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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

As lições da infame infância de Sartre para ele

 


Alguns mínimos apontamentos de Sartre, recolhidos por Gerard Lebrun, filósofo autor de Kant e o fim da metafísica [1970], O avesso da dialética: Hegel à luz de Nietzsche [1988] e A filosofia e sua História [2006]. Os recolhidos são do último livro citado. Talvez consigamos refletir sobre eles. O que seria uma reflexão sobre a reflexão. Algo muito interessante, pois teríamos a reflexão de Sartre adulto sobre o pequeno adulto que foi Sartre, uma infância desprezada por ele, mas que reconhece que a sua negação o conduziu às suas grandes obras, principalmente A náusea e O Ser e o Nada. Vejamos estes recortes:

É por isso que, sendo todos comediantes, somos todos cabotinos, todos estamos de má fé. Essa distância, de que antes eu me orgulhava, não é nada. De maneira que, ao descobrir meu cabotinismo integral, desvendo meu Nada: não havia ninguém sob a máscara. “Tentara refugiar-me em minha verdade solitária; mas eu não dispunha de verdade alguma” “Eu era nada” “Eu não era consistente nem permanente; eu não era o continuador futuro da obra paterna, eu não era necessário à produção do aço: em suma, eu não tinha alma”. “Nasci para suprir a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo; até então só conhecendo as vaidades de um cão de luxo, acuado no orgulho, tornei-me o Orgulhoso [...] Neste ponto extremo da humildade, não podia mais me salvar a não ser invertendo a situação”

Os escritores não são solitários: a humanidade necessita tanto deles quanto dos cavaleiros errantes ou dos vingadores da injustiça. Ou melhor: o escritor, testemunhando a favor do homem, o salva. “Tornei-me cátaro, confundi literatura com prece, converti-a em sacrifício humano [...]. Tomei a decisão de escrever para Deus com vistas a salvar meus vizinhos. Eu queria pessoas que me devessem favores e não leitores.”  (LEBRUN,2006,p. 43-45).

Assim Sartre, usando a estética sob sua própria definição de transformar o mundo em aparência do mundo, mostra como chegou a sua primeira grande obra, A náusea:

Consegui aos trinta anos dar esse belo golpe: o de escrever em A náusea – muito sinceramente, podem crer – a existência injustificada, salobra, de meus congêneres e colocar a minha fora de questão [...] Mais tarde expus jovialmente que o homem é impossível; eu próprio impossível, diferia dos outros apenas pelo simples mandato de manifestar essa impossibilidade que, no mesmo lance, se transfigurava [...] Falsificado até os ossos e mistificado, escrevia alegremente sobre nossa infeliz condição.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Para comer é preciso degustar. Para entender, raciocinar

 Informação == Reflexão ==> Conhecimento


    Sua mãe, sua vó ou tia, algum antepassado seu já lhe disse que é preciso mastigar, degustar antes de engolir. Estamos na era da informação e também na da extrema fluidez que conjuntamente nos encharcam de informações úteis e inúteis às quais deglutimos com extrema voracidade sem nenhum processo.

    Nos tornamos tão cômodos/preguiçosos que muita das vezes procuramos opiniões prontas para não precisar despender energia pra ter uma própria. Os shakes estão por ai se você não quiser mastigar. Bastar sorver um liquido grosso, uma vitamina batida no leite talvez. O interessante é que a opinião alheia é mera informação. Assim deveria ser tratada porque só aprendemos sobre aquilo que paramos pra pensar sobre, isto é, refletimos.

    Ah você está falando da imprensa, das noticias, da comunicação em suas mais diversas formas. Também. Entretanto há um tipo de comunicação que é a boa educação que ninguém lembra dela. O ensino, sobretudo nas mais gabaritadas escolas (necessariamente não as melhores), é uma sequencia de informações infindáveis sem pausa. Nos mais famosos cursinhos, mnemônicos. Informações ditadas, escritas, faladas sem nenhuma pausa pra assentar, refletir.

    Aprendemos igual máquinas. Objetos notadamente estúpidos com memórias inimagináveis, mas que sem programação previa não produzem nada. Ah, mas tem a inteligência artificial... são bancos de dados estrambólicos com inclusive de algoritmos dos quais a tal inteligência pode usar com severas limitações de empreendimento. Tem algoritmo suficiente pra maquina usar e resolver todos os problemas do universo infinitas vezes e, mesmo com esses modelos todos, a máquina brocha. Mas paro por aqui porque inteligência é objetivo desse texto, não inteligência artificial, a qual não é nem inteligente porque não reflete, nem artificial porque todos os meios foram dados por seres humanos.

    Voltando a escola, o ensino deseja nos treinar para repetir chaves, dogmas. instrumentalizarmos para nos tornar civilizados. Hoje, nem mais isso com o modelo geral de individualizar as pessoas. Não um ensino individualizado que seria excelente, mas um modelo geral de formar o quanto possível pessoas desagregadas exatamente iguais. Assim, tudo é um modelo que tem objetivos em determinado tempo na qual pelo sucesso da educação premia-se quem ensina as palavras, códigos-chave em menos tempo. A tal da eficiência.

    Compreensão, aprender, isso é secundário. Seria até  bom que as pessoas aprendessem, mas se não der tempo... Basta conhecer os códigos, conhecer o mínimo. Saber falar, escrever as palavras necessárias. Conhecer as respostas. Não importa se as entendem ou não.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Hannah e a necessidade da política

 


Arendt viveu no período mais cáustico pós a modernidade, verificou que com o advento do moderno, da técnica, da tecnologia e o domínio da economia sobre tudo, inclusive a política, transformando comunitas, comunidade em societá, sociedade. Termo político em econômico, houve a decadência da política, valor que integrava e explicava a cidadania.

Muitos de nossos valores ainda são dessa remota época em que a política explicava o mundo e, nos colocam num limbo, pois são efêmeros e inertes. Não tem mais significado num mundo em que pouco importa a política, o debate, o público. Importam agora a economia, a obediência cega, o desejo, o particular.

Tornou o ser humano um frustrado, um poço de desejos insondáveis, um poço de mágoa. Campo ideal para que líderes carismáticos em plena circunstancia democrática tenham domínio total sobre seu povo, mais domínio que qualquer ditador que encontrará sempre forte oposição. Ambiente ideal para o totalitarismo, a perfeita manipulação dos desejos da massa para satisfazer os desejos de um único ser ou de uma única elite que se aproveita da situação.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Mito IV

 

O universo era uma ideia constituída de outras de igual natureza. Algumas lendas asseguram que ele explodiu de decepção ao saber que era um simples substantivo, algo muito nominal, ele gostaria de ser uma locução verbal, algo complexo.

A explosão para algo tido como tão fenomenal que descobre que é tão simples uma coisa bastante momentânea e fatual. O universo só não poderia calcular os efeitos de sua raiva momentânea. Quando ele caiu em si percebeu a besteira que havia feito e por isso que o universo vive se expandindo, para afastar os corpos celestes e evitar a fofoca entre eles.

Passado o tempo, o universo acabou aprendendo que o caminho da sabedoria é a simplicidade e essa é outra razão para a expansão do universo, a expansão da alegria. E o universo se tornava cada vez mais sapiente e simplório, mais alegre e expansivo. Por isso que o universo é tão simples, misterioso e brilhante.

Sendo um substantivo maior, resolveu substantivar todas as coisas, lhes dando nomes. E todas as coisas passaram a ter nomes, várias denominações, várias raízes, matizes, fonemas, ortografias e significados. A partir daquele momento tudo era substantivo múltiplo como o universo o é.

O universo como substantivo é simples e denomina tudo como convém a um substantivo. O substantivo é um, é o universo.

(Pensar...)

 

Mito III

 

Que o universo era constituído somente de ideias, a essa altura vocês já estão cansados de ler nos meus artigos. Os artigos anteriores diziam que o mundo é constituído de onomatopeias ou adjetivos, mas tudo isso é besteira, o mundo é constituído de metáforas.

O mundo era só ideias e explodiu ao descobrir que ele conseguia ressinificar as palavras usando outras palavras para definir palavras suas. Isso é uma coisa impressionante até para uma ideia grandiosa como o universo. Então a explosão foi mais que justificada.

A maioria (quase a totalidade das lendas de criação do mundo) demonstra que o mundo foi criado por metáforas, já que as próprias estórias são metáforas da criação do mundo. O mundo é uma metáfora da existência humana, na verdade é uma metáfora de uma metáfora. A própria existência humana é uma metáfora.

Por isso que o mundo é algo que se refere a outro objeto, uma idéia que se refere a outra. Devido ao material de que é constituído o mundo acaba não sendo o que é, já que ele é constituído de referências aos objetos. Então o mundo é referencial e por isso relativo, inexato e mutante.

(Pensar...)

Mito II

 

No começo o mundo era só ideias (Eu acho que até Platão concorda comigo, ou eu concordo com ele, sei lá). Só existia espírito, entidade, mente... só existiam pensamentos, convicções, doutrinas, verdades de todos os tipos. Primeiro o universo (uma idéia muito legal) explode em alegria ao perceber a primeira dúvida. Bum, Catapuft, Ploft, Pow... mais ou menos isso.

A dúvida era algo muito importante, pois o universo percebeu que poderia ainda crescer, se expandir. A incerteza era algo esplêndido, algo indubitavelmente maravilhoso. O universo estava formidável e benevolente com a descoberta. As ideias também estavam eufóricas e absolutamente lindas, pois, afinal, o universo era constituído delas.

Como se pode notar, nasceram nesse momento os adjetivos, que por sua vez construíram o mundo. Por isso que o mundo é ao mesmo tempo tão lindo, maravilhoso, formidável, esplêndido, monumental, mas ainda assim com um grave problema: é volúvel como todos os adjetivos, dos quais é constituído.

O mundo antes de existir era rude e simplório, mas, com certeza era muito mais perfeito do que o é hoje. Acontece que quando o universo criou a perfeição, descobriu que ela era muito soberba, bastante imatura e excessivamente fútil.

(Pensar...)

Mito I

Segundo as lendas onomatopaicas, o mundo não nasceu, ele morreu.

Primeiro segundo, dia da criação, havia um amplo universo de ideias, de concepções, de estilos, de ideologias. Segundo momento, o instante da transfiguração, tudo o que era deixou de ser. Terceiro estado, a explosão, bum...! Bum...! Bum...! Tá bom. Isso já esboça o esdrúxulo.

A onomatopeia se transfigurava, atitude normal para uma figura em eterna mudança. Ao homem restavam algumas ideias e elas construíam um novo habitat. As pedras pela força do pensamento transformaram-se em mesa e cadeiras. Alguns arbustos em comida (haja imaginação para se comer uma folha). As caças se transformaram em manjar. O homem sugava a vida e as virtudes de outros animais. O homem agora era vampiro e sugava força vital. O homem foi vampiro mesmo antes de a Transilvânia ser criada.

As noites eram longas e o homem teve que inventar as brincadeiras. Brincou de fazer fogo, de desenhar e de imitar o que os animais faziam e acabou descobrindo brincadeiras maravilhosas. Acabou aprendendo que para viver é preciso brincar. Os homens dependem de suas brincadeiras para sobreviver e as brincadeiras melhoram sua autoestima.

(Pensar...)


Conto do Théo

  A história de Théo seria uma teogonia? Se a questão se refere a um demiurgo, certamente não. Mas é uma história do todo-poderoso, oniscien...