Acompanham

domingo, 31 de agosto de 2025

Qual linha?

Comeram o pedaço

Deixaram o bolo

Expresso quente

Queimou minhas ideias

 

O bolo dado no encontro

Separou o reunido

Comeram um pedaço

Da minha paciência

 

E passa trem

Passa trem. Passa trem

O expresso tá quente

Não dá pra mudar de linha

 

(Sobra voltar pra casa)

Em que linha?

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Conto do Bernardo

            


         Bernardo! Beernaardo! Bernardooo! Gritavam pra todo lado. Era um tal de Bernardo pra cá, Bernardo pra lá. Bernardo na torre. Bernardo no calabouço. Era uma solicitação infindável daquele criado. Ele estava por todos os lados e dado o volume de chamados em todos os outros não estava, mas estava chegando. Bernardo era pau pra toda obra. Madeira pra dar em doido.

Quanto mais atendia as solicitações, mais era convocado. Aprendera a dormir em pé. Encrustara um pequeno travesseiro de palha em seu chapéu de pano. Todos estavam impacientes porem bem felizes com ele. Insatisfeita somente a velha Bernarda que nunca tinha o filho nos almoços de domingo. Nunca degustara o ganso no molho de Champagne feito pelo filho.

Nem mesmo o biscoito de conhaque que Bernardo distribuía aos nobres pelo palácio. Bernarda não gostava de conhaque. Sua única folga era das cinco às sete da manhã aos sábados quando ia a igreja velha para colher cana aos fundos. Fazia torrões de açúcar pra colocar no chá.

Bernardo havia sido criado com o príncipe. Criado do príncipe que agora era rei consorte. Assistiu todas as aulas do então príncipe. Em algumas doutrinas aprendeu melhor que o rei mesmo sem caneta ou caderno. Sabia ligeiramente de tudo. Nada com a devida profundidade. Era o bastante pra conseguir atender as frivolidades da nobreza ou com nobreza as frivolidades.

Bernardo limpa meu colo! Olha a cozinha tá bagunçada! Ajeita a coleira do palhaço! Solta o cachorro! Devolve a sopa que ela tá quente! Sopra a sopa que tá gelada! Olha as horas, Bernardo! Bernardo, tô com sono! Bernardo, quero me aliviar! Era chamado pra tudo. Todos os nobres eram crianças. Não faziam nada sozinhas! Bernardo, talvez o mais novo deles, era o único adulto.

O solícito criado era intensamente apreciado. Fora uma das crianças mais lindas daquele reino. Hoje era um dos velhos mais acabados. Tinha lá os seus vinte e dois anos. Não era novo. Mas parecia ter quase cinquenta. Ou seja, parecia ter ido além da morte. Uma espécie de morto-vivo.

Dona Bernarda parecia mais nova. Tinha lá seus avançados trinta e oito anos. Não tinha muito mais tempo de vida. Mas não parecia já ter morrido como seu filho. Passava suas horas a tricotar. Dava sempre uma passadinha no estábulo para saber das ultimas novidades do reino. As notícias vinham sempre à cavalo. Principalmente as más.  Bernardo não tinha tempo de saber de nada. Não sabia das últimas. Nunca encontrara a mãe pra saber que era filho bastardo do rei. Não do rei atual, mas do pai dele. Mas também não gostaria de saber porque odiava fofoca!

        Bernardo! Beeernaaaardo! Bernardoooooooo! Ele pra lá e pra cá e pra todo lado. É tanta correria que eu até já me cansei. Não vou contar mais essa história. É muito difícil acompanhar Bernardo. Boa Noite! Vou me acomodar nas cocheiras. Bernardo, cadê minha palha?

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Desfolhar

Aviaram a receita

Nada de novo por um tempo

Nem tampouco lembranças serem tomadas

Existência várias vezes ao dia

Desembrulhar o presente

Pacientemente

Folha a folha

Apreciando o momento

Curtindo o instante

Criando eternidades

Ficar fora do tempo

Pra apreciar a beleza

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Eterno

Agora já não é mais ontem

Tampouco é amanhã

O presente é uma ilusão

Inexiste? Não.

É consumível

O sólido desparece no ar

O instante de agora já é passado

Só existe o eterno

Esse momento fora do tempo

Sem duração definida

Breve, longo, sempre presente

Uma ausência marcante

O que o retira do tempo

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Sobre viver

A vida é um breve deságio

Entre o infinito potencial

Tudo posso ser

E o trágico final

Só posso ser o que fui

 

Uma trágica caminhada

Onde superar os obstáculos

Pode ser meio ou fim

Há muita beleza no caminho

Mas ninguém tem tempo, não é mesmo?

 

Viver não permite aproveitar o caminho

Todos temos compromissos, não é mesmo?

Pode-se até viver, mas não é permitido viver

Sobreviver é o primordial

O resto é sobra.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Conto de Amara

 



Andava perdido uma meia légua quando encontrei Amara. Estava ela no lugar exato. Numa encruzilhada entre hoje, ontem e amanhã. Era uma espécie de totem existencial. Um marco que deixaria profundas cicatrizes em seu corpo, uma breve coceira na alma. De todos que encontrei só ela nunca estava perdida. Tinha achado seu lugar no mundo: à margem de qualquer momento. Era um ser marginal. Não queria estar no palco. Odiava estar no centro de algo. Não queria chamar a atenção de ninguém. E nunca chamava. Nunca repreendia ninguém. Mas ao mesmo tempo era impossível não ser notada: era uma pessoa linda e expressiva.

Nascera em Alexandria. Não naquela segunda mais famosa no sul da Itália, mas no Rio Grande do Norte. Alexandria é uma cidade do  distante 383 quilômetros de Natal. O nome do município, vigente desde 1936, é uma referência a Alexandrina Barreto Ferreira Chaves, mulher de Joaquim Ferreira Chaves, que foi senador e governador do Rio Grande do Norte. Nada referente àquele Alexandre, o pequeno, filho de o breve. Que conquistou meio mundo, mas não conseguia sair da frente de Diogenes tampando seu sol. Não que o Sol fosse de Diogenes. O Cínico não desejava ter nada. Nem sua barrica, usada apenas pra cobrir sua nudez.

 Alguns diziam que era meio coxinha da perna esquerda. Seu instrutor físico dizia que era um mero cacoete, um tique. A inveja preenchia o mundo. Aquele diminuto ser devia ter alguns defeitos inomináveis para compensar aquela cômoda falta de qualidades. Todos, inclusive o narrador invejava sua perfeita mediocridade. Era o ser mais comum que alguém poderia encontrar. Qualquer ser se deliciaria no tête-à-tête com ela. Não lhe faltava lugares comuns ao mesmo tempo que surpreendia com sua fluidez ao discutir desde a vida das formigas à crise nuclear na Argélia.

Sua respiração tinha um ritmo marcadamente musical. Poucas aves ressonavam tão belo. Andava as vezes como se dançasse uma valsa outras vezes um bolero. Não era dada a improvisação, embora surpreendesse a todos com suas singelas mudanças de direção. Observar uma bailarina cruzar uma rua não é nada tedioso, mas os carros não tem paciência. Um dia talvez apareça em uma central automotiva de jogos, mas não para o motorista, esse ser tenso.

O mundo precisa de um tempo para apreciar a beleza. Mas todos estão muito atarefados com seus ofícios, divertimentos e devaneios. Agora até o ócio é produtivo. Postergar causa ansiedade, pois a lista de tarefas é infindável e constantemente renovada. Amara é perfeita. Ela está fora disso. Amara ama uma rede. Não pretende fazer mais do que é necessário. Ter mais do que tem. Apreciar o que não pode ser apreciado.

Amara anda pelo mundo. Mora onde é preciso e faz o estritamente indispensável. Ela sempre está no lugar certo, mas apenas pelo tempo necessário. Eu e você gostamos que Amara esteja lá. Mas não conhecemos Amara. Não gostamos ou desgostamos de Amara e Amara ama isso. Amara adora ser útil. Sabe que é apreciada pela sua prestatividade e beleza. Mas não quer permanecer. Constrangesse-se com os elogios.

Ela não deseja estar. Adora a estrada. Permanecer implica juízos. Amara não quer ser julgada. Odeia que pensem algo dela. Todas as melhores considerações do mundo não valem sua privacidade. Então ela decidiu sair da vida apenas o necessário. Mostrar apenas o seu lado privilegiado e esconder seus defeitos.

Amara anda pelo mundo sem se deter nos obstáculos sendo das coisas mais belas e perfeitas que você pode ver. O que a denigre está contido, armazenado fora de disponibilidade. Amara é um personagem de Amara. Amara mesmo é amável. Não precisa de um personagem. Mas porque libertar suas falhas pra julgamento? Porque expor seus erros? Não que se importe com isso. Amara é livre pelo mundo. Não se prende a julgamentos. Mas porque deixar porem-na numa caixa?

Ela está onde deseja estar. Faz o que precisa. Só isso e no que lhe sobra vive. Talvez só Amara viva. Fico feliz por gastar esses quinze minutos de minha vida para falar de Amara. Amara não. É exatamente isso.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Enredado

Alguma coisa sempre surge

Onde nasce o desespero

Confusa e desenganada

Nada além de fuga

Tudo intrinsecamente entrelaçado

Plena confusão

Difícil separar os sentidos

Tudo se acumula

Se enrola

Quanto mais mexe

Mais preso está

É a armadilha da confusão

Quem concentra se perde

Quem intui escapa

Quem estuda aprende

Quem escapa é livre

Só não sabe pra que.

Você pode conhecer o emaranhado

Ou só admirar a peça

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Mediocridade

Vou não vou

Cê não vai?

Não, não vou

Não estarei aqui

 

Ficar é custoso

Ir é demorado

Quando chega?

A tal felicidade

 

Contentamento não é pra quem pensa

Raciocinar não é racionar energia

É se desgastar por nada

Corromper a alegria

 

Não, não vou mesmo

A alegria é efêmera

A melancolia é duradoura

Serve-me a mediocridade

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Aurus Vivitas

Contornava as retas

Cortava as curvas

Trilhava caminhos inóspitos

Criava trilhas

Espalhava as migalhas da experiencia

Experimentava viver cada passo

Descartava o passado

Já o tinha vivido

Não ansiava pelo futuro

Impossível vive-lo

Degustava os presentes

Presentemente

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Enredo

Perderam-me na esquina

Cruzei a diagonal errada

Não vi cachorro

Nem automotivo

Trombei minha própria perna

Ultrapassei o medo

Cheguei no pavor

A queda é prevista

O chão é seguro

Nada mais a fazer

Sobra viver

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...