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sexta-feira, 18 de abril de 2025

A pequena e a grande história

 


Toda a história do mundo não é composta por grandes atos isolados. Toda a história é fruto de uma contingência histórica anterior. Nada de grandioso acontece sem que se tenha criado um ambiente para o seu aparecimento. Por isso, insisti tanto nos primeiros minutos de hoje no longo texto sobre a dialética histórica. Sobre a ideia de que a síntese histórica é um efeito particular de seus termos anteriores: tese e antítese. Pode ser explicado por estes, mas não como uma adição, mas como uma reação química sobre a qual pouco se conhece dos reagentes e muito menos do ambiente.

A grande história é composta por centenas, talvez milhares, de pequenas historias. As historias individuais interferem à sua maneira nas histórias dos grupos, as dos grupos no das sociedades. Histórias menores são costuradas de maneiras particulares nas historias maiores. Por essa razão toda ação é histórica. Toda reação também o é. Mas o papel ocupado por cada historia menor nas maiores é sempre imprevisível, dado a enorme quantidade de variáveis que tornam imprecisa as análises.

Dessa limitação surge a ideia idealista do espírito da história em Hegel, prontamente refutada por Karl Marx que cai num mesmo fatalismo de Hegel por esse excesso de crença na na racionalidade instrumental. A mesma crença no progresso de Hegel, metamorfoseada num novo esclarecimento  levantamento da massa proletariada criada pelas condições históricas da iminente crise do capitalismo. A crença no progresso de Hegel chegava no fim da história. A de Marx, no fim do capitalismo: o Comunismo.

Mas, pouco importam essas considerações. O importante mesmo é a validade ética de devemos agir pelo bem do todo porque embora desconheçamos os efeitos históricos a médio prazo, sabemos que fizemos a nossa parte e do que depender de nossa pequena história, influenciamos a grande história dentro da nossa capacidade, para obter os melhores resultados possíveis de acordo com as circunstâncias existentes. Assim, a política é o ato público, é interação, sabes que somente a ação pode modificar a história.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Uma crise inevitável?

 


Vivemos em um mundo que valorizou excessivamente a ideia de indivíduo, a noção de sociedade. Uma sociedade ilimitada de fato. Não há melhor definição para um empreendimento onde os sócios não são conhecidos e nem se conhecem ou interagem (como pede uma boa política). Não há ideia melhor para coordenar as ações isoladas de seres que inexistem para os outros que a ideia da mão invisível de Adam Smith. Alguma coisa tão imperceptível como o espírito da história de Hegel a organizar as ações para o melhor proveito do sistema, digo, do empreendimento, ou seja, da sociedade, porém muito menos explicável.

Não bastasse isso, como uma sociedade financeira e financista, tudo é orientado para o consumo. Absolutamente tudo é consumido. Nada escapa à missão de satisfazer desejos, numa espécie de pesadelo budista, onde como previa Sidarta Gautama, um desejo leva a outro e o outro a um novo, numa cadeia infinita de desejos, felicidade instantânea e uma eterna insatisfação por não alcançar nunca o último desejo. E nós consumimos tudo: coisas, sentimentos, pessoas, ideias, descanso, lazer, etc. Tudo dentro da lógica Aristotélica de que o único fim-em-si é a felicidade, mas com o adendo de que esta nunca pode ser alcançada pelo espiral de desejos.

Num mundo que nos anula, nos reifica, nada mais natural de que não possa se falar de humanidade. Sem humanidade, fica impossível existir o humanismo. Talvez seja melhor num mundo como esse desistir do conhecimento, fixar-se apenas nas informações. Esquecer a ontologia, a ética e a epistemologia e nos ligarmos na cibernética, pois só importa a informação. O conhecimento e a reflexão não cabem mais nesse mundo de inputs e outputs.

Sem humanismo, sem humanidade, atormentado pela reificação e pelo niilismo, o “homem” encontra-se perdido, totalmente sem parâmetros. Sobretudo num mundo rápido em que a técnica toca o mundo na sua velocidade e arrasta os homens, que em nenhum momento param e pensam: “poxa, eu sou um homo ludens. Sou eu que faço a história e sou feito por esta. Não fatores estranhos às minhas interações”. Num mundo estranho desse, o “homem” se sente completamente inadequado. Não há mais base nenhuma para seus pensamentos. Nenhuma garantia. O sistema funciona independente dele. O que ele faz no mundo? Qual a sua missão? Que importância tem? Toda a personalidade, de persona, pessoa, é perdida.

Sobra ao ser humano uma crise de personalidade. Ele acredita ser algo, mas a todo instante o mundo lhe mostra que ele não é nada. Ele pensa em coisas bonitas. Tem convicções utópicas da época do humanismo, acredita ser gente. Mas isso pouco importa. Assim estão criadas as condições da crise perpétua. Uma crise de personalidade que se funda ora na inadequação, quando o ser acredita ser algo ainda, ter personalidade. Ou na anulação, quando o ser descobre que sujeito a quase tudo ele está, mas um sujeito ele não é, pois perdeu sua subjetiva ao se transnaturar de animal pra coisa, instrumento.

A humanidade, com todas as evidências contrárias insiste em refletir. Que bom! Mas pensar é justamente o bom contrassenso que a deixa em crise. Sorte que a crise é o terreno da filosofia e esta é um dos únicos domínios que a subjetividade pode existir ainda. Pensemos e ultrapassemos a crise existencial e talvez voltemos a ser humanos.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

A morte do "outro"

 


Nós não nos constituímos sem o outro. Não há como o homem se tornar humano sem o juízo do outro. Nós somos maus críticos de nós mesmos. Não conseguimos nos ver com a mesma clareza com que espelhos, mesmo disformes nos veem. Assim a cada passo, mesmo que o outro seja outro eu, o eu-mesmo, a consciência, estamos necessitados do julgamento, do amparo da opinião do outro. Assim o filósofo Umberto Eco, no livro Os cinco escritos morais, dentro do capítulo Quando o outro entra em cena, nos diz que:

Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca, o faz em momentos excepcionais, mas pelo resto da vida está lá a mendigar aprovação, amor, respeito, elogios a seus semelhantes. E mesmo àqueles a quem humilha ele pede o reconhecimento do medo e da submissão. Na falta desse reconhecimento, o recém-nascido abandonado na floresta não se humaniza (ou, como Tarzan, busca o outro a qualquer custo no rosto de uma macaca), e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos tivessem decidido não nos olhar jamais ou comportar-se como se não existíssemos.

Como então houve ou há culturas que aprovam o massacre, o canibalismo, a humilhação do corpo de outrem? Simplesmente porque essas culturas restringem o conceito de “outros” à comunidade tribal (ou à etnia) e consideram os “bárbaros” como seres desumanos. (ECO, 1998, p. 95 e 96)

Assim vemos a importância do outro para nós e também como transformamos tanto o outro em bárbaro comumente, no dia-a-dia, desumanizando-o. Transformando um parâmetro em algo nulo, inexistente. É o que fazemos a cada um que ignoramos. Decompomos o ator mais importante em nossa formação em pó, cinzas. Assim o ser coletivo, formado por suas relações se torna individualista, pseudo-autônomo ao tentar anular os outros em nome de sua singularidade, de que seja notada suas particularidades. O homem político que age em busca do acordo para o bem do grupo desaparece depois de se alimentar dos outros, que não pretende retribuir. Assim caminhamos nós a humanidade, ou melhor, a desumanidade

domingo, 13 de abril de 2025

Helô



Pé ante pé vou caminhando

Sofrendo as pedras do caminho

Respirando acúleos

 

O perfume de Rosa

Me soa inodoro

A insipidez foge meu espírito

 

Gosto acidamente da pétala

Raspar tua perfeita cútis

Com a aridez do meu desejo

 

És trilha?

Pleno jardim?

Luminoso mistério?

És vida.

 

Arte existencialista

A beleza da eterna mudança

Sonhar o imprevisível

Desfrutar do inesperado

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Falta

 

A falta é um dos sentimentos mais complicados para o ser humano. É muito difícil lidar com o que é ausente. Como lidar com o que inexiste, ou o que importa é justamente sua inexistência momentânea. Imagine algo/alguém, um momento, um fato que você deseja mais que tudo mesmo que instantaneamente. E no momento seguinte, como passe de mágica aquilo some. Já não está lá. E nada do que você possa fazer pode retomar aquele momento de contemplação, simbiose, aprendizado, prazer, descoberta, etc.

Certamente a situação é muito complicada. Com certeza causa uma tristeza/decepção sem paralelo, pois é uma perda tão súbita que nenhuma racionalização/reação é imediatamente possível. Causa uma depressão, que embora seja aguda, pois a racionalidade sempre volta a operar, é profunda e desesperadora como qualquer queda abrupta das funções do cérebro ou da autoestima/desejo de sobrevivência.

Algumas circunstâncias emocionais da vida nos levam a isso. Pequena é a possibilidade de controlar. Mesmo não sendo impossível controlá-las, quase sempre não realizamos nenhum esforço no sentido de controlar essas situações. Geralmente estamos presos à sensação do momento que nos marcou tanto. Como se o universo estivesse preso e concentrado num determinado momento.

Por incrível que pareças, embora extremamente preciosos, estes magnânimos momentos não são necessariamente raros e podem até repetir-se com determinada frequência. Acontece com o crente fervoroso no culto ou missa. Do mesmo modo com o fanático torcedor em partidas de seu time. São momentos tão especiais que o seu término por contraposição são extremamente sentidos.

Os momentos mágicos de convivência com seres maravilhosos estabelecem a mesma dinâmica. Sentimo-nos vivendo um instante excepcional em sua presença, mas o baque após nos despedirmos desse momento mágico é trágico. É como se o mundo inteiro desaparecesse por instantes até que a situação pudesse ser compreendida e sublimada pela consciência. Afinal apesar de maravilhosos e singulares, não são únicos e não constituem toda a vida.

Bom... na falta de uma maior sensibilidade ou poética deixo meu texto assim. Fica assim, não tão bom, por falta de talento. Mas espero ter escrito legivelmente e provocado reflexões. Quem sabe um bom comentário. Quem sabe algo que traga mais luz à questão.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

O amor na ética de Bento de Espinosa

 


Baruch Spinoza ou Bento de Espinosa, funda sua ética no ser humano e na sua ideia do Criador como ser imanente, “Deus, isto é, Natureza”, ou seja, desdiferenciando a divindade que tudo vê, tudo sabe, da natureza, do universo, de tudo o que existe. Obviamente, despersonalizando o Criador, por um princípio simples: se não havia nada senão Ele, tudo o que foi criado, objetiva-se a partir dele próprio. Por consequência, aos homens é dado o poder criador, pois eles são particularidades da única substância existente: o Criador.

Embora a história recaia num fatalismo, pois o Criador está em todos os tempos e espaços e, assim, já conhece o futuro. E se este já é conhecido, está fatalmente determinado. O homem, substância finita (para Descartes) ou atributo (para Spinoza), não conhece o futuro, para ele não está determinado, por essa razão se torna se torna irremediavelmente artífice de seu futuro ainda desconhecido. Com essa ideia, Spinoza geometrizando ideias de Descartes, retira a ideia de que os homens estariam reféns de um Deus externo para a confecção de seu futuro. Ideia predominante na Idade Média.

No entanto, um aspecto que se destaca nos livros de Spinoza é a sua concepção de um amor político para costurar a ética de fato. Também se destaca a crítica aos que tentam negar a natureza humana em prol de uma concepção humana fictícia na qual o amor é tratado com desdém, quando não com desprezo:

A maioria dos filósofos concebe os afetos que em nós travam combate como vícios em que os homens caem por sua culpa; por isso habituaram-se a rir deles, lamentá-los, maltratá-los e (quando querem parecer mais santos do que todos) detestá-los. Acreditam, assim, fazer coisas divinas e elevarem-se ao cume da sabedoria, prodigalizando toda espécie de louvores a uma natureza humana que não existe em parte nenhuma e ferindo com seus discursos aquela que realmente existe. Concebem os homens não tais como são, mas como gostariam que fossem. Eis por que, quase todos, em vez de uma ética, escreveram sátiras, e não tiveram sobre política ideias que pudessem ser postas em uso, concebendo-a como quimera ou utopia. [...] Por esse motivo, acredita-se que, de todas as ciências que têm um uso, é na política que a teoria passa por mais discrepar da prática, não havendo homens que se estimem menos idôneos para dirigir a República do que os teóricos, isto é, os filósofos. (SPINOZA, In Tratado Político).

A própria definição de amor de Spinoza, mostra o quão politico é o papel do amor, se pensarmos a política como a arte de criar relações, de relacionar as pessoas como concebera Aristóteles e, depois de Spinoza, Hannah Arendt e Jüngen Habermas. Assim explicita, Baruch Spinoza:

Amor é fruição de uma coisa e união com ela [...]. Do amor [diversamente da admiração e de outras paixões] é próprio jamais nos esforçarmos para dele nos livrarmos, por impossível. E é necessário que não nos livremos dele. Impossível, porque isso não depende de nós, e sim do que vemos de bom e útil no objeto e, se não quiséssemos amá-lo agora, seria preciso que primeiro não o conhecêssemos, mas isso não está em nossa liberdade ou não depende de nós: se nada conhecêssemos, nada seríamos. Necessário, porque a fraqueza de nossa natureza impediria que existíssemos se não fruirmos de algo que nos fortaleça e a que nos unamos. (SPINOZA, in Breve Tratado).

Que ainda adverte que “toda nossa felicidade ou infelicidade nisto reside: na qualidade do objeto ao qual nos unimos por amor” Baruch Spinoza (in Tratado da emenda do intelecto).

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ansiedade e Angústia

 


A ansiedade ou a angústia são sensações que muito nos incomodam. Nós sabemos o tanto que nos impacienta, irrita. Mas a ansiedade ou angustia é sem dúvida um motivatriz imperioso tanto para construir e acelerar a constituição de institutos, sejam estados nacionais, sejam personalidades quanto para destruir esses mesmos imperativos categóricos pessoais, legais ou estruturais.

O ser angustiado é o que mais se determina em produzir. Isto quando não é preso pelo contra-movimento arquitetado pelo mesmo sentir. O ser angustiado não pondera faz. E quando erra conserta muito mais rapidamente que os outros, pois por ela se move.

Vivemos numa sociedade de medos paralisantes e cada vez menos angustias. O que é um dado ruim, pois tendem a lentidão as histórias pessoais dos incautos covardizados pela indústria do medo que impera e nossa sociedade. Hoje, mais profundamente que no Feudalismo, o sujeito pode até morrer de inanição, mas resiste em sair para a rua, para o espaço público.

É necessário que tenhamos angústias, tesão em fazer as coisas. É vital que vivamos a cada momento com o maior prazer possível e angustiados por um novo dia. Só quando vivermos assim é que será possível reformar todo o entendimento das sociedades e viável um novo entendimento estrutural. Não é possível conseguir viver num mundo melhor se não tivermos uma extrema, constante e insuportável angústia por justiça. Uma sede de democracia plena e uma fome de liberdade. É preciso viver organicamente a sua própria história, avaliá-la por uma filosofia da história a critério próprio. Igualmente necessário viver intensamente a história de seu grupo, avaliando-a segundo critério coerentes. E finalmente, abreviando, é vital viver a história da humanidade, com um espírito crítico e autocrítico exacerbado.

A vida segue

  Atravessei dois ou três prédios pela rua Inspirou-me confiança Acenei efusivamente para o nada Recolhi todos ou louros da ação Esc...