

Não existe

O bode é criação da minha cabeça

Ou do sitio vizinho

 

Haja abobora pra tanto bode

Prefiro dançar nu

A quinta sinfonia de Schubert

Ou pisar no lamaçal

 

Onde eu queria chegar?

Não importa! Já cheguei

E o bode atrevido está lá

Hoje tem churrasco de bode?

sábado, 1 de novembro de 2025

Dissenso

Araram a terra

Arara a terna

Ara! A perna

 

Pingou o pingo

Moeu o moinho

Eu já me vou

 

A perna arou

O pingo se foi

E eu com isso?

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...